sexta-feira, 20 de abril de 2012

Justiça Federal não julga contravenções mesmo se conexas com crimes federais

Contravenções penais, mesmo quando conexas com crime de jurisdição federal, devem ser julgadas pela Justiça estadual. Esse foi o entendimento da Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ). No caso analisado, a infração havia sido cometida em detrimento de bens, serviços ou interesses da União. A contravenção também ocorreu em conexão com crime de desacato sujeito à Justiça Federal.

        O réu teria desacatado policiais federais e se recusado a apresentar identificação, quando solicitado – o que constitui contravenção penal. Os agentes investigavam a ocorrência de aterramento de margem de lagoa, área de preservação permanente. A ação configura crime ambiental.

        Ao ser abordado, o acusado teria admitido ser dono do caminhão e da escavadeira que estavam no local. Um policial federal teria solicitado por três vezes que o homem se identificasse. O acusado teria se recusado a prestar as informações, mesmo depois de alertado sobre as implicações da desobediência.

        Após a chegada da Polícia Militar, o homem se recusou novamente a se identificar, quando recebeu voz de prisão. O acusado, então, entrou em sua casa, de onde teria dito que não sairia, e desacatou os policiais.

        O juiz estadual suscitou o conflito de competência, após receber o processo da Justiça Federal para julgar a contravenção. No processo por desacato havia sido oferecida transação penal. A ministra Laurita Vaz determinou, monocraticamente, que o processo ficasse na Justiça estadual. Mas o Ministério Público Federal (MPF) insistiu em levar a contravenção para julgamento na Justiça Federal.

        O órgão alegava que a conexão com o crime de desacato admitiria o julgamento dos dois casos pela Justiça Federal. O MPF também chamou atenção para a gravidade do tema ao argumentar que a competência não deveria ser dissociada.

        Constituição

        A ministra Laurita Vaz reconheceu a conexão dos casos em seu voto. Ela ponderou então que, se fossem consideradas apenas regras processuais infraconstitucionais, o caso seria de competência da Justiça Federal. Porém, a relatora esclareceu que a Constituição Federal atribui o julgamento de contravenções penais exclusivamente à Justiça estadual.

        O entendimento é expresso na Súmula 38 do STJ, editada em 1992: “Compete à Justiça estadual comum, na vigência da Constituição de 1988, o processo por contravenção penal, ainda que praticada em detrimento de bens, serviços ou interesse da União ou de suas entidades.”
        
        ÍNTEGRA DA DECISÃO

AgRg no CONFLITO DE COMPETÊNCIA Nº 118.914 - SC (2011⁄0217217-7)
 
RELATORA     :     MINISTRA LAURITA VAZ
AGRAVANTE     :     MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
SUSCITANTE     :     JUÍZO DE DIREITO DO JUIZADO ESPECIAL CÍVEL DE SANTA CATARINA - SC
SUSCITADO     :     JUÍZO FEDERAL DA 1A VARA CRIMINAL DA SEÇÃO JUDICIÁRIA DO ESTADO DE SANTA CATARINA
INTERES.     :     JUSTIÇA PÚBLICA
INTERES.     :     WILMAR JOSÉ BORBA
EMENTA
 
