quarta-feira, 13 de setembro de 2017

ESTUDO DE CASO: Prática de retirar camisinha sem consentimento no sexo gera debate sobre violência sexual



Da BBC Brasil em Londres




Foi pouco antes do fim da relação sexual que a advogada carioca Priscila (nome fictício) percebeu que seu parceiro havia removido o preservativo sem avisá-la.
O casal havia se conhecido semanas antes e concordado em fazer sexo protegido.
"Fiz um escândalo e minha reação inicial foi dar parte dele na delegacia. Além de irritada, fiquei muito triste com a desonestidade. Ele se justificou dizendo que ficou com medo de perder a ereção", conta ela à BBC Brasil.
Segundo a advogada, as semanas seguintes foram "tensas", à espera do resultado de exames médicos do parceiro.
"Como se tratava de um parceiro casual, fiquei com medo de contrair alguma doença. Felizmente, nada aconteceu. Eu o perdoei e depois fiquei muito chateada comigo mesma porque encarei a situação como 'normal'. Acabei tendo de levar isso para terapia", acrescenta.
De tão frequentes, casos como o de Priscila tornaram-se objeto de pesquisa nos Estados Unidos e ganharam até um termo próprio em inglês - "stealthing" (de "stealth" ou "furtivo"), quando um dos parceiros remove o preservativo durante a relação sexual sem o consentimento do outro.
Um estudo recente publicado no periódico Columbia Journal of Gender and Law, que trata de questões legais relativas a gênero, revelou que se trata de um "problema crescente" no país, e com maior incidência em casais heterossexuais.
"Entrevistas com vítimas indicam que a prática é comum entre jovens sexualmente ativos", diz a autora da pesquisa, Alexandra Brodsky, no estudo.
"É terrível escrever sobre uma forma de violência de gênero pouco reconhecida e ouvir um coro de mulheres dizendo que passou por situações desse tipo", acrescenta ela.
Brodsky diz ainda que "além do medo de resultados negativos específicos como gravidez e DSTs (Doenças Sexualmente Transmissíveis), todas as vítimas consideraram a remoção do preservativo sem seu consentimento como uma violação humilhante e desempoderadora do acordo sexual".

Sandra Paul

Advogada britânica Sandra Paul considera stealthing estupro

Violência sexual

O assunto chegou a levantar questionamentos sobre se a prática poderia ser considerada um crime sexual e, em última instância, estupro.
No estudo realizado por Brodsky, uma das vítimas descreveu o stealthing como um "quase estupro".
Outra chamou de "flagrante violação do que tínhamos concordado".
Alexandra Brodsky acredita ser necessária criação de legislação específica que coíba a prática e à qual as vítimas do "stealthing" possam recorrer.
Em fóruns online nos Estados Unidos, homens incentivam uns ao outros a cometer a prática sob a justificativa de que seria direito deles "espalhar seus genes", acrescenta a pesquisa.
Para a advogada britânica Sandra Paul, especialista em crimes sexuais do escritório de advocacia Kingsley Napley, sediado no Reino Unido, quem faz o stealthing estaria "potencialmente cometendo um estupro".
Mas, de acordo com a lei brasileira, a prática não poderia ser considerada estupro, afirmaram especialistas ouvidos pela BBC Brasil.
Isso porque, segundo o artigo 213 do Código Penal, estupro consiste em "constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso".
"Não existe essa previsão de 'furtividade' na nossa lei", explica o defensor público Saulo Brum Leal Júnior, da Assessoria Subdefensoria Institucional da Defensoria Pública do Rio Grande do Sul. "Para que um crime seja enquadrado como estupro, é preciso que o ato sexual tenha ocorrido mediante grave ameaça ou violência."
A defensora pública Arlanza Maria Rodrigues Rebello, coordenadora do Nudem (Núcleo de Defesa dos Direitos da Mulher) da Defensoria Pública do Rio de Janeiro, concorda. Ela diz considerar que o stealthing não seria estupro, mas "uma deslealdade do relacionamento".
"O fato de tirar o preservativo sem a autorização da mulher, por si só, não significa que tenha ocorrido estupro porque não houve uso de violência ou ameaça para que a relação sexual fosse obtida. Seria uma deslealdade do relacionamento, como se a mulher, por exemplo, parasse de tomar pílula anticoncepcional e não avisasse ao parceiro", explica.
Para a advogada Ana Paula Braga, sócia da Braga & Ruzzi Sociedade de Advogadas e especialista na defesa dos direitos das mulheres, a remoção do preservativo seria, no aspecto moral, um estupro, "se formos partir da visão de que não houve consentimento quanto ao sexo desprotegido".
Assim como outros especialistas, ela ressalva, contudo, que, no aspecto legal, esse tipo de crime só ocorre se houver "violência ou ameaça".
"Nosso direito penal é muito específico e, ainda que a interpretação da lei tenha mudado ao longo do tempo, não poderíamos considerar o stealthing como estupro se analisarmos friamente a letra da lei. De qualquer forma, trata-se de uma violência de gênero, pois o homem coloca o prazer dele acima da saúde da parceira", explica.
Braga diz já ter atendido uma cliente que passou pela situação, mas o caso não avançou porque os prazos legais já haviam se esgotado.
Ela acrescenta que não há jurisprudência no Brasil, tampouco estatísticas oficiais sobre o assunto.
Mas, em janeiro deste ano, um homem foi condenado por estupro na Suíça depois de remover o preservativo sem o consentimento da parceira. A Justiça entendeu que a mulher teria recusado manter a relação sexual se soubesse que estava fazendo sexo desprotegido.

