A Lei n. 12.850/2013 que dispõe sobre Crime Organizado entrou em vigor em 19 de setembro de 2013, e foi editada com o fito de adimplir obrigações internacionais a que o Estado Brasileiro se comprometeu, por ocasião da ratificação da Convenção de Palermo, em 29 de janeiro de 2004. Aludida convenção internacional foi internalizada pelo Decreto presidencial n.º 5.015 de 15.03.2004.
É bem verdade que desde 1995 estava em vigor a lei 9.034 para tratar de métodos de apuração e combate a organizações criminosas mas, contraditoriamente, sequer definiu o que seria Crime Organizado. A Lei 9.034/95 recebeu severas críticas não só por tratar de métodos de combate ao crime organizado sem sequer defini-lo, como também por deixar de elucidar com a acuidade necessária esse métodos. Tais métodos, denominados de técnicas especiais de investigação (TEI), criados pela lei 9.034/95 restou sem a regulamentação necessária para torná-los efetivos, sendo necessária a edição de uma nova lei para suprir essa deficiência. A tipificação do crime organizado é de fundamental importância não só para tornar operacional a legislação que combate esse tipo de criminalidade, como também porque antes da alteração da lei de lavagem de capitais[1], tal delito era considerado antecedente para fins de punição.
De fato, a ausência de tipificação de crime organizado tornara também vazia parte da lei de lavagem de dinheiro (com a redação anterior à edição da Lei 12.863/2012) que considerava típica a pulverização/afastamento de ativos financeiros ou bens havidos em razão da prática de crime organizado. A doutrina passou a definir crime organizado com base no conceito dado pela Convenção de Palermo, ratificada pelo Estado Brasileiro, dispondo o seu art. 2º, “a”, da seguinte forma:
“o grupo estruturado de três ou mais pessoas, existentes há algum tempo e atuando concertadamente com o propósito de cometer uma ou mais infrações graves ou enunciadas na presente convenção, com a intenção de obter, direta ou indiretamente, um benefício econômico ou outro benefício material.”
Parte, pois, da doutrina entendia que a ratificação da Convenção de Palermo, embora não tipificasse o crime organizado, era suficiente para conceituá-lo, inclusive, para efeito de integração à legislação de lavagem de capitais como crime antecedente. Partia da premissa de que o conceito de organização criminosa, embora não fosse típico, detinha força normativa necessária à sua caracterização como crime antecedente para efeito da Lei de Lavagem (artigo 1º, VII, da Lei 9.613/98, com a redação original).
Com base em tal convicção, o STJ traçara o caminho no sentido de entender que a definição de crime organizado pela Convenção de Palermo era suficiente a configurar o crime antecedente para fins da lei de lavagem de dinheiro, antes de sua alteração dada pela Lei Federal 12.683/2012, conforme é possível observar no seguinte excerto:
HABEAS CORPUS. LAVAGEM DE DINHEIRO. INCISO VII DO ART. 1.º DA LEI N.º 9.613/98. APLICABILIDADE. ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA. CONVENÇÃO DE PALERMO APROVADA PELO DECRETO LEGISLATIVO N.º 231, DE 29 DE MAIO DE 2003 E PROMULGADA PELO DECRETO N.º 5.015, DE 12 DE MARÇO DE 2004. AÇÃO PENAL. TRANCAMENTO. IMPOSSIBILIDADE. EXISTÊNCIA DE ELEMENTOS SUFICIENTES PARA A PERSECUÇÃO PENAL.
1. Hipótese em que a denúncia descreve a existência de organização criminosa que se valia da estrutura de entidade religiosa e empresas vinculadas, para arrecadar vultosos valores, ludibriando fiéis mediante variadas fraudes – mormente estelionatos –, desviando os numerários oferecidos para determinadas finalidades ligadas à Igreja em proveito próprio e de terceiros, além de pretensamente lucrar na condução das diversas empresas citadas, algumas por meio de “testas-de-ferro”, desvirtuando suas atividades eminentemente assistenciais, aplicando seguidos golpes.
2. Capitulação da conduta no inciso VII do art. 1.º da Lei n.º 9.613/98, que não requer nenhum crime antecedente específico para efeito da configuração do crime de lavagem de dinheiro, bastando que seja praticado por organização criminosa, sendo esta disciplinada no art. 1.º da Lei n.º 9.034/95, com a redação dada pela Lei n.º 10.217/2001, c.c. o Decreto Legislativo n.º 231, de 29 de maio de 2003, que ratificou a Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional, promulgada pelo Decreto n.º 5.015, de 12 de março de 2004. Precedente.