AGRAVO REGIMENTAL NO CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. CONTRAVENÇÕES PENAIS. ILÍCITOS QUE DEVEM SER PROCESSADOS E JULGADOS PERANTE O JUÍZO COMUM ESTADUAL, AINDA QUE OCORRIDOS EM FACE DE BENS, SERVIÇOS OU INTERESSE DA UNIÃO OU DE SUAS ENTIDADES. SÚMULA N.º 38 DESTA CORTE. CONFIGURAÇÃO DE CONEXÃO PROBATÓRIA ENTRE CONTRAVENÇÃO E CRIME, ESTE DE COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA COMUM FEDERAL. IMPOSSIBILIDADE, ATÉ NESSE CASO, DE ATRAÇÃO DA JURISDIÇÃO FEDERAL. REGRAS PROCESSUAIS INFRACONSTITUCIONAIS QUE NÃO SE SOBREPÕEM AO DISPOSITIVO DE EXTRAÇÃO CONSTITUCIONAL QUE VEDA O JULGAMENTO DE CONTRAVENÇÕES PELA JUSTIÇA FEDERAL (ART. 109, INCISO IV, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA). DECLARAÇÃO DA COMPETÊNCIA DO JUÍZO DE DIREITO DO JUIZADO ESPECIAL CÍVEL DA COMARCA DE FLORIANÓPOLIS⁄SC PARA O JULGAMENTO DA CONTRAVENÇÃO PENAL PREVISTA NO  ART. 68, DO DECRETO-LEI N.º 3.688, DE 3 DE OUTUBRO DE 1941. AGRAVO DESPROVIDO.
1. É entendimento pacificado por esta Corte o de que as contravenções penais são julgadas pela Justiça Comum Estadual, mesmo se cometidas em detrimento de bens, serviços ou interesses da União ou de suas entidades. Súmula n.º 38 desta Corte.
2. Até mesmo no caso de conexão probatória entre contravenção penal e crime de competência da Justiça Comum Federal, aquela deverá ser julgada na Justiça Comum Estadual. Nessa hipótese, não incide o entendimento de que que compete à Justiça Federal processar e julgar, unificadamente, os crimes conexos de competência federal e estadual (súmula n.º 122 desta Corte), pois tal determinação, de índole legal, não pode se sobrepor ao dispositivo de extração constitucional que veda o julgamento de contravenções por Juiz Federal (art. 109, inciso IV, da Constituição da República). Precedentes.
3. Agravo regimental desprovido. Mantida a decisão em que declarada a competência do Juízo de Direito do Juizado Especial Cível da Comarca de Florianópolis⁄SC para o julgamento da contravenção penal prevista no art. 68, do Decreto-Lei n.º 3.688, de 3 de outubro de 1941.
 
ACÓRDÃO
 
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da TERCEIRA SEÇÃO do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, negar provimento ao agravo regimental, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora. Os Srs. Ministros Jorge Mussi, Og Fernandes, Sebastião Reis Júnior, Marco Aurélio Bellizze, Vasco Della Giustina (Desembargador convocado do TJ⁄RS) e Adilson Vieira Macabu (Desembargador convocado do TJ⁄RJ) votaram com a Sra. Ministra Relatora.
Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Gilson Dipp.
Presidiu o julgamento a Sra. Ministra Maria Thereza de Assis Moura.
Brasília (DF), 29 de fevereiro de 2012 (Data do Julgamento)
 
 
MINISTRA LAURITA VAZ 
Relatora
 
 
AgRg no CONFLITO DE COMPETÊNCIA Nº 118.914 - SC (2011⁄0217217-7)
 
AGRAVANTE     :     MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
SUSCITANTE     :     JUÍZO DE DIREITO DO JUIZADO ESPECIAL CÍVEL DE SANTA CATARINA - SC
SUSCITADO     :     JUÍZO FEDERAL DA 1A VARA CRIMINAL DA SEÇÃO JUDICIÁRIA DO ESTADO DE SANTA CATARINA
INTERES.     :     JUSTIÇA PÚBLICA
INTERES.     :     WILMAR JOSÉ BORBA
 
RELATÓRIO
 
A EXMA. SRA. MINISTRA LAURITA VAZ:
Trata-se de agravo regimental, interposto pelo Ministério Público Federal, contra decisão por intermédio da qual declarei a competência do Juízo de Direito do Juizado Especial Cível da Comarca de Florianópolis⁄SC para o julgamento da contravenção penal prevista no art. 68, do Decreto-Lei n.º 3.688, de 3 de outubro de 1941.
Na controvérsia processual que ensejou o presente negativo de competência consta como Suscitante o Juízo de Direito do Juizado Especial Cível da Comarca de Florianópolis⁄SC, e como Suscitado o Juízo da 1.ª Vara Criminal Federal da Subseção de Florianópolis⁄SC.
Segundo os autos, no dia 29 de outubro de 2009, foi  instaurado, pela Polícia Federal, termo circunstanciado para apuração do cometimento, por WILMAR JOSÉ BORBA, dos delitos previstos nos art. 329, 330 e 331, todos do Código Penal. Após o trâmite do procedimento, o Ministério Público Federal concluiu que o Interessado teria incorrido somente em dois ilícitos, um previsto no art. 331, do Código Penal (desacato), e o outro no art. 68, da Lei de Contravenções Penais, cujo tipo é assim descrito: "[r]ecusar à autoridade, quando por esta, justificadamente solicitados ou exigidos, dados ou indicações concernentes à própria identidade, estado, profissão, domicílio e residência".
Após, na audiência em que proposta transação penal perante o Juízo Federal, frisou-se que aquele ato processual referia-se somente ao crime de desacato. Quanto à contravenção penal, determinou-se o encaminhamento dos autos à Justiça Estadual.
O Juiz estadual, porém, sob o fundamento de que a contravenção penal e o crime de desacato seriam conexos, suscitou o conflito de competência, porque o instituto da conexão faria prorrogar, no caso, a competência do Juízo Comum Federal.
Encaminhados os autos a esta Corte, ofereceu o Ministério Público Federal parecer, às fls. 82⁄83, pela competência da Justiça Federal.
A decisão ora impugnada encontra-se às fls. 85⁄91.
Nas razões do presente agravo regimental (fls. 98⁄108), aduz o Parquet, em síntese, "que a dissociação de competência, na espécie, deve ser vista com reservas, tendo em vista a gravidade do tema a que se refere os autos" (fl. 108), razão pela qual requer o provimento do recurso, para que seja determinado o julgamento conjunto dos ilícitos penais, pelo Justiça Comum Federal.
É o relatório.
 
