quarta-feira, 27 de setembro de 2017

ESTUDO DE CASO: Transgênero pede à Justiça para alterar documentos, e promotor diz que isso 'contraria o ordenamento jurídico'

Ele apresentou pedido à Justiça em Curitiba para deixar de ser reconhecido como mulher e usar nome masculino

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Um promotor de Justiça de Curitiba disse em um parecer enviado à Justiça que o pedido feito por uma pessoa transgênero para mudar os documentos pessoais “contraria frontalmente o ordenamento jurídico”. O caso corre na Vara de Registros Públicos de Curitiba. O promotor designado para o caso é Inácio de Carvalho Neto.
O pedido foi feito à Justiça por Nathan Kirshner Tatsch, que nasceu num corpo feminino, mas que nunca se identificou como mulher e gostaria de ser tratado como homem pela sociedade.
A afirmação de Neto consta em um parecer sobre o caso enviado à Vara de Registros Públicos de Curitiba, no dia 12 deste mês. Para ele, a troca é “juridicamente impossível”. Em todo o documento, ao qual o G1 teve acesso, o promotor trata Nathan como mulher.
“O pedido de mudança de gênero feminino para masculino contraria frontalmente o ordenamento jurídico, sendo juridicamente impossível, eis que o gênero de cada indivíduo é determinado pelo médico no momento do nascimento, não sendo passível de alteração posterior”, afirma.
No documento, Neto afirma que nem uma eventual cirurgia para a troca de sexo seria suficiente para que a troca de gênero nos documentos da pessoa que fez o pedido seja feita.
“Ainda que a requerente venha a realizar a cirurgia para a troca de sexo, essa cirurgia irá lhe atribuir um sexo que não tem e nem poderá ter, pois trata-se de uma cirurgia cosmética, não alterando seu sexo jurídico, não havendo que se falar em sexo masculino, eis que não há mudança completa dos órgãos internos, mas uma mudança meramente externa”, disse no documento.
O promotor reconheceu que o procedimento não foi realizado. Para ele, isso “torna o pedido ainda mais absurdo, pois a alteração atribuiria à autora um sexo que não possui nem aparentemente”.
De toda forma, mesmo que Nathan queira efetuar a troca de sexo por meio de cirurgia, o promotor também se posiciona contra a mudança de nome. Ele ainda acredita que isso configuraria crime, de acordo com o Código Penal, já que o procedimento “pode acarretar na inutilização permanentemente da função reprodutora”.
‘Manifestação me chocou’, diz advogado
O advogado Vítor Leme, que representa Nathan, diz que o caso ainda não foi decidido pela Justiça, mas que a manifestação do promotor não era esperada. “Essa manifestação me chocou por isso, mas conversando com outros colegas, eles falaram que essa manifestação é recorrente na Vara de Registros Públicos”, diz. Para ele, a manifestação do promotor “é rasa em termos jurídicos, em conteúdo jurídico e sobre o caso, sobre transexualidade”.
Leme conta que tinha entrado com o pedido na Vara de Família, mas que o juiz acabou declinando a competência e encaminhou a situação para a Vara de Registros Públicos. “Ainda não existe no Tribunal de Justiça uma regulamentação sobre a competência”, explica.
Ainda de acordo com o advogado, Nathan está bem decidido sobre a mudança nos documentos e afirma que ele não tem qualquer problema sobre isso.
