domingo, 17 de março de 2013

A PROGRESSÃO DE REGIME DE CUMPRIMENTO DA PENA NA JUSTIÇA MILITAR.


O acervo literário destinado ao estudo do Direito Penal Militar se mostra escasso quando comparado ao do Direito Penal comum e, no tocante à execução da sentença penal no âmbito da Justiça Militar, seja da União, seja Estadual o que se tem é uma quase inexistente doutrina. Quase inexistente apenas porque ilustres doutrinadores do Direito Militar como Jorge César de Assis, Esdras dos Santos Carvalho, Célio Lobão e, não podendo esquecer o precursor do estudo desse importante ramo do direito – Esmeraldino Bandeira, já se debruçaram sobre o tema evitando assim um vácuo doutrinário e nos brindando com obras importantíssimas.

O presente artigo, de forma extremamente sintética, abordará um dos principais temas existentes no âmbito da Execução Penal na Justiça Militar da União e Estadual, que é a vedação da progressão de regime de cumprimento de pena imposta ao militar pela prática de um injusto penal militar em tempo de paz, interpretando a aludida vedação sob a égide da Constituição Federal de 1988, para determinar se tal vedação atenta contra a ordem constitucional vigente ou não.
Inicialmente, observa-se que um dos aspectos interessantes quando se estuda a história da Justiça Militar, é que as penas aplicadas aos militares sempre se mostraram extremamente severas, e até desumanas.

Impondo um árduo esforço para se tentar compreender o porquê de tamanha crueldade, pode-se até vislumbrar que, em tempos extremos como o de guerra, em que a própria soberania do Estado está em jogo, este estaria legitimado a utilizar-se de todos os meios necessários para que aqueles incumbidos de pegar em armas e defender a soberania estatal cumpram com o seu dever, mesmo a custo de suas próprias vidas, e que caso não o façam a resposta do Estado é extremamente severa, punindo-se inclusive com a morte.

Mas e em tempo de paz, é razoável que as leis penais castrenses não se adeqüem ao regime constitucional vigente que garante os direitos fundamentais do homem?

O que se pretende não é defender a extinção da Justiça Militar, muito pelo contrário, o que se deseja é o seu fortalecimento, com a aplicação de um direito penal e processual militar a luz das garantias constitucionais e institutos jurídicos modernos, antenado com os compromissos legislativos e administrativos assumidos pelo Brasil na esfera internacional.

Por tais razões, e outras que passaremos a abordar, a vedação da progressão de regime de cumprimento de pena imposta ao militar pela prática de um injusto tipificado como crime militar em tempo de paz em estabelecimento prisional militar, não se adeqüa ao regime constitucional vigente.
                 
 Como é sabido, a pena tem diferentes finalidades: retributiva, preventiva (especial e geral) e ressocializadora ou socializadora. A pena como retribuição de culpabilidade do autor consiste, nos dizeres de Juarez Cirino dos Santos “na compensação da culpabilidade ou, na expiação da culpabilidade do autor, mediante imposição de um mal equivalente ao fato praticado, sem qualquer finalidade social útil”.

Atualmente, no Estado Democrático de Direito vigente no Brasil a pena não deve adquirir um caráter retributivo, pois, caso contrário, estaremos diante de uma “vingança” estatal ou da sociedade. Assim, prossegue o Mestre Juarez Cirino em suas criticas à referida função retributiva da pena:


Não é democrático porque no Estado Democrático de Direito o poder é exercido em nome do povo – e não em nome de Deus – e, além disso, o Direito Penal não tem por objetivo realizar vinganças, mas proteger bens jurídicos.
A função preventiva objetiva apenas evitar que o delinqüente pratique novos crimes, retirando-o do convívio social. No tocante a função preventiva especial da pena:

O Estado espera que a função de prevenção especial atribuída à pena criminal realize o objetivo de evitar crimes futuros, mediante a ação positiva de correção do autor através da execução da pena, que aprenderia a conduzir uma vida futura em responsabilidade social e sem fatos puníveis, e mediante a ação negativa de proteção da comunidade pela neutralização do autor através da prisão, que não poderia praticar novos fatos puníveis contra a coletividade social.