 
AgRg no CONFLITO DE COMPETÊNCIA Nº 118.914 - SC (2011⁄0217217-7)
 
EMENTA
 
AGRAVO REGIMENTAL NO CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. CONTRAVENÇÕES PENAIS. ILÍCITOS QUE DEVEM SER PROCESSADOS E JULGADOS PERANTE O JUÍZO COMUM ESTADUAL, AINDA QUE OCORRIDOS EM FACE DE BENS, SERVIÇOS OU INTERESSE DA UNIÃO OU DE SUAS ENTIDADES. SÚMULA N.º 38 DESTA CORTE. CONFIGURAÇÃO DE CONEXÃO PROBATÓRIA ENTRE CONTRAVENÇÃO E CRIME, ESTE DE COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA COMUM FEDERAL. IMPOSSIBILIDADE, ATÉ NESSE CASO, DE ATRAÇÃO DA JURISDIÇÃO FEDERAL. REGRAS PROCESSUAIS INFRACONSTITUCIONAIS QUE NÃO SE SOBREPÕEM AO DISPOSITIVO DE EXTRAÇÃO CONSTITUCIONAL QUE VEDA O JULGAMENTO DE CONTRAVENÇÕES PELA JUSTIÇA FEDERAL (ART. 109, INCISO IV, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA). DECLARAÇÃO DA COMPETÊNCIA DO JUÍZO DE DIREITO DO JUIZADO ESPECIAL CÍVEL DA COMARCA DE FLORIANÓPOLIS⁄SC PARA O JULGAMENTO DA CONTRAVENÇÃO PENAL PREVISTA NO  ART. 68, DO DECRETO-LEI N.º 3.688, DE 3 DE OUTUBRO DE 1941. AGRAVO DESPROVIDO.
1. É entendimento pacificado por esta Corte o de que as contravenções penais são julgadas pela Justiça Comum Estadual, mesmo se cometidas em detrimento de bens, serviços ou interesses da União ou de suas entidades. Súmula n.º 38 desta Corte.
2. Até mesmo no caso de conexão probatória entre contravenção penal e crime de competência da Justiça Comum Federal, aquela deverá ser julgada na Justiça Comum Estadual. Nessa hipótese, não incide o entendimento de que que compete à Justiça Federal processar e julgar, unificadamente, os crimes conexos de competência federal e estadual (súmula n.º 122 desta Corte), pois tal determinação, de índole legal, não pode se sobrepor ao dispositivo de extração constitucional que veda o julgamento de contravenções por Juiz Federal (art. 109, inciso IV, da Constituição da República). Precedentes.
3. Agravo regimental desprovido. Mantida a decisão em que declarada a competência do Juízo de Direito do Juizado Especial Cível da Comarca de Florianópolis⁄SC para o julgamento da contravenção penal prevista no art. 68, do Decreto-Lei n.º 3.688, de 3 de outubro de 1941.
 
  VOTO
 
A EXMA. SRA. MINISTRA LAURITA VAZ (RELATORA):
A pretensão recursal do Ministério Público Federal não pode prosperar, conforme se vê da fundamentação a seguir.
Esta Corte tem entendimento sumulado no sentido de que não compete à Justiça Comum Federal o julgamento de contravenções penais, nos seguintes termos:
"Compete à Justiça Estadual comum, na vigência da constituição de 1988, o processo por contravenção penal, ainda que praticada em detrimento de bens, serviços ou interesse da União ou de suas entidades". (Súmula 38, 3.ª Seção, DJ de 27⁄03⁄1992, Rep. DJ de 30⁄03⁄1992)
 
