quarta-feira, 12 de setembro de 2012

Princípio da bagatela para reincidente, em cidade pequena, é relativo


    A 1ª Câmara Criminal do TJ  reconheceu que a reincidência em crime de furto não permite a aplicação do benefício da insignificância em favor do réu. A decisão reformou sentença da comarca de Garuva, que deixou de receber a denúncia contra um homem acusado de furto de 50 metros de fio, avaliados em R$ 147,50, em março deste ano.

            Em apelação, o Ministério Público afirmou que os requisitos para o reconhecimento da insignificância da conduta não foram devidamente adequados ao caso. Destacou o fato de não ser o primeiro registro de furto pelo réu e defendeu que o valor do furto, praticado em cidade pequena e com pouca estrutura policial, não pode ser admitido como de pequena monta.

            A relatora, desembargadora Marli Mosimann Vargas, reconheceu os fatos apontados pelo MP e observou que os requisitos subjetivos, relacionados à vida pregressa e comportamento social do acusado, não lhe são favoráveis. No processo, constou antecedente criminal ligado a outro furto.

            “Portanto, entende-se não poder ser reconhecido em seu favor o princípio da insignificância, pois, como bem afirmou o representante ministerial nas razões do recurso por ele interposto, em cidades pequenas (…) a aplicação indiscriminada do postulado da insignificância constitui verdadeiro estímulo ao crime, o que não se pode admitir'”, finalizou Mosimann. 

           Com esta decisão, unânime, haverá o prosseguimento do feito na comarca de Garuva. Cabe apelação a instâncias superiores. (RC nº 2012.043980-6)        

        ÍNTEGRA DA DECISÃO

Recurso Criminal n. 2012.043980-6, de Garuva
Relatora: Desa. Marli Mosimann Vargas
RECURSO CRIMINAL. CRIME CONTRA O PATRIMÔNIO. FURTO (ART. 155, CAPUT, DO CÓDIGO PENAL). DENÚNCIA REJEITADA DIANTE DO RECONHECIMENTO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INSURGÊNCIA MINISTERIAL. PEDIDO DE RECEBIMENTO DA PEÇA VESTIBULAR E CONSEQUENTE PROSSEGUIMENTO DO FEITO. POSSIBILIDADE. RÉU QUE NÃO PREENCHE OS REQUISITOS SUBJETIVOS PARA O RECONHECIMENTO DO CITADO PRINCÍPIO. EXISTÊNCIA DE OUTRO PROCESSO CRIMINAL PELA PRÁTICA DO MESMO DELITO. REITERAÇÃO CRIMINOSA.
RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. 
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Recurso Criminal n. 2012.043980-6, da comarca de Garuva (Vara Única), em que é recorrente Ministério Público do Estado de Santa Catarina, e recorrido Ubiraci Monteiro de Matos Junior:
A Primeira Câmara Criminal decidiu, por votação unânime, conhecer do recurso e dar-lhe provimento, para cassar a decisão que rejeitou a denúncia e, consequentemente, determinar o prosseguimento do feito. Custas legais.
Participaram do julgamento, realizado nesta data, o Exmo. Sr. Des. Newton Varella Júnior e o Exmo. Sr. Des. Altamiro de Oliveira.
Pela douta Procuradoria-Geral de Justiça participou a Exma. Sra. Procuradora Heloísa Crescente Abdalla Freire. 
Florianópolis, 4 de setembro de 2012.