Todavia, o ilustre doutrinador tece criticas quanto a essa função: 

A crítica ao discurso da prevenção especial destaca o fracasso histórico do projeto técnico-corretivo da prisão, caracterizado pelo chamado isomorfismo reformista, de reconhecimento continuado do fracasso da prisão e de reproposição reiterada do mesmo projeto fracassado. Os argumentos que demonstram o fracasso da prevenção especial se distribuem ao nível da execução e ao nível da aplicação da pena. Ao nível da execução da pena, em geral admitida como ultima ratio da política social, a introdução do condenado na prisão inicia um duplo processo de transformação pessoal: um processo de desculturação progressiva, consistente no desaprendizado dos valores e normas próprios da convivência social; um processo de aculturação simultâneo, consistente no aprendizado forçado dos valores e normas próprios da vida na prisão: os valores e normas da violência e da corrupção – ou seja, a prisão só ensina a viver na prisão. Após o cumprimento da pena, esse processo de recíproca desestruturação e reestruturação da personalidade, atualmente conhecido como prisionalização do condenado, é agravado pelo retorno do egresso às mesmas condições sociais adversas que estavam na origem da criminalização anterior. Ao nível da aplicação da pena existe grave tensão entre a aparência do processo legal devido e a realidade do exercício seletivo do poder de punir: a) o discurso jurídico destaca o processo legal devido, regido pela dogmática penal e processual penal como critério de racionalidade, define o crime como realidade ontológica preconstituída e apresenta o sistema de justiça criminal como instituição neutra que realiza uma atividade imparcial; b) a criminologia crítica revela o processo legal devido como exercício seletivo do poder de punir, mostra o crime como qualidade atribuída a determinados fatos, a criminalização como um bem social negativo distribuído desigualmente e, finalmente, o sistema de justiça criminal como instituição ativa na transformação do cidadão em criminoso, segundo a lógica menos ou mais inconsciente das chamadas meta-regras (ou basic rules), definidas por SACK como o momento decisivo do processo de criminalização: mecanismos psíquicos emocionais atuantes no cérebro do operador do direito, constituídos de preconceitos, estereótipos, traumas e outras idiossincrasias pessoais, que explicariam porque a repressão penal se concentra nas drogas e na área patrimonial, por exemplo, e não nos crimes contra a economia, a ordem tributária, a ecologia etc.


Quanto à função preventiva geral da pena, prosseguiu o ilustre mestre:

Finalmente, o Estado acredita que a função de prevenção geral atribuída à pena criminal realiza o objetivo de evitar crimes futuros, também de duas formas: a) primitivamente, a prevenção geral possuía apenas forma negativa, pela qual a intimidação da pena criminal desestimularia pessoas de praticarem crimes, segundo a célebre teoria da coação psicológica, de FEUERBACH: não seria o rigor da pena, mas o risco (ou certeza) da punição que intimidaria o autor, conforme uma velha teoria de BECCARIA, hoje muito difundida – e, portanto, o desestímulo poderia ocorrer em crimes que implicam reflexão (crimes econômicos, ecológicos etc.), mas não em crimes espontâneos (crimes violentos, por exemplo); b) modernamente, atribui-se também uma forma positiva à prevenção geral, conhecida como integração-prevenção: a execução da pena no caso concreto cumpriria função de estabilização social normativa, porque demonstraria tanto a necessidade como a utilidade do controle social penal: por um lado, indicaria a necessidade do controle social penal para proteção da sociedade; por outro lado, mostraria a utilidade do controle social penal, na medida em que a punição do criminoso elevaria a fidelidade jurídica do povo, enquanto a não-punição do criminoso, além do repúdio do sentimento jurídico da coletividade, reduziria a confiança da população na inquebrantabilidade do Direito.