“Não tem problema algum, com a família. O primeiro contato nunca é muito bom, mas hoje em dia a família reconhece ele como homem”, diz Leme.
Sobre a visão do promotor de uma possível infração criminal que Nathan poderia cometer caso quisesse trocar de sexo, o advogado compara o procedimento a outros adotados por pessoas heterossexuais. “Esse promotor deve achar que cirurgias de vasectomia e laqueadura sejam passíveis de uma denúncia”, acredita. “A gente acredita que não há nenhuma necessidade de cirurgia para a retificação de nome”, diz.
Ministério Público apoia pedido
Em nota, o Ministério Público do Paraná afirmou que, institucionalmente, apoia pedidos de retificação no registro civil, independente da realização de cirurgias para a mudança de sexo. “Tanto é assim que, somente neste ano, a Promotoria de Justiça das Comunidades de Curitiba, por meio do Projeto Justiça nos Bairros, já se manifestou em 31 ações, de forma favorável, à alteração do nome no registro civil quando não condizente com a identidade de gênero da pessoa”, afirma trecho da nota.
Sobre o posicionamento do promotor, o MP-PR diz que ele possui independência funcional, ou seja, pode agir sem se prender às convicções da instituição para a qual trabalha e emitir pareceres de acordo com o que considera correto. A análise dele, porém, está “sujeita a análise do juiz da Vara de Registros Públicos que, eventualmente, pode decidir de forma contrária àquele entendimento”.
O G1 tentou contato com o promotor Inácio de Carvalho Neto, mas ele não foi encontrado até a última atualização desta reportagem.
Veja a íntegra da nota do Ministério Público do Paraná
Nota de Esclarecimento
Em relação aos pedidos de mudança de nome e de sexo que chegam ao Ministério Público do Paraná, esclarece-se que:
1) O posicionamento institucional é pela possibilidade de retificação do registro civil em ações ajuizadas por pessoas LGBTs, independente da realização de cirurgia de readequação sexual, nos termos de entendimento do Superior Tribunal de Justiça, do Conselho Nacional do Ministério Público e do Conselho Nacional de Justiça.
2) Tanto é assim que, somente neste ano, a Promotoria de Justiça das Comunidades de Curitiba, por meio do Projeto Justiça nos Bairros, já se manifestou em 31 ações, de forma favorável, à alteração do nome no registro civil quando não condizente com a identidade de gênero da pessoa.
3) Além disso, o Ministério Público do Paraná criou, em 29 de janeiro de 2014, pela Resolução nº 0269/2014-PGJ, o Núcleo de Promoção dos Direitos de Lésbicas, Bissexuais, Travestis e Transexuais no âmbito do Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça de Proteção aos Direitos Humanos, responsável por toda matéria relacionada ao asseguramento dos direitos da população LGBT no Paraná.
4) No âmbito da própria instituição, vigora a Resolução nº 2077/2015-PGJ, que assegura a todas as pessoas o uso do nome social no Ministério Público do Paraná desde maio de 2015.
5) A manifestação da Promotoria de Justiça de Registros Públicos, Acidentes de Trabalho e Precatória Cíveis de Curitiba, divulgada nesta quarta-feira, 20 de setembro, pela imprensa, insere-se no âmbito da independência funcional assegurada aos membros do Ministério Público (artigo 127, § 1º da Constituição Federal), estando sujeita a análise do juiz da Vara de Registros Públicos que, eventualmente, pode decidir de forma contrária àquele entendimento.
G1

