quinta-feira, 13 de setembro de 2012

Discussões sobre o projeto do novo CPP



Ainda está em andamento o debate no Congresso sobre o projeto do novo Código de Processo Penal. Provavelmente ainda irá demorar. Enquanto estava em votação no Senado, os Senadores fizeram questão de destacar que o projeto era “mais democrático”. Citaram o fim da chamada prisão especial, por exemplo. “Não há diferenças entre um pedreiro assassino e um senador assassino”, declarou o então relator, Senador Demóstenes Torres, antes de ser cassado.

Esta afirmação é o maior absurdo que se poderia ouvir numa democracia. Isto porque justamente o sistema penal busca ao final condenar o real criminoso, individualizando sua pena, logo, destacando as diferenças e peculiaridades existentes em cada caso. O processo penal é o espaço democrático das diferenças!

Sim, porque é no processo penal que o juiz deve analisar as circunstâncias específicas do caso para determinar a culpabilidade e a pena mais adequada à esta. Aqui se inclui a periculosidade do agente que deve permanecer preso ou não. Não é o fato de se supostamente eliminar diferenças sociais que “democratiza” o processo, mas antes o enfoque dirigido para o ser humano que está sendo julgado. Ademais, misturar pessoas com formação diferente no decurso da investigação somente agrava o problema carcerário, primeiro porque a prisão processual não é pena e depois porque se estabelecem mecanismos de comunicação num sistema fechado (mas que tem reflexos externos, por isso não é totalmente fechado) que difundem elementos comunicacionais que não interessam à sociedade.

Exemplo: coloque-se um preso provisório com uma vasta ficha criminal junto com um primário detido por um crime menor. Que acontecerá? Será que eles não se comunicarão? O que são as facções criminosas, como o PCC, se não sistemas organizados de comunicação entre presos e que conta com a figura do detento provisório?

E a prisão processual leva a outro aspecto: e o tal juiz das garantias? Para que serve? Serve para verificar a legalidade da investigação processual e para salvaguardar os direitos fundamentais do investigado. Será que isso funcionará na prática? Dois juízes para um só processo?

Com a dificuldade administrativa até de preenchimento de vagas nos concursos para juiz, o número de magistrados sempre estará aquém do necessário para esse tipo de procedimento. Assim, a alternativa será alguma saída burocrática para dar existência à figura do juiz de garantias. Ou seja, cria-se mais um carimbo assinado por outro juiz que não aquele que julgará o feito.

O grande argumento para a criação dessa divisão jurisdicional é o da imparcialidade. Numa era em que se estuda o fenômeno da comunicação de massa, das influências da mídia na formação do que ainda se chama de inconsciente coletivo ou na cultura dos grupos sociais, num momento em que se discute a racionalidade objetiva e os mecanismos de formação dos juízos de valor humano, pode-se falar em imparcialidade? Quem é imparcial? Só aquele que não está no mundo, que não vê nada, que nunca chegou a tomar contato com nada, se isto é possível. Será que pode-se pensar nessa “imparcialidade instrumental” na modernidade, com a internet, comunicação digital, mecanismos fluídos de disseminação da informação? Um juiz não lê jornal, não conversa com ninguém, não paga contas, não tem uma participação social?

Não, todos nós operadores do Direito somos imparciais, lidamos com a “Lei”, lidamos com mecanismos sociopolíticos e científicos de exercício de cidadania. Não somos influenciados por nada, porque nossa formação “científica” desenvolve em nós sistemas de proteção contra a parcialidade, contra a apreciação pessoal, contra as figuras que podem gerar a “diferença” no processo. Somos indiferentes porque somos técnicos. Somos superiores porque não tratamos de juízos de “gosto”, mas de avaliação absolutamente dogmática-científica. Somos perfeitos e lutamos para “igualar” a todos, pois isso é democracia. Tornar todos os seres humanos iguais, da mesma forma que robôs, que não tem distinções, pois são produzidos em série (se um dia o forem).

Nosso processo será um grande modelo de pasteurização, sob a máscara da suposta igualdade social. Quando o pedreiro e o senador tiverem presos lado a lado teremos democracia. Resta saber se teremos humanidade.

Fonte: João Ibaixe Jr. é advogado criminalista, escritor e jornalista. Possui pós-graduação em Filosofia e mestrado em Direito. Foi delegado de Polícia e assessor jurídico da Febem, atual Fundação Casa, e coordenador de núcleo de pesquisa no Departamento de Pós-graduação em Direito da PUC-SP. Organizador do “Plano de Legislação Criminal” de Jean-PaulMarat e autor do livro “Diálogos Forenses”, é palestrante do Departamentode Cultura da OAB-SP e editor dos blogs Por Dentro da Lei Criminalista Prático. É também membro efetivo do Núcleo de Aprimoramento Jurídico e Integração Cultural da OAB-SP e presidente do Instituto Ibaixe, criado para desenvolver estudos e eventos jurídicos, filosóficos e culturais.     

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