terça-feira, 6 de agosto de 2013

Órgãos federais disputaram prédio símbolo da ditadura entregue à OAB em SP

"Queriam entregar o prédio para a Polícia Federal", conta o presidente da Comissão Estadual da Verdade

Divulgação
Sede da 2ª Vara Militar, na av. Brigadeiro Luiz Antônio, em São Paulo
A “conquista” do prédio onde funcionou a 2ª Auditoria Militar na Avenida Brigadeiro Luiz Antônio - entregue na segunda-feira à secção paulista da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) - foi precedida de uma queda de braços entre os órgãos federais. “Foram quase três anos de luta. Queriam entregar o prédio para a Polícia Federal!”, diz, indignado, o deputado estadual Adriano Diogo (PT), presidente da Comissão Estadual da Verdade, que iniciou a campanha ainda em 2010.
Os primeiros obstáculos surgiram com um jogo de empurra entre os ministérios da Cultura e Justiça. Segundo ele, a ex-ministra Ana Holanda abriu mão do prédio, deixando o caminho livre para que o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, o destinasse à Polícia Federal.
Até seis meses atrás estava certo que o prédio de três andares, no bairro de Bela Vista, abrigaria o Serviço de Polícia Aérea e Marítima de Fronteira, o órgão da PF paulista que lida com estrangeiros.
A esquerda era contra porque a PF, que nos últimos anos travou cerrado combate à corrupção, tem, na sua origem, o DNA da ditadura: foi criada em 1967 para funcionar como um apêndice dos órgãos militares de repressão, imagem da qual se desfez com a redemocratização.
Diante dos apelos dos militantes de esquerda que penaram nas mãos dos militares, entrou em cena a ministra do Planejamento, Miriam Belchior, que levou o assunto a uma das presas políticas julgadas na 2ª Auditoria Militar em São Paulo, a presidente Dilma Rousseff.
Com a sinalização política de que o símbolo do arbítrio deveria virar um centro de memória das injustiças praticadas contra militantes políticos e seus advogados, a etapa final envolveria uma negociação entre Ministério Público Federal e Polícia Federal.
“O prédio abrigaria uma delegacia de estrangeiros, mas a Polícia Federal acabou desistindo dele em troca de outro espaço na Barra Funda”, conta o procurador Marlon Weichert.
A operação, segun do ele, contou com a concordância do superintendente da PF em São Paulo, Roberto Troncon Filho.
Nos últimos dias a Superintendência do Patrimônio Público da União em São Paulo encerrou o caso com uma cessão de uso a OAB por 20 anos, renováveis por mais 20. “Os jovens desconhecem o que houve aqui. Eles precisam saber que a democracia teve um custo”, afirmou o presidente da OAB paulista, Marcos da Costa.
O Memorial da Luta pela Justiça deverá ser inaugurado no primeiro semestre do ano que vem, provavelmente em abril, para coincidir com os 50 anos do golpe militar de 1964. O acervo será organizado pelo Núcleo de Preservação da Memória Política em conjunto com OAB e órgãos dos governos federal, estadual e municipal.
A entrega solene do prédio foi marcada pelo reencontro de advogados e presos políticos que passaram pela 2ª Auditoria Militar.
“Os advogados mais livraram presos políticos de torturadores e assassinos do que exerceram a defesa dos acusados”, disse o advogado e ex-preso político Aton Fon Filho, para quem a Justiça militar exerceu “um peso muito grande” no processo de arbítrio.
Uma sala num pequeno anexo no fundo do prédio, que servia para recolher os presos que prestariam depoimento, segundo Fon, foi também um local de tortura. Ele conta que lá foi torturado o cabo Carlos Mariani cujo crime havia sido uma tentativa de denúncia sobre os horrores praticados pela polícia e militares nos porões da Oban (Operação Bandeirantes).
Fon diz que quem denunciava a tortura era isolado e seu relato repassado aos agentes acusados, o que gerava uma série de retaliações que variavam de novas torturas ou desaparecimentos.
“A Justiça militar acobertava os crimes”, afirma o advogado. Segundo ele o máximo que o juiz permitia ao preso que denunciava em detalhes o processo de tortura era uma frase perdida em meio ao depoimento: “alega ter sofrido maus tratos”.
Foi assim, segundo ele, que a Justiça tratou o caso de Eduardo Collen Leite, o Bacuri, retirado da cela para ser torturado e morto. Levados para prestar depoimento, Fon e outros presos fariam a denúncia, mas o juiz Nelson Guimarães, segundo ele, percebeu e desistiu de tomar o depoimento. No local eles fizeram a denúncia aos gritos e com panfletos em que descreveram os preparativos da polícia para retirar Bacuri, executado dois meses depois.

ig

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