No entanto, o STF, no HC 96.007/SP, entendeu que a definição contida na Convenção de Palermo não obedecia as exigências constitucionais capazes de torná-la suficiente para configurar tipo penal. A excelsa Corte entendeu que o disposto no art. 2º, “a”, da Convenção de Palermo, apesar de internalizado pelo Direito Brasileiro, não constituía tipo penal e, portanto, não se prestaria a servir como crime antecedente para fins de lavagem de capitais. Com esse entendimento, firmou-se o stare decisis de que crime organizado não era tipificado pela ordem jurídica pátria e que a Convenção de Palermo, tout court, não supria a deficiência legislativa nesse sentido. Era fundamental, segundo esse entendimento, a edição de uma lei ordinária definindo e tipificando o crime organizado.
Com o objetivo de suprir esse vácuo legal, foi editada a Lei 12.694/2012, que definiu,porém não tipificou, organização criminosa, nos seguinte termos:
“a associação, de 3 (três) ou mais pessoas, estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de crimes cuja pena máxima seja igual ou superior a 4 (quatro) anos ou que sejam de caráter transnacional.
Ocorre que, à exemplo da Convenção de Palermo, a Lei 12.694/2012, apesar de conceituar crime organizado, não o tipificou. Igualmente, a Lei 12.694/2012 não teve o condão de regulamentar, com a precisão necessária, as Técnicas Especiais de Investigação instituídas pela Lei 9.034/95. Por outro lado, o conceito de organização criminosa alterou o contido na Convenção de Palermo, uma vez que não mais exigiu que a vantagem buscada pela organização seja de natureza EXCLUSIVAMENTE MATERIAL OU ECONÔMICA, embora imponha a prática de mais de um crime com pena igual ou superior a 4 anos ou, se não os sejam, que tenham caráter transnacional.
Já a Lei 12.850/2013 conceituou e tipificou crime organizado, ao mesmo tempo que regulamentou com maior detidão as Técnicas Especiais de Investigação. Nesse escrito, abordaremos exclusivamente a conceituação e tipificação do crime organizado, mas é importante ressaltar que a lei ora em comento traçou com melhor dedicação os métodos especiais de investigação, já criados pela revogada lei de crimes organizados, que será objeto de escrito complementar. Com melhor vagar, a Lei 12.850/2013 regulamentou a Colaboração Premiada, a Ação Controlada e a infiltração de agentes.
CONCEITUÇÃO E TIPIFICAÇÃO DO CRIME ORGANIZADO
A Lei 12.850/2013 inaugurou no sistema brasileiro a tipificação do crime organizado. Conforme ficou esclarecido nas linhas anteriores, a revogada lei 9.034/95 sequer definia o que seria crime organizado, apesar de ter sido editada especificamente com o fim de combatê-lo. Por sua vez, a Convenção de Palermo de 2000, a qual o Estado Brasileiro é signatário desde 2004, com status de lei ordinária, foi a primeira norma internalizada que definiu o Crime Organizado, apesar de não o ter tipificado. A Lei 12.684/2012, que criou o colegiado de primeiro grau estabelecido exclusivamente para exercer jurisdição sobre crimes organizados, igualmente, somente o conceituou sem, contudo, tipificá-lo como delito.
De fato, apesar da legislação brasileira ser repleta de normas que fazem referência ao crime organizado, ora definindo, ora estabelecendo métodos especiais de investigação, foi somente com a edição da Lei 12.850.2013 é que podemos entender que houve, de lege lata, a tipificação do crime organizado. Segundo o art. 1º, § 1º, da Lei 12.850/2013, considera-se:
“organização criminosa a associação de 4 (quatro) ou mais pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos, ou que sejam de caráter transnacional.
A redação normativa se diferencia da contida na Convenção de Palermo e da Lei 12.684/2012. Dessa feita, temos três conceitos diferentes de organização criminosa: a contida na Convenção de Palermo, a da Lei 12.684/2012 (que dispõe sobre a criação juízo colegiado de primeiro para julgar crimes organizados) e a da Lei 12.850/2013. A prevista na Convenção de Palermo exige que o grupo estruturado com o propósito da prática de crimes graves ou definidos na convenção seja formado pela participação de no mínimo três pessoas, há algum tempo, obtendo com isso vantagem de natureza econômica ou material. Na lei 12.684/2012, apesar de manter a exigência de no mínimo três integrantes, a finalidade delituosa pode ser outra que não a exclusivamente econômica ou material, como por exemplo, a destinada a exterminar um determinado grupo social. Por outro lado, referida lei identificou como crime grave aquele com pena máxima igual ou superior a 4 anos.
