Por que o Estatuto da Criança e do Adolescente funciona, na prática, como um incentivo à criminalidade
A impunidade é a verdadeira causa da proliferação da violência. Enquanto maiores e menores criminosos encararem seus atos como simples malfeitos que logo serão, de uma ou outra maneira, perdoados, os crimes só tendem a se multiplicar. O caso dos menores criminosos é particularmente exemplar, na medida em que são “protegidos” pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Seu pressuposto é que causas sociais e familiares são sempre apresentadas como razões “justificadoras”, como se o criminoso fosse, de fato, a vítima.
>> Pela ampliação da maioridade moral
Proteção que, num primeiro momento, bem-intencionada, termina produzindo efeitos perversos quando dá guarida a adolescentes que cometem estupros e assassinatos. Não se pode cair na armadilha diversionista que consiste em identificar pequenos delitos – estes, sim, devem ter um tratamento reeducativo – com atos criminosos de extrema crueldade. O tratamento igualitário é, nesse caso, injusto.
Proteção que, num primeiro momento, bem-intencionada, termina produzindo efeitos perversos quando dá guarida a adolescentes que cometem estupros e assassinatos. Não se pode cair na armadilha diversionista que consiste em identificar pequenos delitos – estes, sim, devem ter um tratamento reeducativo – com atos criminosos de extrema crueldade. O tratamento igualitário é, nesse caso, injusto.
>> Mudar a maioridade penal adianta?
Evitemos, ainda, outro tipo de manobra diversionista, dos que procuram ocultar esse problema e recorrem ao argumento fajuto, para o caso em questão, de que a prisão é uma escola para o crime. Determinados crimes cometidos por menores mostram que tudo já aprenderam sobre a maldade humana antes de ir para uma unidade chamada de “socioeducativa”. Tampouco precisam do aprendizado da prisão.
Alguns casos de exercício dos argumentos dos defensores dos direitos humanos são particularmente nocivos. O Brasil observou, estarrecido, a morte do menino João Hélio, em 2007. Lembremos que a criança estava no banco traseiro de um Corsa, quando dois bandidos anunciaram o assalto a sua mãe, a motorista. Ela conseguiu descer do veículo e retirar a filha, de 13 anos. João permaneceu atado ao cinto de segurança. Sua mãe tentou retirá-lo, mas os bandidos logo entraram no carro e arrancaram em alta velocidade. João, preso ao cinto pela barriga e pendurado para fora do automóvel, foi arrastado por 13 ruas de quatro bairros, em dez minutos.
Ezequiel Toledo da Silva, então com 16 anos, foi um dos responsáveis pelo brutal assassinato de João Hélio. A pequena história de Ezequiel, do crime até 2012 (data da última informação sobre seu paradeiro), diz muito sobre o Brasil da impunidade. A própria narrativa do ocorrido mostra toda a sua dimensão ideológica, quando se passa a falar de um menor envolvido no crime como uma “infração”, um “malfeito”, como se tratasse de uma mera travessura.
Evitemos, ainda, outro tipo de manobra diversionista, dos que procuram ocultar esse problema e recorrem ao argumento fajuto, para o caso em questão, de que a prisão é uma escola para o crime. Determinados crimes cometidos por menores mostram que tudo já aprenderam sobre a maldade humana antes de ir para uma unidade chamada de “socioeducativa”. Tampouco precisam do aprendizado da prisão.
Alguns casos de exercício dos argumentos dos defensores dos direitos humanos são particularmente nocivos. O Brasil observou, estarrecido, a morte do menino João Hélio, em 2007. Lembremos que a criança estava no banco traseiro de um Corsa, quando dois bandidos anunciaram o assalto a sua mãe, a motorista. Ela conseguiu descer do veículo e retirar a filha, de 13 anos. João permaneceu atado ao cinto de segurança. Sua mãe tentou retirá-lo, mas os bandidos logo entraram no carro e arrancaram em alta velocidade. João, preso ao cinto pela barriga e pendurado para fora do automóvel, foi arrastado por 13 ruas de quatro bairros, em dez minutos.
