sexta-feira, 25 de agosto de 2017

Delação Premiada: É um bom negócio mesmo em caso de retratação?

Patrícia Pestana Moura de Azevedo, advogada.

Após a deflagração da Operação Lava Jato pela Polícia Federal em 17 de março de 2014, muito já se ouviu falar sobre colaboração premiada, popularmente chamada de delação premiada ou, designada pelos críticos, de caguetagem, traição premiada, negociata ou prostituição da delinquência.

A partir daí a sua prática tem sido exercida de forma intensa entre os órgãos da persecução penal, notadamente afetos à Procuradoria-Geral da República, e os réus confessos do mais alto (agora bem baixo) escalão da política, da Petrobrás, das empreiteiras, construtoras, doleiros, empresários, executivos, enfim, a lista de personagens é vasta e o número de delações homologadas já ultrapassa uma centena.

Em sua 44ª fase, a Operação Lava Jato já recuperou mais de R$ 10 bilhões aos cofres públicos, entre valores que já foram devolvidos ou que estão em processo de recuperação, incriminou 260 pessoas em 57 acusações criminais (denúncias), e condenou, com sentença transitada em julgado, gente grande, dentre eles autores, partícipes ou coautores pelas práticas dos crimes de lavagem de dinheiro, corrupção, organização criminosa e tráfico transnacional de drogas, de acordo com dados do Ministério Público Federal, em Curitiba. Algo inimaginável pelos corruptos de carteirinha há pelo menos uns 3 anos atrás (qualquer relação com o início da Lava Jato não é mera coincidência).


Mas, afinal, o que é Delação Premiada? Originária da Itália, em 1970, nasceu com o intuito de combater a prática dos crimes de terrorismo e a extorsão mediante sequestro, de subversão da ordem democrática e do sequestro com finalidade terrorista que estavam ganhando espaço na Itália. Na oportunidade, as autoridades investigativas proporcionaram àqueles que entregassem o “ouro”, ou seja, ao colaborador, ao caguete, ao X9, ao “dedo-duro”, ao traíra ou justiceiro uma apenação menos rigorosa, desde que cumpridos os requisitos legais, dentre eles fornecer informações relevantes à elucidação e exaurimento das condutas delituosas acima listadas.

Posteriormente apelidada de Mãos Limpas (1980), a operação italiana combateu fortemente a Máfia instalada em contratos de licitações irregulares e o uso do poder público em benefício de particulares e partidos políticos, bem como o pagamento de propina a políticos em troca de contratos superfaturados destinados a empresários que faziam parte do esquema de corrupção. Semelhantemente ao Brasil, a roda lá girava muito bem e de deflagração da operação derrubou muita gente do cavalo.

Ainda que legalmente prevista no Brasil desde 1990 pela Lei dos Crimes Hediondos, a colaboração premiada ganhou corpo com o advento da Lei n.º 12.850/2013, que trouxe a definição, até então inexistente, de organização criminosa, bem como os requisitos a serem estabelecidos para a concessão de seus benefícios e o procedimento a ser seguido exclusivamente em tal crimes.

Há quem entenda que o Estado se juntou ao criminoso para dar origem a uma nova organização criminosa, ou segundo os otimistas, trata-se de uma aliança entre o Estado e o delinquente confesso para combaterem a criminalidade, conjecturando uma eficaz e tão sonhada instituição da Liga da Justiça, onde o bem e o mal se juntam em um só propósito: extinguir o crime.

O Desembargador Federal Tourinho Filho assevera que “a delação (traição) premiada revela a incompetência do Estado na luta contra o crime, na ineficiência do sistema de persecução criminal.

Vale-se, então, da fraqueza de caráter de determinados indivíduos. A delação premiada é a institucionalização da traição”. É bem verdade a posição do nobre desembargador, mas não seria justo desmerecer a importância da prática da colaboração, vez que temos visto casos antes intocáveis sendo “desmantelados” de forma voluntária pelo agente delator, cujos benefícios vão desde o descréscimo da reprimenda legal até o perdão judicial, como causa de extinção da punibilidade.

O acordo homologado pelo judiciário na polêmica delação dos irmãos Joesley e Wesley Batista – delatores da JBS – os concedeu perdão judicial nos 8 tipos de crimes identificados na delação, configurados em 240 condutas criminosas; conferiu imunidade penal em outras investigações, futuras ou em andamento; e acertou o pagamento de multa no valor de R$ 110 milhões de reais pela JBS.

Diante de tamanhas benesses pode-se concluir que o acervo de provas e o que eles informaram não seria elucidado se não fosse a confissão e a entrega de seus comparsas.  

É por essas e outras que muitos brasileiros repudiam a delação premiada e os seus delatores, e vista como instrumento de impunidade ou como o fechamento de um bom negócio, inclusive pela própria classe jurídica, mas não é bem assim. Cabe observar que a delação não é prova em si mesma, mas meio para de prova e defesa, e a delação só é homologada se ficar comprovada a eficiência nas informações prestadas, como, por exemplo, se provenientes dela a autoridade investigativa consiga recuperar o produto do crime, ainda que parcialmente.

Então, pode ocorrer o caso do criminoso colaborador resolver se retratar, voltar atrás quanto ao que ele disse? O art. 200 do Código de Processo Penal admite tal possibilidade, logo, ele pode desdizer quanto à sua participação, e portanto, “as provas produzidas pelo delator não poderão ser usadas exclusivamente em desfavor dele próprio (confissão), mas também em detrimento daqueles outros sujeitos que foram objeto da delação”, dizem Heráclito Antônio Mossin e Júlio Cesar O. G. Mossin.

Isso quer dizer que a confissão gerada no momento da colaboração premiada pode ser usada contra o delator, desde que compatível com outros elementos de prova. E entenda, isso não quer dizer que a premiação seja totalmente descarta se o agente preferir retratar-se. Isto porque, se da delação o resultado previsto trouxer para as investigações ou para o processo judicial eficiência para a elucidação do crime, o delator, ainda que tenha se retratado, terá direito aos benefícios penais proporcionalmente.

Não é à toa que a fila para delatar só tem aumentado. Afinal, ninguém quer correr o risco de ver suas delações renegociadas ou sofrerem recall. Isso sim, seria um mal negócio.

Um comentário:

  1. Ontem, 25 de agosto, assisti a palestra do Dr. Luiz Flávio Gomes, na VII conferência da OAB/MA, sobre o tema da lava jato e delação premiada. Tudo muito interessante, fez um apanhado desde o direito Norte Americano e o que o juiz Sérgio Moro vem utilizando, seus acertos, suas falhas, mas uma coisa ficou evidente: O sistema penal do Brasil mudou com a lei das delações premiadas como meio de prova. Vamos avançar, sempre com os olhos bem abertos para evitar o risco de vulgarizar. Parabéns Dra. Patrícia, excelente trabalho.

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