Entretanto, essa função também merece corretas críticas pela referida doutrina: 

A crítica à função negativa de intimidação destaca que a prevenção geral não possui critério limitador da pena, degenerando em puro terrorismo estatal – como ocorre, por exemplo, com os crimes hediondos, no Brasil; por outro lado, assinala que a intimidacão atribuída à função de prevenção geral negativa da pena criminal constitui violação da dignidade humana: a punição imposta ao condenado teria por objetivo influenciar o comportamento da coletividade, de modo que o sofrimento de uma pessoa seria simples exemplo para intimidar outras pessoas. A função positiva de estabilização social normativa da prevenção geral surge em conjunto com o direito penal simbólico, representado pela criminalidade econômica, ecológica etc., em que o Estado não parece interessado em soluções sociais reais, mas em soluções penais simbólicas, que protegeriam complexos funcionais (a economia, a ecologia etc.) – e não bens jurídicos individuais –, nos quais o homem deixa de ser o centro de gravidade do direito para ser um simples portador de funções jurídico-penais, segundo a tese de BARATTA. Assim, o direito penal simbólico não teria função instrumental – ou seja, não existiria para ser efetivo –, mas teria função meramente política, através da criação de imagens ou de símbolos que atuariam na psicologia do povo, produzindo determinados efeitos úteis. O crescente uso simbólico do direito penal teria por objetivo produzir uma dupla legitimação: a) legitimação do poder político, facilmente conversível em votos – o que explica, por exemplo, o açodado apoio de partidos populares a legislações repressivas no Brasil; b) legitimação do direito penal, cada vez mais um programa desigual e seletivo de controle social das periferias urbanas e da força de trabalho marginalizada do mercado, com as vantagens da redução ou, mesmo, da exclusão de garantias constitucionais como a liberdade, a igualdade, a presunção de inocência etc., cuja supressão ameaça converter o Estado Democrático de Direito em estado policial. O conceito de integração-prevenção, introduzido pelo direito penal simbólico na moderna teoria da pena, cumpriria o papel complementar de escamotear a relação da criminalidade com as estruturas sociais desiguais das sociedades modernas, instituídas pelo direito e, em última instância, garantidas pelo poder político do Estado.


Por sua vez, a função ressocializadora ou socializadora da pena, tem como principal aspecto a correção da índole, da moral do delinqüente, tornando-o apto ao convívio social. Os defensores dessa função da pena acreditam que boas condições penitenciárias, como espaço adequado, provimento de serviços de saúde, de educação, acompanhamento psicológico, trabalho adequado, etc., podem contribuir para que boa parte da população carcerária consiga conduzir-se por uma vida honesta depois de sair da prisão.

Logo, tendo por base o Estado Democrático de Direito e consoante a Lei de Execução Penal, a pena privativa de liberdade tem também uma finalidade social, que consiste em oferecer ao condenado os meios para sua reintegração social.

Por tal razão, o sistema progressivo de regime foi instituído, com vistas à reinserção gradativa do condenado ao convívio social. Ele cumprirá a pena em etapas e em regime cada vez menos rigoroso, até receber a liberdade. Durante esse tempo, o preso será avaliado e só será merecedor da progressão caso a sua conduta assim recomende.

Porém, a legislação penal castrense não traz essa hipótese quando o militar condenado cumpre a pena em estabelecimento prisional militar. Estaria essa legislação em desalinho com a Constituição vigente?

 Inicialmente, cumpre esclarecer que à Justiça Militar da União compete processar e julgar os crimes militares definidos em lei, conforme previsão constitucional (art. 124, caput). Logo se extrai que a Justiça Militar União possui apenas a competência jurisdicional para julgar crimes militares definidos no Código Penal Militar cometidos no âmbito das Forças Armadas (Marinha, Exército e Força Aérea).

Outra conclusão é que, naquela justiça, o civil também pode ser processado e julgado como dispõe o código penal castrense (art. 9º CPM).