A lei mais recente, pois, se diferencia das demais definições porque: a) impõe que o grupo seja formado por ao menos quatro pessoas; b) que o grupo organizado tenha praticado infração penal, admitindo, inclusive a contravenção penal; b) que as infrações praticadas tenham pena máxima hipotética superior a quatro anos; c) e, nesse caso, se distinguindo especificamente da Convenção de Palermo, não exige que a vantagem perquirida pelo grupo seja exclusivamente econômica ou material.
Ao alterar o conceito de crime organizado contido na Convenção de Palermo, alguns poderiam articular que o Estado Brasileiro acabou por inadimplir parcialmente convenção internacional aderida, pois, de um lado, impôs exigência típica não prevista na avença, como a concorrência de no mínimo 4 agentes e, de outro, excluiu do desiderato organizacional a finalidade exclusivamente econômica ou material. Ao meu ver, no entanto, a mera alteração parcial do conceito de crime organizado seja no âmbito da Lei 12.694/2012, seja na lei 12.850/2013, não é suficiente para entender que o Estado Brasileiro inadimpliu a convenção de palermo. Trata-se de adaptação operacional inoculada para atender às exigências da realidade sistêmica brasileira. Na essência, o compromisso do estado brasileiro de combater o crime organizado não resta substancialmente comprometido com tais alterações de natureza eminentemente tópico-formais. Mais importante do que o embate exclusivamente formal é saber se o Estado brasileiro, na essência, com os meios legais existentes, enfrentou a organização criminosa de forma eficiente e ágil, respeitando sempre as garantias constitucionais estabelecidas.
Outra questão que surge é identificar se existe um único conceito válido de crime organizado ou se deveremos admitir a coexistência de definições diferentes a serem usadas a depender da situação fática identificada em cada norma de regência. Evidente que a Lei 12.694/2012 teve como finalidade permitir a criação de um colegiado de primeiro grau para processar e julgar organização criminosa, assim definida em seu art. 2º. Portanto, tal posição permitiria abrir ensanchas para concluir que a definição menos exigente de organização criminosa do art. 2º, da Lei 12.694/2012, deveria ser utilizada exclusivamente para os efeitos de julgamento pelo colegiado de primeiro grau, admitido em seu artigo 1.º. Para todos os demais fins de combate à organização criminosa, seria utilizado o conceito previsto na Lei 12.850/2013. Não é, no entanto, como entendemos.
Com efeito, para compreendermos como pleno e seguro um sistema jurídico, é essencial que excluamos do seu interior as antinomias nela estabelecidas, de modo que não possam coexistirem normas cuja contradição ou descompasso rompa a harmonia necessária à sua estabilidade operacional. Portanto, por exemplo, não é possível entendermos como igualmente válida uma norma que proíba um comportamento permitido por outra ou que estimule uma prática tipificada como crime por outra. Daí porque é necessário que em um sistema jurídico haja integridade de suas normas no sentido de proibir tratamento diferente ou contraditório, por ocasião de sua interpretação e aplicação. A técnica dialógica das fontes legais exige que toda hermenêutica jurídica pressuponha a analise integral e sistemática de todas as normas de regência, exatamente para permitir o expurgo de contradições ou desconformidades normativas.
Pressupor mais de um conceito válido de crime organizado vai, exatamente, de encontro à integridade harmônica do sistema penal brasileiro. Seria contraditório compreender como competente um colegiado de primeiro grau para processar e julgar um grupo criminoso estruturado por três pessoas, na medida em que outra norma somente considera criminoso esse grupo estruturado acaso formado por no mínimo quatro pessoas.
Dessa forma, para garantir a harmonia do sistema, entendo que a Lei 12.850/2013, posto que regulou por último e integralmente o assunto, revogou tanto o art. 2º, “a” da Convenção de Palermo, como o art. 2.º, da Lei 12.694/2012. Temos então que a definição de crime organizado contida no art. 1º, § 1º, da Lei 12.850/2013 não se presta somente para tipificar o delito de integração à organização criminosa, como também para efeito de justificar a atração da competência do colegiado do primeiro grau a que se refere o art. 1º, da Lei 12.694/2012. Portanto, para todos os efeitos jurídicos, sejam penais ou processuais, o conceito de crime organizado é aquele contido no art. 1º, § 1º, da Lei 12.850/2013.