A controvérsia processual em discussão, entretanto, não se explica tão-somente com base em tal inteligência.
A denúncia pelo cometimento da contravenção prevista no art. 68, do Decreto-Lei n.º 3.688, de 3 de outubro de 1941, deu-se em razão do seguinte (fls. 07⁄08):
"No dia 29 de novembro de de 2009 [...] policiais federais realizavam diligências a fim de averiguar a ocorrência de crime ambiental, consistente no aterramento de APP, do qual figurava como suposto autos o denunciado Wilmar José Borba.
Na ocasião, o denunciado se apresentou como proprietário das máquinas que lá estavam, momento em que foi solicitada a sua identificação, para que fosse concretizada a intimação do mesmo. Porém, o denunciado, sem qualquer razão plausível, recusou-se a fornecer aos policiais federais a sua identidade, impossibilitando assim a sua identificação civil, isto apesar da insistência e da advertência de que poderia ser responsabilizado criminalmente por essa conduta."
 
Acrescente-se que o trecho acima reproduzido já era fundamento da denúncia  oferecida pelo Ministério Público Estadual, após o desmembramento determinado pelo Juízo Federal.
Por sua vez, na proposta de transação penal formulada pelo Ministério Público Federal, consta a descrição dos seguintes fatos (fls. 29⁄30):
"No dia 29 de outubro de 2009, [agentes da Polícia Federal, em cumprimento de diligência para verificação da responsabilidade pelo aterramento de margem de lagoa, encontraram o ora Interessado, que se disse proprietário do caminhão e da escavadeira que estavam no local]. [...] o APF Carlos solicitou que o autor do fato se identificasse, o que ele se recusou a fazer. Renovada a ordem de identificação, e advertido das consequências da desobediência, o autor do fato anotou o número da matrícula e identidade funcional do policial federal e mais uma vez recusou-se a identificar-se. Incorreu, assim, em contravenção penal (face ao princípio da especialidade que afasta a desobediência do art. 330 do CP) do art. 68, caput, da Lei de Contravenções Penais, consistente em "recusar à autoridade, quando por esta, justificadamente solicitados ou exigidos, dados ou indicações concernentes à própria identidade, estado, profissão, domicílio e residência".
Foi solicitado apoio operacional à Polícia Militar, e quando chegaram os policiais militares, o condutor renovou a solicitação de apresentação de identificação pessoal do autor do fato, que mais uma vez se recusou a identificar-se, razão por que lhe foi dada voz de prisão. Ao ouvir a voz de prisão o autor do fato recolheu-se para dentro de sua residência, e passou a ofender a equipe policial, dizendo que "só saio daqui com ordem judicial, seu bunda mole", e ainda chamou os policiais de "policiais de merda".
Assim agindo, incorreu o autor do fato nas sanções do art. 331, do Código Penal [...]."
 
Com efeito, não há duvidas de que a contravenção recusar à autoridade, quando por esta, justificadamente solicitados ou exigidos, dados ou indicações concernentes à própria identidade, estado, profissão, domicílio e residência guarda relação de conexão com o delito de desacato, no caso.
Ocorre a conexão quando duas ou mais infrações tiverem o mesmo nexo fático, o que justifica o julgamento dos fatos no mesmo juízo. O instituto visa a conferir ao Magistrado a ideal visão da conjuntura fático-probatória, para que seja proferida a correta prestação jurisdicional.
Por isso a regra prevista no art. 76, inciso III, do Código Penal, in verbis:
Art. 76. A competência será determinada pela conexão:
I - se, ocorrendo duas ou mais infrações, houverem sido praticadas, ao mesmo tempo, por várias pessoas reunidas, ou por várias pessoas em concurso, embora diverso o tempo e o lugar, ou por várias pessoas, umas contra as outras;
II - se, no mesmo caso, houverem sido umas praticadas para facilitar ou ocultar as outras, ou para conseguir impunidade ou vantagem em relação a qualquer delas;
III - quando a prova de uma infração ou de qualquer de suas circunstâncias elementares influir na prova de outra infração.
Ora, não há maiores dificuldades em se verificar, portanto, que ambos os ilícitos têm relação de conexão, com base no inciso III, do artigo 76, do Código de Processo Penal, pois é evidente que a prova das condutas ora descritas influem uma nas outras.
A recusa do Interessado em identificar-se relaciona-se diretamente com o desacato aos Policiais. Inclusive foi em razão da segunda solicitação para que o autor dos fatos se identificasse que lhe foi dada "voz de prisão". Daí, então, este entrou em sua residência e passou a proferir ofensas aos policiais.
Por tal razão, entenderam tanto o Juízo Suscitado, quanto o próprio Ministério Público, no parecer oferecido no presente conflito, que era de se impor, na hipótese, em verdade, o entendimento sedimentado na súmula n.º 122, desta corte, ad litteram:
"Compete à Justiça Federal o processo e julgamento unificado dos crimes conexos de competência federal e estadual, não se aplicando a regra do art. 78, II, "a", do Código de Processo Penal." (3.ª Seção, DJ de 07⁄12⁄1994.)
 