preservativo no chão
Especialistas ouvidos pela BBC Brasil não acreditam que 'stealthing' possa ser enquadrado como estupro



Alternativas legais

Embora acreditem que a prática não possa ser enquadrada como estupro, os especialistas afirmam que existem alternativas legais às mulheres que se sintam vítimas dessa situação.
Eles citam os artigos 130 (perigo de contato venéreo), 131 (perigo de contágio de moléstia grave) e 215 (violência sexual mediante fraude) do Código Penal brasileiro, uma vez que o sexo foi de forma desprotegida e não consensual.
Os especialistas dizem também ser possível entrar com uma ação cível, e não criminal, contra o acusado.
"Seria uma ação reparatória pelo dano causado, como, por exemplo, uma gravidez indesejada", assinala Leal Júnior, da Defensoria Pública do Rio Grande do Sul.

Desafio

Braga, da Braga & Ruzzi Sociedade de Advogadas, ressalva, contudo, que, mesmo em casos de estupro, reunir provas é um "desafio" para as mulheres.
Ela lembra que apenas 8% dos estupros se tornam efetivamente condenações.
"Crimes sexuais não deixam provas. Especialmente quando há violência psicológica. A maior parte dos estupros ocorre com um agressor que é conhecido da vítima", diz.
"Mas isso não pode ser visto como um empecilho para as mulheres denunciarem", conclui.
Com reportagem de Jim Connolly, da BBC Newsbeat

  DEBATES DOS NOSSOS COLUNISTAS

Tema “cabeludo” este hein pessoas?  A notícia trata de um casal heterossexual, mas vou estender a causa para todos os outros tipos de casais e tratar como parceiros.
Minha posição sobre o assunto é um tanto “em cima do muro”, digo por que sexo é algo que precisa ser consentido, não é algo que se faz sozinho (a), e se é combinado com o parceiro de que este deve usar preservativo por inúmeros motivos, dentre eles o fato de que em muitas ocasiões os parceiros mal se conhecerem, é uma questão de lealdade àquilo que foi combinado antes de tudo começar e acontecer.
Por outro lado, a quebra desta “promessa” e a deslealdade do parceiro me leva a pensar em inúmeras consequências, desde a ideia de retirar o preservativo por egoísmo pensando exclusivamente em si ou até mesmo por dolo em transmitir uma doença ou provocar uma gravidez indesejada para ela e desejada para ele. Porém, não possuímos em nosso ordenamento jurídico, lei que regule a falta de caráter e a deslealdade das pessoas!
Não consigo visualizar esta prática como estupro, o artigo 213 do Código Penal traz em seu texto o seguinte: constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso. Não vejo o fato de retirar o preservativo, mesmo que sem o consentimento, se encaixar em estupro, o ato foi consentido, não houve violência ou grave ameaça, não pode ser tratado como estupro.
Mas poderia ser tratado como perigo de contágio? Eu acho que sim! O parceiro que retira o preservativo durante o ato sexual pode sim ter o dolo na transmissão de uma doença, por que não? Quantos já não ouviram ou leram a respeito de portadores de AIDS dispostos a contaminar o maior número de pessoas simplesmente por vingança? Ou por prazer de saber que outras pessoas passarão por aquilo que está passando?
Li relatos de homens em outros países que retiram o preservativo com a intenção de engravidar a parceira e o motivo é perpetuar a espécie ou como dizem, espalhar seus genes. Neste caso, eu partiria para o direito civil numa ação de reparação de danos, e claro, pediria pensão alimentícia para o catarrento fruto da trapalhada não planejada! O moço vai ter que sofrer as consequências por tudo o que provocou, sem contar uma bela indenização pelas estrias, o filme queimado pela gravidez, os enjoos desnecessários, a compra de roupas tamanho barril...
Enfim, brincadeiras à parte, é um assunto complexo e infelizmente não temos previsão legal para trata-lo, sequer jurisprudência, e além disso, muito depende da vítima que nem sempre se manifesta, nem sempre procura ajuda e mantém o assunto para si.