Ao contrário do que o senso comum possa recomendar, a Lei 12.850/2013 tem como objetivo reprimir não só o crime organizado, mas além dele, mais dois de natureza internacional. Dessa feita, é equivocado supor que a lei em comento somente prevê medidas para prevenir, apurar e repreender organizações criminosas, uma vez que o seu art. 1º, § 2º, descreve que sua imposição também se aplica aos delitos transnacionais, também denominados de crimes à distancia, previstos em tratado ou convenção internacional e às organizações terroristas internacionais, ainda que tais delitos não se adequem ao conceito de crime organizado, previsto no § 1º, da Lei 12.850/2013.
Consoante ficou declinando anteriormente, a Lei 12.850/2013, além de definir e tipificar o crime organizado, estabeleceu com mais detalhes as técnicas especiais de investigação para melhor apurar os crimes a que faz referência. Com ser assim, todas a medidas especiais de investigação previstas na Lei 12.850/2013 são aplicadas a três tipos de crimes nela estabelecidos:
a) Crime organizado, assim definido no art. 1º, 1º § cumulado com o art. 2º ;
b) Infrações transnacionais considerados como tais aqueles previstas em tratado ou convenção internacional quando, iniciada a execução no País, o resultado tenha ou devesse ter ocorrido no estrangeiro, ou reciprocamente, de competência da Justiça Federal (art. 109, I, do CP;
c) Organizações terroristas internacionais, reconhecidas segundo as normas de direito internacional, cujos atos de suporte ao terrorismo, bem como os atos preparatórios ou de execução de atos terroristas, ocorram ou possam ocorrer em território nacional.
Nessas duas últimas situações, é possível a aplicação das Técnicas Especiais de Investigação, previstas na Lei 12.850/2013, ainda que as infrações penais apuradas não tenham sido praticadas no bojo de uma organização criminosa. Portanto, é possível autorizar agente infiltrado e referendar ação controlada nas infrações transnacionais ou organizações terroristas, a despeito dessas fatos sequer constituírem em tese organização criminosa.
Além de definir a organização criminosa, a lei 12.850/2013 tipificou o crime de promoção, constituição, financiamento ou integração em organização criminosa, nos termos do art. 2.º. O tipo fundamental é de ação múltipla ou plurinuclear, pois se conforma com o exercício de qualquer um dos verbos nucleares do tipo penal, seja promovendo o crime, fazendo parte de sua constituição, financiado ou, de alguma outra forma, integrando a empresa criminosa estabelecida nos moldes do art. 1º § 1º . O tipo penal é plurissubjetivo ou de concorrência necessária, pois sua configuração somente se dá com a participação de ao menos quatro pessoas no empreendimento criminoso. Por sua vez, o tipo penal exige que a sociedade criminosa, estruturalmente organizada, com divisão de tarefas, seja estabelecia mediante a prática de ao menos duas infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a quatro anos ou, não o sendo, tenham a nota da transnacionalidade. A exigência legal de uma organização estruturada, com divisão de tarefa, impõe que o tipo penal somente se considere consumado acaso haja estabilidade temporal e operacional do empreendimento delituoso, daí porque deve ser compreendido como crime permanente. Evidentemente que não é indispensável que haja um organograma formalizado com atividades preestabelecidas, uma vez que é intuitivo que como atividade criminosa, a clandestinidade e a informalidade de sua prática são fundamentais para sua manutenção. Ao revés, não pode ser considerado configurado o tipo se a associação de quatro pessoas houver sido entabulada de forma eventual ou desestruturada. A finalidade especial do empreendimento criminoso não necessita ser de obter vantagem econômica ou material, como exige a Convenção de Palermo, mas qualquer tipo de vantagem ainda que imaterial. Daí porque um grupo formado por ao menos quatros pessoas, com divisão estável de atividades, destinada a matar pessoas de uma determinada etnia, pode constituir uma organização criminosa, ainda que não vise qualquer vantagem econômica.