Já no âmbito estadual, a Justiça Militar tem competência para processar e julgar os militares dos Estados (policiais e bombeiros) nos crimes militares definidos Código Penal Militar e as ações decorrentes de atos disciplinares, por expressa previsão constitucional (art. 125, § 4º). Logo, o civil não pode ser processado pela Justiça Militar Estadual, mesmo que o injusto esteja definido na legislação penal castrense.

Veremos então como se cumprirá a sentença penal transitada em julgado por crimes militares em tempo de paz pelo militar federal e pelo civil condenados pela Justiça Militar da União e, o militar estadual condenado pela Justiça Militar Estadual.

No caso do sentenciado militar, conforme disposição no art. 2º, p.u., da Lei de Execução Penal (7.210/84): “Esta lei aplicar-se-á, igualmente ao preso provisório e ao condenado pela Justiça Eleitoral ou Militar, quando recolhido ao estabelecimento sujeito à jurisdição ordinária”.

Assim, compete ao Juiz da Justiça Militar a execução da pena imposta ao militar que não estiver recolhido a estabelecimento prisional civil, o que somente ocorrerá se o condenado for excluído das Forças Armadas. Militar da ativa cumpre pena em estabelecimento militar. Militar excluído das Forças
Armadas ou da corporação militar estadual, ou oficial na inatividade, após perda do posto e patente, cumprirá pena em estabelecimento prisional civil, competência do Juiz de Execução Penal do Estado.

São da competência do Juiz do processo os incidentes da execução, se o militar estiver cumprindo a pena em estabelecimento militar ou em liberdade, conforme dispõem os artigos 590 do CPPM e 2º, p. u., da Lei de Execução Penal.

Já o ex-militar condenado pela Justiça Militar e recolhido a estabelecimento sujeito à jurisdição ordinária adquirir o direito à concessão de liberdade (livramento condicional, regime aberto, etc.), a competência do Juiz da Vara de Execuções permanece inalterada, embora o sentenciado não mais se encontre em prisão civil.

No caso do sentenciado militar, que cumpre pena em prisão militar, é importante salientar que a lei lhe confere a prerrogativa de cumprir a pena de prisão em organização militar da respectiva força (art. 73, p.u., “c” da Lei 6.880/80). Assim, o militar preso provisoriamente ou em cumprimento de pena é recolhido à organização militar da respectiva arma, e, apenas após e se excluído das Forças Armadas passará a cumprir a pena em estabelecimento prisional sujeito a jurisdição civil.


Assim, quando cabe ao Juiz castrense executar a pena, prevalecerão às normas do CPPM sobre a Lei de Execução Penal. Enquanto não excluído das forças armadas ou corporação castrense, compete ao Juiz da Justiça Militar federal ou estadual a qual pertence o militar, a execução da sentença, sendo vedado o recolhimento do militar a estabelecimento prisional civil.

Quanto ao sentenciado civil, como vimos anteriormente, é da competência da Justiça Militar Federal processar e julgar o civil nos crimes militares definidos em lei contra as instituições militares federais (124 da CRFB/88, 9º, III do CPM e 82 § 1º do CPPM). O fato definido na lei penal militar contra as instituições militares estaduais, praticado por civil, é da competência da Justiça Estadual. Trataremos a seguir da execução de sentença imposta ao civil pela Justiça castrense da União.

O art. 62 do CPM estabelece que o civil cumpra a pena aplicada pela Justiça Militar em estabelecimento prisional civil, ficando sujeito à legislação penal comum. Assim, é competente o Juiz da Vara de Execução do Estado para a Execução da sentença condenatória imposta ao civil.
Importante ressaltar que, quanto ao Militar estadual, compete à Justiça Militar estadual processar e julgar o militar da respectiva unidade federativa, nos crimes militares definidos em lei, ressalvada a competência do Tribunal do Júri quando a vítima for civil (124 § 4º da CRFB/88).