Amanda Harrison, 38 anos, divorciada, muçulmana, administradora e bacharel em Direito; presto consultoria
em direito trabalhista, cível e penal. Administro 2 empresas em São Paulo, gosto de viajar, falo e escrevo
português, inglês, francês, árabe e espanhol. Não sou professora mas gosto de ensinar.


____________________________________________________________

OPINIÃO – Marconi Lustosa Felix Filho

“Stealthing” foi o termo cunhado, nos Estados Unidos, à designação do comportamento do parceiro que, sem que o outro se dê conta, remova o preservativo utilizando durante o ato sexual.

Se, por um lado, afigura-se evidente a violação à esfera moral daquele que é vítima dessa lastimável prática e, em alguns casos, material (imagine-se, por exemplo, a contração de uma grave doença), no campo penal, as implicações gerariam debates variados, de acordo com as legislações de cada país.

No caso brasileiro, não se faria possível aludir à prática, em tese, do crime de estupro (art. 213, Código Penal), tendo em vista a ausência da elementar da “violência ou grave ameaça”, constantes daquele tipo penal. Por outro lado, se o parceiro que praticou ato não for portador de uma moléstia venérea ou grave, não se fará possível, também, proceder ao seu enquadramento nas sanções dos artigos 130 (perigo de contágio venéreo) e 131 (perigo de contágio de moléstia grave).

A solução, para o ambiente doméstico, frise-se, parece passar pelo crime do art. 215 daquele CP: violação sexual mediante fraude. Segundo esse artigo, “ter conjunção carnal ou outro ato libidinoso com alguém, mediante fraude ou outro meio que impeça ou dificulte a livre manifestação de vontade da vítima” pode gerar uma pena de 2 (dois) a 6 (seis) anos de reclusão.

Ora, se o sexo consensual englobava a utilização de preservativo, a sua inserção e posterior retirada, sem que o outro parceiro o perceba, é uma fraude empregada contra a vontade deste, com o fito de alcançar a conjunção carnal ou outro ato libidinoso.

Assim, os artigos 130 (quando houver moléstia venérea), 131 (quando houver moléstia grave) e  215 do Código Penal parecem resolver a questão a contento, devendo ser contidos os estardalhaços daqueles que, distanciando-se da “ultima ratio” que deve assinalar o Direito Penal para mantê-lo vigoroso, querem-no cada vez mais inchado. 

Marconi Lustosa Felix Filho é Especialista (Direito Constitucional), Assessor V de Promotor de Justiça (MP/PB), Professor de Direito, Colaborador da Rede Ad Verum Suporte Educacional (CERS), está aprovado em concurso para o cargo de Delegado de Polícia (DPC/PE) e dá dicas de preparação para concursos públicos na página @olhonodireito (Instagram).

______________________________________________________________

SOBRE A VIOLÊNCIA DE GÊNERO E A CULTURA DO ESTUPRO

Quando me deparo com notícias assim, principalmente sendo mulher e ocupando um espaço que é, infelizmente, majoritariamente masculino, reflito com calma e fico indignada com, como, ainda, no século XXI, existe o enaltecimento de um gênero. Na verdade, o caso em debate, se materializa como violência de gênero, em que o homem coloca o poder e o controle acima do acordo de vontades de duas pessoas.

Em um mundo no qual (MUITA GENTE) acredita que estupro é algo aceitável do ser humano, uma necessidade masculina e que mulheres que usam determinado tipo de roupa “merecem” ser estupradas, não é de se estranhar que retirar a camisinha no ato é uma questão mínima e, somente relacionada ao prazer momentâneo. A cultura do estupro é algo que normaliza a violência sexual. Eu não quero aprender as várias maneiras de como não ser estuprada, quero (e precisamos) que ensinem os homens a não estuprarem.