Ezequiel Toledo da Silva, então com 16 anos, foi um dos responsáveis pelo brutal assassinato de João Hélio. A pequena história de Ezequiel, do crime até 2012 (data da última informação sobre seu paradeiro), diz muito sobre o Brasil da impunidade. A própria narrativa do ocorrido mostra toda a sua dimensão ideológica, quando se passa a falar de um menor envolvido no crime como uma “infração”, um “malfeito”, como se tratasse de uma mera travessura.
>> Para sociólogo, só educação mudará cultura da violência
Note-se que Ezequiel não cumpriu pena por matar um menino. Não se trata de pena, mas de medida “socioeducativa”. Ezequiel foi internado, para ser reeducado e poder voltar ao convívio social. Cumprindo o Estatuto da Criança e do Adolescente – o Artigo 121, Parágrafo 3º, diz que, “em nenhuma hipótese, o período máximo de internação excederá a três anos” –, o Estado brasileiro libertou Ezequiel em 2010. Livre e com ficha limpa.
Dois dias depois de solto, Ezequiel foi incluído ainda no Programa de Proteção à Criança e ao Adolescente Ameaçado de Morte (PPCAAM). O corolário dessa medida é capaz de fraturar qualquer mente orientada pelo bom-senso. O criminoso, agora, tem proteção estatal, paga com o dinheiro de todos nós, inclusive dos pais de João Hélio. A perversão é total.
Note-se que Ezequiel não cumpriu pena por matar um menino. Não se trata de pena, mas de medida “socioeducativa”. Ezequiel foi internado, para ser reeducado e poder voltar ao convívio social. Cumprindo o Estatuto da Criança e do Adolescente – o Artigo 121, Parágrafo 3º, diz que, “em nenhuma hipótese, o período máximo de internação excederá a três anos” –, o Estado brasileiro libertou Ezequiel em 2010. Livre e com ficha limpa.
Dois dias depois de solto, Ezequiel foi incluído ainda no Programa de Proteção à Criança e ao Adolescente Ameaçado de Morte (PPCAAM). O corolário dessa medida é capaz de fraturar qualquer mente orientada pelo bom-senso. O criminoso, agora, tem proteção estatal, paga com o dinheiro de todos nós, inclusive dos pais de João Hélio. A perversão é total.
Não deveria surpreender que outros crimes do mesmo tipo se sucedam. O jovem Victor Hugo Deppman, estudante de 19 anos, foi executado por um menor. Voltava do trabalho. Sob a mira de uma arma, agiu conforme a instrução dos órgãos de segurança: entregou seus pertences sem esboçar reação. Logo depois de entregar o celular, levou um tiro na cabeça e caiu no chão. O criminoso, prestes a completar 18 anos, logo estará livre. Tem uma carreira de impunidade aberta a sua frente.
Uma dentista foi “isqueirizada” em seu consultório por um bando de jovens, pelo motivo fútil de ter apenas R$ 30 consigo. Foi queimada viva. Quem ateou fogo em seu corpo foi um menor. A crueldade é de revoltar o estômago. A repetição criminosa tornou-se a regra em nosso país, cujo exemplo maior é a impunidade.
Um adolescente de 16 anos tem plenos direitos eleitorais. Pode escolher a presidente da República. Mas, segundo nossa legislação, não é responsável penalmente por seus atos. Isso quer dizer que ele vota, então, irresponsavelmente? Parece uma piada, mas é o surrealismo, sem nenhuma arte, de nossa triste realidade.
Diferentes estatísticas sugerem que, na última década, em plena vigência do Estatuto da Criança e do Adolescente, os crimes de adolescentes podem ter aumentado entre 50% e 80%. Por que o Estado não torna públicas as estatísticas dos menores que cometeram crimes, em particular estupros e assassinatos? Medo da realidade?
Recentemente, o Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo (Apeoesp) divulgou uma pesquisa sobre a violência na escola com dados estarrecedores. Eles ajudam a melhor mapear a impunidade. A uma pergunta relativa a situações de violência que os professores costumam presenciar, 42% mencionaram “alunos sob efeito de drogas”, 29% “tráfico de drogas”, 15% “portando armas brancas” e 3% “armas de fogo”.