DEBATES DOS NOSSOS COLUNISTAS

Muito me surpreende tal posicionamento vir de um promotor jovem como este e tão bem formado, porém desinformado!
Existem diversas decisões, inclusive do STF, a favor do transgênero que quer mudar o nome em seus documentos mesmo sem ter realizado a cirurgia de troca de sexo. Estas decisões são baseadas no princípio da dignidade humana!
Este promotor foi preconceituoso e intolerante em seu parecer, retrógrado e insensível.
Eu discordo com o posicionamento, entendo que não há dispositivo legal no ordenamento jurídico que proteja tal situação, porém existem jurisprudências robustas para que sirvam de base.
É no mínimo preguiçoso este promotor simplesmente dizer que mudar o nome social do autor vai contra o ordenamento jurídico, uma vez que este é taxativo em dizer que o sexo é definido pelo médico no momento do nascimento.
Ainda bem que não será o promotor que decidirá!

Amanda Harrison, 38 anos, divorciada, muçulmana, administradora e bacharel em Direito; presto consultoria
em direito trabalhista, cível e penal. Administro 2 empresas em São Paulo, gosto de viajar, falo e escrevo português, inglês, francês, árabe e espanhol. Não sou professora mas gosto de ensinar.

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O art. 57 da Lei de Registros Públicos dispõe o seguinte:
Art. 57.  A alteração posterior de nome, somente por exceção e motivadamente, após audiência do Ministério Público, será permitida por sentença do juiz a que estiver sujeito o registro, arquivando-se o mandado e publicando-se a alteração pela imprensa, ressalvada a hipótese do art. 110 desta Lei. 
A título de curiosidade, o art. 110 fala sobre os erros aparentes de digitação e a possibilidade de serem corrigidos no próprio cartório onde se encontrar o assentamento, que não vem ao caso.
Voltemos ao debate.
O nome civil para o doutrinador Cristiano Vieira Sobral Pinto é “elemento designativo do indivíduo e fator de sua identificação na sociedade, o nome é, ainda, atributo da personalidade, nas lições de Caio Mario da Silva Pereira. Ele envolve, simultaneamente, um direito individual e um interesse social.
O nome, no aspecto público, liga o ser humano à sociedade, pelo nome ele é conhecido, bem ou mal.
No interesse individual a lei permite (art. 16 do CC) que altere o nome de acordo com a trajetória de vida da pessoa, solteira que exclui o patronímico do ex-padrasto, casado que inclui o sobrenome da esposa, divorciada que aciona a justiça para não excluir o patronímico do ex-marido, inclusão de vocatórios (apelidos públicos notórios, Xuxa, Pelé), em caso de coação fundada ou ameaça decorrente de colaboração com a apuração de crime, enfim, inúmeras as situações nascidas pelo direito positivo para alteração do nome a fim de torna-lo mais próximo à realidade presente da pessoa.
Apesar de amplamente mitigado, o princípio da imutabilidade tem o condão de trazer segurança jurídica em dois sentidos, para aproximar o nome da realidade presente da pessoa, como demonstrado acima, e para impedir excessos que impossibilitem o conhecimento do nome de uma pessoa a cada mudança de plano.
No caso em debate, e por ausência de legislação especifica, o promotor seguiu as suas próprias convicções, afinal os seus pareceres, como consta da notícia, não devem, necessariamente, seguir jurisprudência majoritária, nem tampouco se ater às convicções da instituição a qual faz parte. Por isso, respeito seu entendimento.
Mas, vejo ser possível a alteração do prenome com fundamento nos princípios da intimidade e privacidade, para evitar principalmente o constrangimento a pessoa, vez que a mutabilidade é inerente ao interesse individual de alteração do nome no registro civil quando este não condiz com a identidade de gênero da pessoa.
Nesse contexto, o STJ já se manifestou favorável a alteração do nome e do sexo/gênero das pessoas transexuais no registro civil, quando realizada a cirurgia de transgenitalização. Mas, também há manifestação pela possibilidade de alterar o prenome mesmo que não realizada a cirurgia, porém assentando no registro civil a condição transexual do indivíduo, não alterando o sexo presente no registro, ou, há casos em que a alteração do gênero é averbada apenas no livro cartorário, em outros julgamentos permitem tanto a mudança do prenome como a do sexo no registro civil.
Assim como, existem decisões negando o pedido em sua totalidade, com base estritamente no critério biológico.
A questão não é tão fácil como se aparenta e o pleito requerer a alteração da nossa legislação. O fato é que cada pessoa tem o direito de ser reconhecida por aquilo que representa para a sociedade e o uso do prenome lhe garante isso, afinal é pelo pseudônimo (usado como alternativa ao seu nome legal), seja ele feminino ou masculino, que os transexuais e travestis são chamados cotidianamente, e segundo a lei civil, refletem a sua identidade.
Melhor que lançar o promotor na cruz é cobrar do legislativo uma ação positiva e sensata sobre a questão que deixou de ser tabu a um certo tempo.

Patrícia Pestana de Azevedo.
Advogada do Pestana & Azevedo, Advocacia e Consultoria.