O cumprimento da pena privativa de liberdade pelo integrante da corporação militar estadual será sempre no estabelecimento militar da unidade a qual pertence. Logo, a execução compete ao Juiz de Direito do Juízo Militar onde correu o processo.

Tratando-se de crime comum, o policial militar ou bombeiro militar recolhido a estabelecimento militar permanece sob a jurisdição do Juiz da Justiça comum perante o qual corre o processo, inclusive na execução da sentença.


A PROGRESSÃO DE REGIME PRISIONAL EM ESTABELECIMENTO MILITAR



Todo o ordenamento jurídico deve ser compatível com a aspiração garantista dos direitos fundamentais do homem trazida pela Constituição Federal vigente, devendo ser afastada qualquer disposição legal que atente contra essa aspiração.

Ao se examinar a legislação penal castrense, é fácil constatar inúmeras normas que não se coadunam com nossa Constituição cidadã, pelo simples fato de que aquela legislação foi forjada em um regime político de exceção, que mitigava os direitos fundamentais dos cidadãos, sejam civis ou militares.

Aliando-se ainda o aspecto histórico que demonstra que as penas impostas aos militares trazem um caráter aflitivo.

Segundo nos ensina Luiz Alberto Moro Cavalcante, no Código Penal Militar, as penas privativas de liberdade não são executadas em forma progressiva, porque não existem os regimes fechado, semi-aberto e aberto.

Todavia, não se pode olvidar que toda a legislação infra-constitucional deve sofrer uma leitura constitucional. As garantias constitucionais, sobretudo as “clausulas pétreas” e mais especificamente as que tratam dos direitos e garantias individuais, não podem ser sonegadas do cidadão que serve à pátria investido do munus militar, ainda mais em tempo de paz.

É comum vermos em julgados as afirmações de que o regime castrense é especial em relação à Lei 7.210/84, e que a norma que se refere à execução não admite progressão ou outros institutos pertinentes à execução penal no Sistema Prisional Comum. Cumpre-nos, no entanto, analisar tais entendimentos pretorianos à luz dos princípios constitucionais da isonomia, individualização e humanização da pena e proporcionalidade.

Assim, o princípio da igualdade e a liberdade individual devem ser encarados como limitações ao poder punitivo estatal, conduzindo à isonomia de tratamento das penas que, embora previstas em diplomas diferentes, possuem natureza jurídica idêntica.

A vedação à progressão de regime deve ser sofrer uma releitura, uma vez que, através de uma interpretação literal e mecânica, sem a necessária filtragem constitucional do art. 89 do CPM e do art. 618 do CPPM, chegaríamos à conclusão de que somente através do Livramento Condicional o militar condenado poderá retornar à sociedade durante a execução da pena.

Alberto Silva Franco entende que o legislador não poderia, jamais, sem ofensa à constituição, suprimir a própria progressividade do sistema prisional, nem eliminar o enfoque ressocializador ínsito na pena privativa de liberdade. Porque então estaria atacando o centro vital, a essência, o núcleo dos princípios constitucionais da legalidade, da individualização e da humanidade da pena.

É cediço que, através de decisão histórica, no HC 82.959-7/SP, de relatoria do Min. Carlos Ayres Britto, o STF julgou inconstitucional a vedação à progressão de regime nos crimes hediondos e equiparados, por ferimento do princípio da individualização da pena, que deve ser concebido como um aspecto da preservação da dignidade humana:

PENA - REGIME DE CUMPRIMENTO - PROGRESSÃO - RAZÃO DE SER. A progressão no regime de cumprimento da pena, nas espécies fechado, semi-aberto e aberto, tem como razão maior a ressocialização do preso que, mais dia ou menos dia, voltará ao convívio social. PENA - CRIMES HEDIONDOS - REGIME DE CUMPRIMENTO - PROGRESSÃO - ÓBICE - ARTIGO 2º, § 1º, DA LEI Nº 8.072/90 - INCONSTITUCIONALIDADE - EVOLUÇÃO JURISPRUDENCIAL. Conflita com a garantia da individualização da pena - artigo 5º, inciso XLVI, da Constituição Federal - a imposição, mediante norma, do cumprimento da pena em regime integralmente fechado. Nova inteligência do princípio da individualização da pena, em evolução jurisprudencial, assentada a inconstitucionalidade do artigo 2º, § 1º, da Lei nº 8.072/90