Marli Mosimann Vargas
PRESIDENTE E RELATORA
 
RELATÓRIO
O representante do Ministério Público da Vara Única da comarca de Garuva ofereceu denúncia contra Ubiraci Monteiro de Matos Junior pela prática do delito definido no art. 155, caput, do Código Penal, assim descrito na inicial acusatória (fls. I-II):
Consta do incluso Inquérito Policial que, no dia 6 de março de 2012, por volta das 21:00, na Rua Dom Pedro II, n. 1.191, Georgia Paula, nesta cidade, o denunciado UBIRACI MONTEIRO DE MATOS JUNIOR, subtraiu para si 50 (cinquenta) metros de fio 10mm, pertencentes à vítima Leci Mencatto, e avaliados em R$ 147,50 (cento e quarenta e sete reais e cinquenta centavos), consoante auto de avaliação indireta de fl. 12.
Entretanto, o juízo a quo deixou de receber a denúncia (fls. 21-24), entendendo pela impossibilidade jurídica do pedido (art. 395, II, do CPP), haja vista a ausência de tipicidade na conduta do acusado, diante do pequeno valor da res furtiva, bem como da mínima ofensividade da conduta e seu reduzido grau de reprovabilidade, sendo aplicável ao caso o princípio da insignificância.
O representante ministerial interpôs recurso em sentido estrito (fls. 27-33), requerendo a reforma da decisão que deixou de receber a denúncia, sustentando que "não foram preenchidos os requisitos necessários ao reconhecimento da insignificância da conduta, pois não é a primeira vez que UBIRACI é acusado pela prática de crime contra o patrimônio alheio". Ademais, o delito foi praticado em cidade pequena, com pouca estrutura policial e, ainda, não se pode considerar insignificante o valor de R$ 147,50 (cento e quarenta e sete reais e cinquenta centavos), fatos que são suficientes para determinar o prosseguimento da ação penal, porquanto evidenciada a periculosidade social do acusado, o que exige atuação Estatal.
Mantida a decisão recorrida (fl. 34), lavrou parecer pela douta Procuradoria-Geral de Justiça a Exma. Sra. Dra. Jayne Abdala Bandeira, manifestando-se pelo conhecimento e provimento do recurso (fls. 39-44).
Este é o relatório.
VOTO
Presentes os pressupostos de admissibilidade, conhece-se do reclamo e passa-se à análise do seu objeto. 
O representante ministerial pleiteia a cassação da decisão que rejeitou a denúncia oferecida, a fim de que seja determinado o prosseguimento do feito. Com razão, vejamos.
Salienta-se que a decisão combatida, que rejeitou a denúncia com fulcro no art. 395, II, do CPP, entendendo que a conduta praticada pelo recorrido não constituiu crime, diante da aplicação do princípio da insignificância, não merece prosperar.
Sabe-se que tal princípio é regido, principalmente, pelos princípios da ofensividade ou lesividade e da proporcionalidade, que tem por fundamento, em suma, que o direito penal é aplicável somente como última hipótese para dirimir conflitos, de modo que deve ser utilizado apenas nos casos de ofensa relevante aos bens jurídicos tutelados. 
Sobre o tema, Paulo Queiroz leciona:
Em conformidade com o princípio da lesividade (nullunm criem sine iniuria), só podem ser consideradas criminosas condutas lesivas ao bem jurídico alheio (por isso também conhecido como princípio da proteção de bens jurídicos), público e particular, entendendo-se como tal os pressupostos existenciais e instrumentais de que a pessoa necessita para sua auto-realização na vida social (muñoz conde), não podendo haver a criminalização de atos que não ofendam seriamente bem jurídico ou que representem apenas má disposição entre o interesse próprio, como automutilação, suicídio tentado, dano à coisa própria etc (Manual de direito penal – parte geral, 4. ed. rev. e ampl. Rio de Janeiro: Lumen Juris, p. 58).
Concernente aos crimes contra o patrimônio, é cediço que para aplicação do princípio da bagatela ou da insignificância faz-se necessário que a coisa subtraída seja ínfima, insignificante e, em conformidade com lição do Supremo Tribunal Federal, que haja a mínima ofensividade da conduta do agente; nenhuma periculosidade social da ação; o reduzido grau de reprovabilidade do comportamento e a inexpressividade da lesão jurídica provocada (Resp. STJ, 750626/RS, rel. Min. Hamilton Carvalhido, j. 4-9-2006). 
Nessa linha, ensina Cezar Roberto Bitencourt:
A tipicidade penal exige ofensa de alguma gravidade aos bens jurídicos protegidos, pois nem sempre qualquer ofensa a esses bens ou interesses é suficiente para configurar o injusto típico. Segundo esse princípio, é imperativa uma efetiva proporcionalidade entre a gravidade da conduta que se pretende punir e a drasticidade da intervenção estatal. Amiúde, condutas que se amoldam a determinado tipo penal, sob o ponto de vista formal, não apresentam nenhuma relevância material. Nessas circunstâncias, pode-se afastar liminarmente a tipicidade penal, porque em verdade o bem jurídico não chegou a ser lesado [...]. Assim, a irrelevância ou insignificância de determinada conduta deve ser aferida não apenas em relação à importância do bem juridicamente atingido, mas especialmente em relação ao grau de sua intensidade, isto é, pela extensão da lesão produzida (Código Penal Comentado. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 93).