¹ Pinto, Cristiano Vieira Sobral. Direito Civil Esquematizado. Ed. Método. 2015. p. 70
² https://stj.jusbrasil.com.br/noticias/154275355/o-direito-dos-individuos-transexuais-de-alterar-o-seu-registro-civil (os números dos processos não podem ser divulgados em razão de segredo judicial)
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OPINIÃO - MARCONI LUSTOSA FELIX FILHO 

O conteúdo jurídico do parecer exarado pelo membro do Ministério Público do Paraná, que opinou negativamente à alteração da modificação do registro civil de um transexual, reconhecendo a sua impossibilidade ainda que levada a cabo a cirurgia de mudança de sexo (transgenitalização) e, chegando, inclusive, a identificar conteúdo criminoso nessa conduta (art. 129, §2º, III, Código Penal), logra estar em significativo descompasso com o que decidiu, neste mesmo ano de 2017, o Superior Tribunal de Justiça (STJ).

O Tribunal da Cidadania, por meio da sua Quarta Turma, ao julgar processo cujo número não foi divulgado devido ao segredo de justiça, assegurou o direito de um transexual proceder à alteração do seu registro civil, independentemente de intervenção cirúrgica à alteração do sexo biológico, por vezes impossível de ser realizada.

Tal decisão, nitidamente, concretiza a dignidade da pessoa humana, estatuída pelo constituinte originário como fundamento da República Federativa do Brasil (art. 1º, III, CRFB/88), na medida em que ínsita àquela está o existir de forma digna, com asseguração da busca à felicidade, o que não é possível, no caso dos transexuais, sem que se supere, tanto quanto possível, o descompasso existente entre o sexo biológico e o sexo psicológico.

Quanto às decorrências jurídicas desse acolhimento, o Relator Ministro Luís Felipe Salomão, lucidamente, ponderou:

“Ademais, impende relembrar que o princípio geral da presunção de boa-fé vigora no ordenamento jurídico. Assim, eventuais questões novas (sequer cogitáveis por ora) deverão ser sopesadas, futuramente, em cada caso concreto aportado ao Poder Judiciário, não podendo ser invocados receios ou medos fundados meramente em conjecturas dissociadas da realidade concreta” (http://www.stj.jus.br/sites/STJ/default/pt_BR/Comunica%C3%A7%C3%A3o/noticias/Not%C3%ADcias/Transexuais-t%C3%AAm-direito-%C3%A0-altera%C3%A7%C3%A3o-do-registro-civil-sem-realiza%C3%A7%C3%A3o-de-cirurgia).

Em casos como o presente, o rigoroso apego a regras legais, em detrimento dos fundamentos e princípios de envergadura constitucional que visam garantir existência digna a todos os indivíduos, implica em lamentável retrocesso, a ser firmemente combatido com a luz com que nos presenteou Eduardo Juan Couture: “Teu dever é lutar pelo Direito; mas, se um dia encontrares o Direito em conflito com a Justiça, luta pela Justiça”.

Com efeito, ainda que não houvesse a Constituição, mas somente regras legais impeditivas, cumpri-las significaria - como se o Direito fosse um todo ensimesmado - negar credibilidade à Medicina e aos recursos por ela oportunizados ao enfrentamento da dor daquele que já nasce prisioneiro, ou seja, cometer uma lapidar injustiça. 
Marconi Lustosa Felix Filho é Especialista (Direito Constitucional), Assessor V de Promotor de Justiça (MP/PB), Professor de Direito, Colaborador da Rede Ad Verum Suporte Educacional (CERS), está aprovado em concurso para o cargo de Delegado de Polícia (DP/PE) e dá dicas de preparação para concursos públicos na página @olhonodireito (Instagram). 


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Olá, galera.

Na semana passada, tivemos uma discussão nas redes sociais, a qual foi o tema da minha coluna da mesma semana, em que abordamos e explicamos detalhadamente (e incansavelmente) que sexo biológico (genitália e cromossomos – macho, fêmea, ou intersexual) é diferente (nem se pode fazer uma comparação) de identidade de gênero (imagem que a pessoa tem de si mesma).

