quarta-feira, 13 de setembro de 2017

ARTIGO: As peculiaridades da plenitude de defesa no Tribunal do Júri.

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Instituído em nossa Constituição Federal no art. 5º, XXXVIII, “a” a “d”, entre os direitos e garantias fundamentais de todo cidadão, nacional ou estrangeiro, o Tribunal do Júri só pode ser abolido mediante a instauração de um poder constituinte originário, e é típico exemplo de cláusula pétrea.
Dentre outras condições assecuratórias que o Tribunal do Júri se diferencia dos demais tribunais de julgamento estão o sigilo das votações, a soberania dos veredictos, a competência para julgar os crimes dolosos contra a vida e a plenitude de defesa. É especificamente no estudo desta última que este artigo vai se ater.
Garantia exclusiva nos Tribunais do Júri a plenitude da defesa faz com que cada abertura de Sessão Plenária seja única e surpreendente. Não é raro ver literatura, filmes e seriados inspirados no teatral Tribunal do Júri onde a defesa e acusação lutam com afinco pelo convencimento de suas teses serem aceitas pelo Conselho de Sentença, composto por 7 jurados leigos e que têm em suas mãos o poder de decisão, condenando ou absolvendo o acusado, sem a necessidade de fundamentação.
O apogeu do Júri se deu no início do século XX até meados da década de 70, quando eram infrequentes os crimes de morte e toda a população se voltava para reviver cenas que reviveriam a realidade daquele homicídio. A imprensa, valendo-se do sensacionalismo, chegava a transmitir ao vivo os debates orais, via rádio, de tão interessante e emblemático.
O duelo entre acusação e defesa era realizado como quem ocupava um palco, estes sim eram os verdadeiros protagonistas do enredo, pois o menos importante era o destino do réu, que figurava como coadjuvante, com suas raras exceções. Frases de efeito e gestos teatrais tomavam o “salão dos passos perdidos”, parafraseando o título do livro escrito por Evandro Lins e Silva.
E a aplicação do princípio da plenitude de defesa no Tribunal do Júri? Qual a causa de nunca terem sido suficientes os princípio da ampla defesa e contraditório exigidos em todo e qualquer processo criminal (art. 5º, LV, da CF)? Ora, como já foi dito, os juízes da causa são leigos e argumentar juridicamente para eles seria utilizar-se de uma retórica desnecessária. Vigora a plenitude de defesa por permitir-se “a utilização de argumentação não jurídica, com referências a questões sociológicas, religiosas, morais,” e, acrescento ainda o uso de técnicas neurolinguísticas, psicológicas, dentre outras que seriam descartados pelo juiz de direito em outra esfera penal.
Iniciada a fase de instrução, pormenorizada nos artigos 473 e ss. do Código de Processo Penal, dá-se espaço à produção de provas em plenário que vão de acareação, reconhecimento, esclarecimentos do perito, leitura de peças (as expressamente apontadas na lei, art. 480, §1º e 2º) até o interrogatório ao acusado como meio de defesa.
Encerrada a etapa de instrução resta chegada a tão esperada hora dos debates orais, momento considerado como o ápice do espetáculo, e aqui cabe tudo, digo, “quase” tudo ou até mesmo “nada”, dada a atual possibilidade das partes acordarem previamente a tese que sustentarão em plenário, como, por exemplo, se o acusado tiver sido pronunciado por homicídio simples e a defesa e acusação concordarem pela condenação por homicídio privilegiado não restará muita coisa ao Conselho de Sentença, senão acatar com a sugestão das partes (prática comum no cotidiano forense). Ante o exposto, estaríamos diante de uma violação ao princípio da soberania dos veredictos?
Outra questão relacionada a este princípio, diz respeito ao uso da réplica pelo Ministério Público (que é facultativa). O seu uso traria, para a parte da jurisprudência, a possibilidade de inovação na tréplica (modificando ou acrescentando novas teses de defesa). Apesar de existir divergência jurisprudencial quanto a admissibilidade, entendemos ser viável, uma vez que a proibição violaria o princípio da plenitude de defesa, amplamente alargado pelo constituinte, e acarretaria a anulação de todo o julgamento por cerceamento de defesa.
Juristas que viveram o saudoso período do auge do Tribunal do Júri diriam “tempos bons aqueles”. A realidade atual é totalmente diversa, não menos midiático, porém não mais esporádico, e, diria um tanto casual, tem sido a prática de crimes contra a vida, que se banalizaram e, por isso, não se defende, nem se acusa e nem se julga como antigamente.

¹ Lyra, Roberto. Como julgar, como defender, como acusar; Delmanto, Dante. Defesas que fiz no júri.
² The people vs O.J. Simpson: American Crime Story, que reconstrói o caso do ex-jogador de futebol, acusado de matar sua ex-mulher e um amigo dela em 1994); Filme “O Júri (Runaway Jury)”
³Cunha, Rogerio Sanches. Do procedimento relativo aos processos da competência do tribunal do júri. Ed. juspodivm. 2ª ed. 2016. p. 22


Patricia Pestana de Azevedo.
Advogada do escritório Pestana&Azevedo.
Apaixonada pela prática no Tribunal do Júri.

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