Policiais e promotores têm conhecimento de que o tráfico, dada a inimputabilidade de menores segundo o ECA, usa adolescentes como instrumentos de transporte e, mesmo, de venda de drogas. Alguns, graças a esse “aprendizado”, acabam abrindo seu próprio “negócio”, acobertados pela legislação.
Dos professores, 84% dizem ter conhecimento sobre casos de violência nas escolas em que lecionaram em 2012; 74% reportaram agressão verbal; 53%, vandalismo; 52%, agressão física; 45%, furto; 7%, roubo ou assalto à mão armada; 4%, violência sexual; 1%, assassinato. Professores estão literalmente desprotegidos contra menores infratores, assim como outros alunos. Uma criança e um adolescente aprendem – ou deveriam aprender – comportamentos e valores morais na escola, seguindo o exemplo de professores e colegas. A violência, aqui, não deveria ter nenhum lugar. Estamos diante de uma “escola” do crime, legalmente amparada?
A sociedade está completamente desprotegida. Seus direitos não são minimamente assegurados. A integridade física e a proteção contra a morte violenta deveriam ser as primeiras obrigações do Estado. A função primeira da prisão – e essa é uma premissa básica – não consiste em educar, mas em punir alguém que se tornou perigoso para a sociedade em seu conjunto. Retirar alguém, como castigo, do convívio social significa proteger a sociedade. Se isso não ocorrer, a impunidade será recompensada.
Uma dentista foi “isqueirizada” em seu consultório por um bando de jovens, pelo motivo fútil de ter apenas R$ 30 consigo. Foi queimada viva. Quem ateou fogo em seu corpo foi um menor. A crueldade é de revoltar o estômago. A repetição criminosa tornou-se a regra em nosso país, cujo exemplo maior é a impunidade.
Um adolescente de 16 anos tem plenos direitos eleitorais. Pode escolher a presidente da República. Mas, segundo nossa legislação, não é responsável penalmente por seus atos. Isso quer dizer que ele vota, então, irresponsavelmente? Parece uma piada, mas é o surrealismo, sem nenhuma arte, de nossa triste realidade.
Diferentes estatísticas sugerem que, na última década, em plena vigência do Estatuto da Criança e do Adolescente, os crimes de adolescentes podem ter aumentado entre 50% e 80%. Por que o Estado não torna públicas as estatísticas dos menores que cometeram crimes, em particular estupros e assassinatos? Medo da realidade?
Recentemente, o Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo (Apeoesp) divulgou uma pesquisa sobre a violência na escola com dados estarrecedores. Eles ajudam a melhor mapear a impunidade. A uma pergunta relativa a situações de violência que os professores costumam presenciar, 42% mencionaram “alunos sob efeito de drogas”, 29% “tráfico de drogas”, 15% “portando armas brancas” e 3% “armas de fogo”.
Policiais e promotores têm conhecimento de que o tráfico, dada a inimputabilidade de menores segundo o ECA, usa adolescentes como instrumentos de transporte e, mesmo, de venda de drogas. Alguns, graças a esse “aprendizado”, acabam abrindo seu próprio “negócio”, acobertados pela legislação.
Dos professores, 84% dizem ter conhecimento sobre casos de violência nas escolas em que lecionaram em 2012; 74% reportaram agressão verbal; 53%, vandalismo; 52%, agressão física; 45%, furto; 7%, roubo ou assalto à mão armada; 4%, violência sexual; 1%, assassinato. Professores estão literalmente desprotegidos contra menores infratores, assim como outros alunos. Uma criança e um adolescente aprendem – ou deveriam aprender – comportamentos e valores morais na escola, seguindo o exemplo de professores e colegas. A violência, aqui, não deveria ter nenhum lugar. Estamos diante de uma “escola” do crime, legalmente amparada?
A sociedade está completamente desprotegida. Seus direitos não são minimamente assegurados. A integridade física e a proteção contra a morte violenta deveriam ser as primeiras obrigações do Estado. A função primeira da prisão – e essa é uma premissa básica – não consiste em educar, mas em punir alguém que se tornou perigoso para a sociedade em seu conjunto. Retirar alguém, como castigo, do convívio social significa proteger a sociedade. Se isso não ocorrer, a impunidade será recompensada.
Denis Rosenfield é professor titular de filosofia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)
Revista Época
Nenhum comentário:
Postar um comentário