O ministro relator ressalta ainda que a individualização não se exaure com a cominação da reprimenda, devendo haver um gradativo abrandamento dos rigores da execução penal.

O mesmo raciocínio deve ser utilizado para rechaçar a vedação à progressão de regime no meio castrense, pois nada justifica o tratamento desigual ao militar em tempos de paz. O caráter progressivo da pena visa à reintrodução do apenado gradualmente na sociedade. Em cada estágio (regime fechado, semi-aberto e aberto), objetiva-se a aproximação do retorno à liberdade integral.

Neste contexto, vislumbra-se ainda na proibição atentado ao princípio da humanidade das penas. Isso porque se retira a esperança do apenado, antes mesmo de iniciar o cumprimento da reprimenda. Sim, é inegável que a possibilidade de progressão representa a esperança no amanhã, já que o principal objetivo da execução penal é proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado.

O princípio da dignidade da pessoa humana representa, para Daniel Sarmento, “o epicentro da ordem jurídica, conferindo unidade teleológica e axiológica a todas as normas constitucionais, pois o estado e o Direito não são fins, mas apenas meios para a realização da dignidade do homem”.

Assim, a execução da pena privativa de liberdade deve ser programada de tal modo que se evitem o quanto possível os efeitos negativos e dessocializadores, próprios da pena de prisão.
Neste diapasão, Paulo Queiroz nos ensina que o princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º III da CRFB/88) proíbe a adoção de penas que (...) pelo seu modo de execução atentem contra esse postulado: penas desumanas ou degradantes.

Desta forma, é inadmissível a concepção de que a ausência da progressão de regime para os militares condenados a penas acima de dois anos em tempo de paz é constitucional. Tal vedação só se legitimaria em tempo de guerra, em caso de estado de sítio, já que as garantias constitucionais estariam suspensas.

Por tais razões, a Segunda Turma do STF em decisão histórica ocorrida em março de 2011 concluiu no julgamento do Habeas Corpus nº 104174/RJ impetrado em favor de militar do Exército condenado à pena de nove anos de reclusão por homicídio simples (artigo 205 do Código Penal Militar), que estava sendo cumprida em regime integralmente fechado em organização militar.

No referido Habeas Corpus, a defesa do militar pediu, entre outros pontos, que fosse concedido o benefício da progressão de regime prisional.

Por unanimidade, os ministros acompanharam voto do relator, ministro Ayres Britto, no sentido de que viola a Constituição a exigência do cumprimento de pena privativa de liberdade em regime integralmente fechado em estabelecimento militar, em razão da falta de previsão legal na lei especial (Código Penal Militar) ou devido à necessidade do resguardo da segurança ou do respeito à hierarquia e à disciplina no âmbito castrense. Foi também o voto-vista da ministra Ellen Gracie.

Segundo o ministro Ayres Britto, a progressão de regime penitenciário “é projeção da própria garantia constitucional da individualização da pena” e a Constituição Federal não fez nenhuma distinção entre civis e militares neste aspecto. A Turma concedeu parcialmente a ordem para determinar ao Juízo da execução penal que faça a avaliação das condições para a progressão de regime prisional, aplicando o Código Penal e a Lei 7.210/1984 no ponto em que a lei castrense for omissa.

O referido julgado em nada retira a autonomia da lei penal castrense em relação à lei penal comum, pois esses dois núcleos normativos penais autônomos nascem da Constituição e, por tal razão, devem se coadunar com as inspirações garantistas que dela emanam.