Logo, repisa-se, para que seja considerada atípica a conduta perpetrada pelo recorrido por intermédio do princípio aludido, além do bem possuir valor ínfimo – requisito objetivo – faz-se imprescindível que não ocorra qualquer ofensa ao bem jurídico tutelado, a conduta não produza grande reprovabilidade, bem como as circunstâncias judiciais sejam favoráveis ao recorrido – requisitos subjetivos.
In casu, observa-se não haver possiblidade da aplicação do princípio ora citado, pois, além do valor da res furtiva, correspondente à quantia de R$ 147,50 (cento e quarenta e sete reais e cinquenta centavos) não poder ser considerado irrisório, o segundo requisito também não está preenchido, uma vez que, de acordo com a certidão de antecedentes criminais de fl. 19, o recorrido responde a outro processo criminal pela suposta prática do mesmo crime, ou seja, nota-se que é contumaz no envolvimento com delitos contra o patrimônio.
Nota-se, assim, que os requisitos subjetivos, relacionados à vida pregressa e comportamento social do recorrido não lhe são desfavoráveis, em virtude da reiteração criminosa.
Portanto, entende-se não poder ser reconhecido em seu favor o princípio da insignificância, pois, como bem afirmou o representante ministerial nas razões do recurso por ele interposto, "em cidades pequenas como a nossa, portanto, a aplicação indiscriminada do postulado da insignificância constitui verdadeiro estímulo ao crime, o que não se pode admitir" (fl. 32).
Em caso semelhante, extrai-se entendimento deste Sodalício:
RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. TENTATIVA DE FURTO (ART. 155, CAPUT, C/C ART. 14, II, AMBOS DO CÓDIGO PENAL). INSURGÊNCIA MINISTERIAL CONTRA DECISÃO PELA REJEIÇÃO DA DENÚNCIA, ATRAVÉS DA APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. RÉ QUE REGISTRA COMPORTAMENTO SOCIAL E VIDA PREGRESSA QUE NÃO PERMITEM A APLICAÇÃO DO MENCIONADO PRINCÍPIO. RECURSO PROVIDO PARA DETERMINAR O RECEBIMENTO DA DENÚNCIA E PROCESSAMENTO DA AÇÃO PENAL (Recurso Criminal n. 2011.034620-9, da Capital, rel. Des. Newton Varella Júnior, Primeira Câmara Criminal, j. 8-8-2011).
Ainda:
REVISÃO CRIMINAL – CRIMES DE FURTO E ESTELIONATO (CP, ART. 155 C/C ART. 171) – APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA – IMPOSSIBILIDADE – RES FURTIVA DE RELEVANTE VALOR – ABSORÇÃO DO CRIME DE FURTO PELO DELITO DE ESTELIONATO – SUBTRAÇÃO DE TALONÁRIO DE CHEQUES E DE OUTROS BENS DA VÍTIMA – PRINCÍPIO DA CONSUNÇÃO AFASTADO – CRIME CONTINUADO – INOCORRÊNCIA – DELITOS DE ESPÉCIE DIFERENTES PRATICADOS EM COMARCAS DISTINTAS E MODUS OPERANDI DIVERSO. 
I – O princípio da insignificância, como causa supralegal de exclusão da tipicidade, recomenda considerar-se penalmente atípica a conduta criminosa que, a despeito de se subsumir formalmente ao tipo incriminador, é inapta a lesar o titular do bem jurídico tutelado e a ordem social.
E na aferição do relevo material da tipicidade penal, notadamente nos crimes contra o patrimônio, torna-se indispensável a presença de vetores para se legitimar a descaracterização do crime à luz da máxima da insignificância, tais como a mínima ofensividade da conduta do agente, nenhuma periculosidade social da ação, o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e a inexpressividade da lesão jurídica provocada, não sendo possível sua aplicação, entretanto, quando houver prejuízo de grande monta à vítima e quando a conduta perpetrada pelo agente é capaz de causar reprovabilidade, por não ser insignificante à tutela do Direito Penal [...] (Revisão Criminal n. 2008.062438-5, de Laguna, rel. Desa. Salete Silva Sommariva, Seção Criminal, j. 11-5-2009).

[...] EXCLUSÃO DA TIPICIDADE POR FORÇA DA APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. LESÃO AO BEM JURÍDICO PROTEGIDO. RES FURTIVA DE VALOR RELEVANTE. PRETENSÃO DESCABIDA [...] RECURSO DESPROVIDO. 
A exclusão da tipicidade da conduta como corolário da aplicação do princípio da insignificância exige, além da irrelevância do fato delituoso, a ausência de lesão ao bem juridicamente tutelado pela norma penal, bem assim que o valor dos bens subtraídos seja irrisório [...] (Apelação Criminal n. 2008.065712-6, da Capital, rel. Des. Sérgio Paladino, Segunda Câmara Criminal, j. 10-3-2009).
Diante do acima exposto, dá-se provimento ao recurso interposto pelo representante do Ministério Público, a fim de cassar a decisão que rejeitou a denúncia oferecida e, por conseguinte, determinar o regular processamento do feito.
Este é o voto.


Fonte: Tribunal de Justiça de Santa Catarina 

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