O estupro, como opinado no debate anterior, está relacionado ao controle do corpo do outro, ter poder. A cultura do estupro é sobre violência e não, apenas, sobre tesão. A mente do estuprador se satisfaz com o ato violento (o que pode ocorrer, independente de penetração). Não é não.

No caso em questão, entendo como não aplicação do crime de estupro, o ato sexual foi consentido. Não houve consentimento na forma do ato, ou seja, sem a proteção. E isso, meus amigos, pode se enquadrar em tipos penais (diversos do estupro), mas pertinentes ao caso. Não sendo aplicado o art.  213 do Código Penal, já que não teve violência ou grave ameaça, a furtividade (termo usado na matéria “Stealthing”, significando o ato que se realiza às escondidas, furto discreto e rápido) não é tipificada pelo Código.

Entretanto, podem ser aplicados os crimes abaixo:

Perigo de contágio venéreo
        Art. 130 - Expor alguém, por meio de relações sexuais ou qualquer ato libidinoso, a contágio de moléstia venérea, de que sabe ou deve saber que está contaminado:
        Pena - detenção, de três meses a um ano, ou multa.

 Perigo de contágio de moléstia grave
        Art. 131 - Praticar, com o fim de transmitir a outrem moléstia grave de que está contaminado, ato capaz de produzir o contágio:
        Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa.

Violação sexual mediante fraude            
Art. 215.  Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com alguém, mediante fraude ou outro meio que impeça ou dificulte a livre manifestação de vontade da vítima:          
Pena - reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos. 


Assim como demonstrado, concordo que tais formas de crime possam ser aplicadas quando se trata do caso. Retirar a camisinha sem o consentimento é violação de um acordo que, além de ser desonesta (por depender de confiança do parceiro), pode ser causadora de muitos males (físicos e psicológicos). Uma conduta desempoderadora do que foi ajustado entre ambos. Mais que isso, é retirar o poder de quem busca por ele, tem lutas diárias pelo empoderamento feminino. Não se configura como estupro, no estrito cumprimento da lei. Mas, não pode deixar de ser analisada a existência de um crime, deve ser divulgado e debatido.



Karla Alves
Bacharel pela Faculdade de Direito de Vitória - FDV
Advogada
Membro do Grupo de Pesquisas Direito, Sociedade e Cultura, da Faculdade de
Direito de Vitória – FDV.
Membro do NeCrim (Núcleo de Estudos em Criminologia), ligado ao Grupo de
Pesquisas Direito, Sociedade e Cultura, da Faculdade de Direito de Vitória - FDV