Diferenciando-se do crime de quadrilha, cuja consumação independe da efetiva prática sequer de qualquer delito, o crime organizado somente deve ser considerado caracterizado se o empreendimento criminoso já houver consumado ao menos duas infrações penais, cujas penas máximas superem quatro anos. Isso porque o tipo exige a prática de infrações graves, supondo ao menos a prática de duas. Como a norma não impõe que cada infração praticada tenha pena máxima superior a quatro anos, entendo que basta para a consumação da organização criminosa que a soma hipotética das penas das infrações praticadas em seu bojo resulte em um montante superior a quatro anos.
Entendo também, por conseguinte, que é possível configurar o tipo, acaso as infrações praticadas sejam contravencionais, desde que as penas hipotéticas somadas ultrapassem quatro anos. Isso porque a norma usa o termo “infrações” que representa gênero do qual são espécies a contravenção penal e o crime. A gravidade dessas infrações praticadas não integra juízo de valor do intérprete, posto que a norma definiu objetivamente essa gravidade com base na pena máxima da infração. Portanto, ao meu ver, é possível entender constituir crime organizado de contravenções penais, desde que as penas máximas somadas das infrações praticadas ultrapassem quatro anos.
Ainda que a norma exija que o crime somente se estabeleça acaso já tenha resultado na prática de ao menos duas infrações graves, o tipo contido no art. 2º não impõe que o agente que constitua, integre, financie ou promova a organização criminosa tenha praticado esses delitos. De fato, para sua configuração o agente pode ter integrado ao empreendimento criminoso depois que as infrações graves já tenham sido praticados, ou sequer tenham entrado na zona de seu conhecimento, devendo ser autônoma a imputação da participação do crime organizado com os crimes praticados pelo empreendimento, segundo a culpabilidade de cada um. O fato do tipo exigir que o empreendimento criminoso se consume somente com a prática de infrações de natureza grave, não impõe que todos os seus integrantes devam se responsabilizar necessariamente por todos os delitos praticados em seu bojo. A necessária ciência de que a organização criminosa foi edificada para prática de delitos de natureza grave não impõe que todos os integrantes respondam por todos os crimes nela praticados, sob pena de regressar à responsabilidade objetiva.
Cumpre, outrossim, alertar que o tipo penal também pode se consumar ainda que as infrações praticadas na organização criminosa não tenham pena máxima hipotética superior a quatro ano, desde que, e somente que, sejam de natureza transnacional.
O § 1º, do art. 2º equipara às condutas descritas no caput o agente que embora não integre, constitua, promova ou financie o crime organizado, impeça ou embarace as investigação das infrações penais relacionadas à organização criminosa. De fato, a preocupação da nova lei com a eficiência da investigação ficou evidente, não só porque detalhou métodos especiais de apuração, como também aumentou a pena do falso testemunho e criou quatros tipos penais, previstos nos artigos 18 a 21, que têm como finalidade precípua proteger a eficiência e confiabilidade da investigação criminal.
O tipo penal derivado também criou algumas causas de aumento de pena, dentre as quais o emprego de arma de fogo pela organização criminosa. Configura também causa de aumento de pena de 1/6 até 2/3 se: a) houver participação de criança ou adolescente; b) houver concurso de funcionário público, valendo-se a organização criminosa dessa condição para a prática de infração penal; c) o produto ou proveito da infração penal destinar-se, no todo ou em parte, ao exterior; d) a organização criminosa mantém conexão com outras organizações criminosas independentes; e) circunstâncias do fato evidenciarem a transnacionalidade da organização.
Por fim, de forma inovadora, o art. 2º, § 6º, da Lei 12.850/2013, a par de reconhecer como efeito da condenação para o funcionário público a perda do cargo, emprego, função e mandato eletivo, acrescentou a interdição por oito anos, a contar do cumprimento da pena, do exercício de qualquer cargo ou função pública. Para tanto, seja para a decretar a perda do cargo, seja para interdição do exercício de função ou cargo público, não é exigível que o crime tenha sido praticado no exercício da função pública ou que haja a imposição de uma pena mínima de quatro anos, diferente do que exige o art. 92, I do CP. Para sua incidência, basta que o funcionário público integre organização criminosa, e, por isso, seja condenado a qualquer pena por este crime, com trânsito em julgado.
[1] Com a edição da Lei 12.683/2013, toda infração penal, seja crime ou contravenção penal, passou a ser passível de ser crime antecedente para integrar tipo de lavagem de dinheiro.
Dr. Fernando Rocha de Andrade
Procurador da República.
Procurador da República.
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