"A gente aprende a conviver com essa realidade de violência, mas é o fim da picada, né? Tem de aprender, não tem outra saída. Estou muito desesperançosa de que algo mude."
O desabafo é da economista Luciana (nome fictício), moradora da alameda Tietê, nos Jardins, área nobre de São Paulo. A região foi um dos principais focos de arrastões realizados na capital paulista no ano passado e voltou ao noticiário policial em 2013 dentro dos cerca de 40 casos semelhantes registrados nos primeiros meses deste ano contra prédios residenciais e estabelecimentos comerciais.
Divorciada e mãe de dois filhos pequenos, a economista conta que passou por momentos de terror, há pouco mais de um ano, quando assaltantes de terno e gravata fortemente armados e em um veículo Blazer assaltaram 12 dos 18 apartamentos do edifício. O dela foi um dos seis que se safaram da ação.
A paulistana garante que será uma das participantes da manifestação que pedirá mais segurança à cidade, no próximo dia 30, no Parque do Povo. E conclui: "Solucionar o problema da violência talvez não seja possível, mas já mudei aspectos da minha rotina e da dos meus filhos e agora vou pra rua fazer algo. Ao menos tentar, eu vou".
Leia, abaixo, o relato dela ao UOL.
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"O arrastão no meu prédio aconteceu em fevereiro do ano passado, perto do Carnaval. Era de manhã, os assaltantes entraram pela garagem com outro morador e pegaram o porteiro. Um deles chegou a dizer a um vizinho rendido que eles já sabiam toda a rotina com os horários dos moradores dali.
"O arrastão no meu prédio aconteceu em fevereiro do ano passado, perto do Carnaval. Era de manhã, os assaltantes entraram pela garagem com outro morador e pegaram o porteiro. Um deles chegou a dizer a um vizinho rendido que eles já sabiam toda a rotina com os horários dos moradores dali.
Era 9h quando fui informada por uma vizinha da frente que podia haver um arrastão ali, pois tinha uma movimentação estranha no meu prédio. Ela me ligou e recomendou: 'Acho que é arrastão aí. Tranca bem sua porta e fica em silêncio'.
Nesse meio tempo já deu pra sacar que era mesmo, por outro morador. Aí deu um pavor: sozinha em casa, com duas crianças pequenas, o que eu podia fazer? Tranquei a porta e fui com eles para um quarto dos fundos, onde fingi que estava tudo bem e tomamos café. Ficamos ali até que uma vizinha de cima interfonou e disse que estava tudo liberado.
Depois eu soube que os bandidos forçaram algumas portas – como estava no fundo, não escutei. De alguns vizinhos, ouvi que os bandidos levaram até doces para as crianças e mantinham um deles brincando com elas, na sala, como forma de acalmá-las.
Meu medo mesmo veio no dia seguinte: é como se o tempo todo alguém estivesse vigiando a nossa rotina o tempo todo. Puseram câmeras e mudaram os portões do prédio, mas não importa essa parafernalha toda: quando os bandidos querem entrar, entram.
Hoje eu leio as notícias sobre tanta violência na minha cidade, e, na hora, me abalo. Tenho a ideia de que é 'bola pra frente', mas mudei minha rotina e a dos meus filhos --com esses arrastões em restaurantes ou com gente gritando na rua que foi roubada, por exemplo, evito sair à noite para comer se é feriado ou se sei que não vai ter muita gente, como numa festa de aniversário. Agora a violência está toda muito próxima, não existe mais isso de ser só na periferia.
Não consigo imaginar se um dia vou poder andar pela cidade e me sentir segura, estou desesperançosa. Sei que a solução passa por questões sociais e investimento em educação, mas, puxa, a gente paga tanto imposto pra não se sentir segura nem quando está em casa, ou para não ver um policial na esquina e ter ao menos a sensação de que se está seguro? É tanto imposto pago pra aprender a conviver com isso? É o fim da picada."
uol
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