Se há em algum ponto da norma penal castrense incompatibilidades com a ordem constitucional vigente, esta dever declarada inconstitucional ou sofrer uma leitura conforme à constituição. No caso, a lei penal castrense é omissa quanto à progressão de regime de cumprimento de pena, matéria amplamente tratada pela lei penal comum e que se encontra antenada com a Constituição.

Diante do costumeiro abandono da legislação penal castrense pelo Poder Legislativo, o Supremo Tribunal Federal supriu a citada omissão, autorizando que o juiz da execução utilize das disposições relativas à matéria existentes na legislação penal comum, e, assim compatibilizou a norma castrense com a Constituição.

Não é razoável que cidadãos militares, que dão muitas vezes a vida por sua pátria, tenham seus direitos fundamentais tidos como “de segunda categoria”, sendo suprimidos sem qualquer justificativa viável em tempos de paz.


Advogado

Bacharel em Direito pela Universidade Cândido Mendes - RJ, Pós-graduado (especialização) em Direito Público, Pós-graduado (especialização) em Direito Militar (Direito Constitucional Militar, Direito Penal Militar, Direito Processual Penal Mlitar, Direito Administrativo Militar, Direito Previdenciário Militar e Direito Internacional dos Conflitos Armados), Pós-graduado (especialização) em Direito Penal, Direito Processual Penal e Criminologia, todas pela Universidade Gama Filho - RJ. Compõe o quadro de advogados do escritório A. C. Burlamaqui Consultores S/C desde 2008.



10 comentários:

  1. depois disserte sobre as prisões dos bombeiros militares, que foram enviados para prisão de segurança máxima em regime rdd

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    1. Edival, estou preparando um artigo especificamente sobre os militares estaduais que provavelmente abordará o tema.
      Obrigado pela participação.

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  2. Parabéns pelo trabalho, seria bom que mais operadores do direito se debruçassem sobre o direito penal militar e suas ramificações.

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    1. Prezado, Obrigado pelas palavras de incentivo.
      Seria muito bom mesmo!

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  3. Daniel,

    PERFEITO!

    Não há absolutamente nada que acrescentar no seu texto.

    Vê-se pela clareza e exatidão que tem conhecimento e domínio pleno da matéria!

    Parabéns, meu caro!

    http://www.facebook.com/DireitoCastrense

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    1. Prezado Atena Hera, obrigado pelas palavras de incentivo.
      Que isso, não tenho conhecimento pleno da matéria e duvido que um dia o terei. Sou apenas um apaixonado pelo Direito Militar.
      Um grande abraço!

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  4. Daniel Accioly,penso que vou trocar pós graduação em Direito Público para o Direito Militar. rsrsrsrsrs

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    1. Prezado Edival Anchieta, olha, o ideal seria as duas. A primeira especialização que fiz foi em Direito Público buscando uma base em constitucional e administrativo, em seguida me especializei em Direito Militar (Direito Constitucional Militar, Direito Penal Militar, Direito Processual Penal Mlitar, Direito Administrativo Militar, Direito Previdenciário Militar e Direito Internacional dos Conflitos Armados).
      Independente da sua escolha, o importante é buscar sempre se especializar.
      Grande abraço!

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  5. Ilmo Dr Daniel Accioly,

    Tenho uma dúvida. Irei exemplificar: Um militar das forças armadas (Marinha, Exército e Aeronáutica) que foi condenado a 2 anos e 10 meses de reclusão com fixação da pena em Regime Inicial ABERTO e que cumpriu a pena na prática em Organização Militar da Força a referida pena só que no Regime FECHADO, isto é, não tendo os benefícios digamos assim do Regime Aberto. Foi correto o cumprimento da pena, pois o militar trabalhava no exoediente interno da OM e logo após o término expediente era recolhido para a cadeia. Disserte sobre o que abordei. Muito obrigado pela excelência do conteúdo abordado acima. Parabéns.

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