_____________________________________________________________


“Stealthing” ou, simplesmente, a retirada da camisinha pelo homem durante a relação sexual, sem haver consentimento da parceira, tem sido causa de discussão no mundo jurídico penal ao buscar sua incriminação como prática análoga ao estupro.
E mais uma vez vejo o “mundo” discutindo o direito penal como único meio de solução de algo que se resolve individualmente, analisando a auto responsabilidade da mulher em suas escolhas, digo, péssimas escolhas.
É muita ingenuidade da feminista presente (e é de se duvidar da existência de tantas princesas que vivam enclausuradas num castelo mágico à espera do príncipe encantado, leal, companheiro, bonito, charmoso, fiel, cheiroso, bem vestido, carinhoso...) aceitar ir para a cama e ser “surpreendida” com a falta de lealdade do parceiro por ter tirado a camisinha antes do fim do coito, se valendo da confiança depositada nele. Ei! Esse homem já havia se mostrado “cafajeste” e essa mulher, agora na condição de vítima, quem não quis enxergar ou encobriu a verdade pra melhor passar, por estar presa numa ilusão.
Enfim, o artigo 213 do Código Penal diz ocorrer o estupro quando se “constrange alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso”.
Passemos às peculiaridades do crime:
  1. Bem tutelado: dignidade sexual da vítima;
  2. Conduta: ato de libidinagem violento, coagido, obrigado, forçado;
  3. Meio de execução: violência ou grave ameaça;
  4. Dolo: genérico, não depende de finalidade específica, apenas da intenção sexual.
Pela leitura do item “c” e pela realidade do direito penal brasileiro, conclui-se pela atipicidade da conduta no chamado “stealthing” como prática análoga ao estupro propriamente dito, uma vez não ter sido realizada mediante violência ou grave ameaça, isto é, emprego de força física  suficientemente capaz de impedir a mulher de reagir ou por meio de violência moral, onde a vítima não vê alternativa senão ceder ao ato sexual, ou seja, a simples relutância não basta.
Ainda poderia pensar em dizer, por puro amor ao debate, que se trata de conduta tipificada no art. 215 do Código Penal, cuja pena de reclusão é de 2 anos a 6 anos, qual seja, a “violação sexual mediante fraude”.
Ou seja, pune-se o “estelionato sexual” quando a fraude empregada seja capaz de ludibriar alguém prevalecendo-se o agente do meio empregado e das condições da ofendida. Também não vejo sucesso nesse sentido, pois configurar como fraudulenta a retirada do preservativo pelo homem no curso de uma relação que se iniciou consentida traria mais constrangimento à dignidade sexual da mulher que o simples ato de assumir a responsabilidade ao confiar sua intimidade ao sujeito errado.
Ainda que fosse possível admitir consistir na conduta típica descrita no art. 215 do CP, questiono: e quando é a mulher quem pede pra não usar o preservativo? Como o homem provaria sua inocência quando de fato existisse o consenso da mulher, uma vez que o exame de corpo de delito comprovaria a conjunção carnal em sua totalidade? Ou quando é ela quem retira o preservativo sem anuência consciente do parceiro, não estaria ela incorrendo no tipo penal uma vez ser o delito é bicomum (onde qualquer pessoa pode praticar ou sofrer as consequências da infração penal)?
Dá pra imaginar o tamanho da bomba atômica que estaria nas mãos das mulheres, onde, na prática, poderiam se valer para proferir acusações contra homens inocentes por estupro, quando na verdade se trataria de vingança por sede de vingança?
Realizadas tais ponderações a respeito dos Crimes Contra a Liberdade Sexual, faz-se necessário sair dessa esfera e passar ao capítulo III, do Código Penal que trata dos Crimes de Periclitação da Vida e da Saúde, cujo artigo 130 traz a figura do “Perigo de Contágio Venéreo”, sendo cabíveis os benefícios da Lei n.º 9.099/95 para a conduta tipificada no caput, diante da pena de detenção de 3 meses a 1 ano, ou multa.
Perceba-se que uma vez configurado ser o intuito do agente o benefício do prazer de ambos. A tipificação do “stealthing” resta comprometida, já que exige-se o dolo de perigo, direto ou eventual, do contágio.
Portanto, se realizados os exames laboratoriais no agente e derem negativos de moléstia venérea a conduta se torna mais uma vez atípica.
E, ainda, para exaurir o campo da discursão sobre o assunto, pode surgir a pergunta: e se o agente for portador de doença de natureza fatal, isto é, do vírus HIV? Segundo julgado da 5ª Turma do STJ no HC 160.982/DF caracterizaria o crime de lesão corporal de natureza grave, com enquadramento perfeito no conceito de doença incurável, prevista no art. 129, §2º, II do CP, ou, além disso, a possibilidade de responder por homicídio culposo, no caso de morte em virtude da doença.
Fato é, se a mulher trouxer a responsabilidade para um direito penal por conta de suas más escolhas, por mera incompatibilidade de gênios ou ainda por ausência de conhecimento das predileções sexuais do parceiro, estamos diante da busca neste ramo do direito de último recurso (ultima ratio) por soluções que só dependem de uma simples, boa e sincera conversa na qual a mulher tem o poder de decidir se continua ou não no relacionamento ou imponha a sua vontade como agente auto responsável.

¹ Cunha, Rogério Sanches. Manual de Direito Penal, Parte Especial, ed. Juspodivm. 2015, 7ª ed., p. 442  


Patricia Pestana de Azevedo.
Advogada do escritório Pestana&Azevedo.
Apaixonada pela prática no Tribunal do Júri.


Para compartilhar esse conteúdo, por favor utilize o link dessa postagem ou faça uma repostagem com o conteúdo original ferramentas oferecidas na página. Textos, fotos, artes e vídeos do Grupo Ciências Criminais estão protegidos pela legislação brasileira sobre direito autoral. Não reproduza o conteúdo do GCC em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização.





Nenhum comentário:

Postar um comentário