Novamente, nos deparamos com a falta de orientação da Justiça (e de seus operadores com relação ao tema). Vou reformular a frase, já que temos, em nosso próprio ORDENAMENTO JURÍDICO, decisões inovadoras e reconhecidas como legítima, jurídica e socialmente corretas*.
* Repito: Não é porque não vai de acordo com a sua religião, credo, opinião, Buda, chacra, com o que você segue na sua vida, que tal assunto não deve ser debatido, ou que as decisões favoráveis não são corretas. Novamente, nos deparamos com retaliações (sem fundamento), as quais são justificadas com teor preconceituoso. Acredite, e agora manifesto minha opinião pessoal, a forma como o outro vive não deve ser parâmetro para justificar preconceitos. Já é bem difícil pessoas se aceitarem como são, para outras pessoas (que não têm nada a ver, que não conhecem o outro) opinarem em vidas alheias, que em nada (repito, NADA), interferem na sua vivência.

Dito isso, retorno ao teor da notícia. Acredito, como jurista e assídua nos estudos de gênero, que o promotor não se incumbiu de preparar um estudo para fundamentar o seu parecer. Da forma como foi colocado, ficou evidenciada a mera manifestação de uma ideologia pessoal.

Claro que o promotor tem independência funcional. Entretanto, isso não deve ser usado para justificar uma opinião subjetiva. Temos por independência funcional (art. 127, § 1º da Constituição Federal de 1988), a não subordinação intelectual, nem hierarquia entre os membros do Ministério Público, ou seja, o Parquet (assim chamado o membro do Ministério Público) não está vinculado a posicionamentos.

existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa co-responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão dEntretanto, fazendo alusão à fala de Robert Alexy, os princípios, diferentemente das regras, são analisados conforme o peso. Quero dizer que “os conflitos entre regras ocorrem na dimensão da validade, ao passo que os conflitos entre princípios se verificam - visto que apenas princípios válidos podem colidir entre si - dentro da dimensão de peso” (Alexy, Robert, Theorie der Grundrecht, Frankfurt AM Main, Suhrkamp, 1986, pg., 76).

Aonde quero chegar? O princípio da independência funcional está em conflito com outro princípio regido pela Constituição Federal (diferente da opinião do Promotor), o princípio da dignididade da pessoa humana (art. 1º, III, da CF). E, diante deste conflito, como resolver?

Faço a seguinte citação:

Nessa perspectiva, na oposição entre o princípio da independência funcional e outro princípio constitucional, antepõem-se, imperativamente, dentre outras, as questões: Qual deles atende melhor à realidade presente? Qual deles corresponde mais amplamente às necessidades do quadro social? Qual deles melhor assegura os interesses que a Instituição deve defender e velar? Qual deles dá mais efetividade aos direitos escritos na Constituição Federal? As respostas obtidas hão de conduzir à escolha do princípio de maior peso, ou de importância mais significativa, ou que melhor aperfeiçoe a efetividade dos direitos [...].
Me parece clara e autoexplicativa a resposta. Ora, o princípio que melhor responde os questionamentos acima, é o princípio da dignidade da pessoa humana, um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito e que se enquadra como

qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições os demais seres humanos.
Fonte: http://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/5787/A-dignidade-da-pessoa-humana-como-principio-absoluto

Perceba que não é tão simples julgar por, apenas, um princípio. Se era falta de previsão no ordenamento jurídico que impedia o promotor de, no seu parecer, julgar favoravelmente (e acertadamente) a troca do nome social, já não temos mais este problema, pois o princípio da dignidade da pessoa humana é protegido à  luz da Carta Magna.

Além disso, temos vários julgados, inclusive que consideraram a modificação do nome antes da cirurgia de transgenitalização, que utilizaram tal princípio para que a pessoa transexual tivesse o direito de modificar seu nome. A meu ver (opinião pessoal), o processo para modificação, não deveria ser tão burocrático, pois estar no corpo de uma pessoa que não te pertence já é doloroso demais, imagine sofrer preconceito (porque você se enxerga como homem, mesmo tendo nascido mulher, como na notícia em questão), ao olharem sua identidade e verem que não condiz com a aparência masculina (ou feminina)?

Deixo abaixo, uma notícia e um julgado, referentes à alteração do nome social.

Assim, a 2ª Vara de Formosa (GO) autorizou a mudança de nome de uma transgênero que, embora tenha sido registrada como homem, ainda aguarda a cirurgia de transgenitalização.Em seu pedido, a transgênero Renata ressaltou que em todas as situações nas quais precisava apresentar sua identidade, ainda com nome masculino, sofria preconceito. Ela relatou que sua aparência e gestual são femininos e, segundo depoimentos de testemunhas, poucas pessoas conheciam seu nome original.A juíza Marina Cardoso Buchdid observou que o julgador deve analisar as razões íntimas e psicológicas do portador do nome, estando atento às suas angústias, e deu razão à autora.
"Na hipótese da transexualidade, a alteração do prenome da pessoa segundo sua autodefinição tem por escopo resguardar a sua dignidade, além de evitar situações humilhantes, vexatórias e constrangedoras”, disse. A juíza ressaltou ser possível a mudança de nome sem a cirurgia de transgenitalização, uma vez que a autora não se identifica com seu sexo biológico”.
“O reconhecimento judicial do direito dos transexuais à alteração de seu prenome conforme o sentimento que eles têm de si mesmos, ainda que não tenham se submetido à cirurgia de transgenitalização, é medida que se revela em consonância com o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana”, ressaltou a juíza.
Fonte: http://www.conjur.com.br/2016-set-03/transgenero-mudar-nome-documentos-mesmo-cirurgia

CONSTITUCIONAL. REGISTRO CIVIL DE NASCIMENTO. ALTERAÇÃO. DESIGNATIVO. SEXO. TRANSEXUAL. NÃO SUBMETIDO À CIRURGIA DE REDESIGNAÇÃO SEXUAL. DIGNIDADE. PESSOA. HUMANA 1. Os direitos e garantias fundamentais são desdobramentos imediatos dos princípios fundamentais, previstos na Magna Carta. O art. 5º, X, da Constituição Federal elenca os direitos que compõem a integridade moral que deve ser respeitada assim como as demais características da pessoa. 2. O reconhecimento judicial do direito dos transexuais à alteração de seu prenome e da designação sexual constante de seus assentos de registro civil, conforme o sentimento/entendimento que possuem de si mesmos, ainda que não tenham se submetido à cirurgia de transgenitalização, é um meio de garantir o cumprimento e a efetividade do princípio da dignidade da pessoa humana, da intimidade, da personalidade e da cidadania, além de ser uma forma de integrá-lo à sociedade. 3. Conclui-se com facilidade que os elementos identificadores do sexo não podem ser limitados à conformação da genitália do indivíduo ou ao sexo eminentemente biológico, pois outros fatores devem ser considerados, como: o psicológico, cultural e social, para a correta caracterização sexual. 4. Recurso conhecido e provido.
(TJ-DF - APC: 20130710313876, Relator: MARIA DE LOURDES ABREU, Data de Julgamento: 02/09/2015, 5ª Turma Cível, Data de Publicação: Publicado no DJE : 25/09/2015 . Pág.: 175)

Destaco que, em recente decisão da 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (maio de 2017), um “transexual pode mudar o sexo registrado em sua identidade civil sem necessidade de realizar uma cirurgia de mudança de sexo” (Fonte: https://g1.globo.com/politica/noticia/stj-decide-que-transexual-pode-mudar-sexo-no-rg-mesmo-sem-cirurgia.ghtml). Tal decisão não obriga outros tribunais a decidirem da mesma maneira, mas permite que casos semelhantes em instâncias inferiores tenham isto como referência. Além disso, não se pode incluir a expressão “transexual”, o sexo biológico e os motivos das modificações registrais.


Karla Alves
Bacharel pela Faculdade de Direito de Vitória - FDV
Advogada
Membro do Grupo de Pesquisas Direito, Sociedade e Cultura, da Faculdade de
Direito de Vitória – FDV.
Membro do NeCrim (Núcleo de Estudos em Criminologia), ligado ao Grupo de
Pesquisas Direito, Sociedade e Cultura, da Faculdade de Direito de Vitória - FDV


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