Invocou o Juízo Suscitante, inclusive, o seguinte precedente:
"CONFLITO DE COMPETÊNCIA. CONTRAVENÇÃO PENAL. CONEXÃO COM CRIME FEDERAL. SÚMULA 122⁄STJ.
1 - Compete à Justiça Federal o processo e julgamento unificado dos crimes conexos de competência federal e estadual, não se aplicando a regra do artigo 78, II, "a", do CPP.
2 - Conflito de competência conhecido para declarar a competência do Juízo Federal da Vara de Imperatriz - SJ⁄MA, o suscitante." (STJ, CC 24.215⁄MA, 3.ª Seção, Rel. Min. FERNANDO GONÇALVES, DJ de 27⁄09⁄1999 – sem grifos no original.)
 
Observo até mais: segundo regra prevista no Código de Processo Penal, as infrações conexas só não serão julgadas conjuntamente nas seguinte hipóteses – que não se configuram no caso –, a saber:
"Art. 79. A conexão e a continência importarão unidade de processo e julgamento, salvo:
I - no concurso entre a jurisdição comum e a militar;
II - no concurso entre a jurisdição comum e a do juízo de menores.
§ 1o Cessará, em qualquer caso, a unidade do processo, se, em relação a algum co-réu, sobrevier o caso previsto no art. 152.
§ 2o A unidade do processo não importará a do julgamento, se houver co-réu foragido que não possa ser julgado à revelia, ou ocorrer a hipótese do art. 461."
Portanto, considerando-se apenas regras processuais infraconstitucionais, seria de se considerar que a competência para julgamento de ambos os ilícitos é da Justiça Comum Federal.
Entretanto, essa solução não pode ser dada ao caso.
Em razão de determinação de extração constitucional, não há jurisdição federal sobre contravenções penais. É o que prevê o art. 109, inciso IV, da Constituição, que ora reproduzo:
"Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar:
I – [...].
IV– os crimes políticos e as infrações penais praticadas em detrimento de bens, serviços ou interesse da União ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas, excluídas as contravenções e ressalvada a competência da Justiça Militar e da Justiça Eleitoral."
A interpretação que se dá a tal dispositivo é a de que qualquer regra infraconstitucional sobre processo não pode sobrepor-se à determinação da Carta Magna. Ou seja: após a edição da Constituição de 1988 excluiu-se, da competência da Justiça Federal, o julgamento de contravenções.
É o que se verifica, inclusive, da inteligência do seguinte julgado do Supremo Tribunal Federal:
"HABEAS CORPUS - CRIME DE USO DE DOCUMENTO FALSO EM AÇÃO CAUTELAR PROMOVIDA PERANTE A JUSTIÇA FEDERAL COMUM - SERVIÇO DE ADMINISTRAÇÃO DA JUSTIÇA MANTIDO PELA UNIÃO - OFENSA POTENCIAL - HIPÓTESE EM QUE SE CONFIGURA A COMPETÊNCIA PENAL DA JUSTIÇA FEDERAL COMUM (CF, ART. 109, IV) - RECURSO IMPROVIDO.
- A competência penal da Justiça Federal comum - que possui extração constitucional - reveste-se de caráter absoluto, está sujeita a regime de direito estrito e apenas deixa de incidir naquelas hipóteses taxativamente indicadas no texto da própria Carta Política: (a) nos crimes eleitorais, (b) nos crimes militares e (c) nas contravenções penais em geral.
- Compete à Justiça Federal comum processar e julgar, dentre outros ilícitos penais, os crimes praticados contra os serviços organizados e mantidos pela União (CF, art. 109, IV), nestes incluídos os serviços judiciários federais.
- O comportamento delituoso de quem usa documento falso, em qualquer processo judiciário federal, faz instaurar situação de potencialidade danosa, apta a comprometer a integridade, a segurança, a confiabilidade, a regularidade e a legitimidade de um dos serviços essenciais mais importantes prestados pela União Federal: o serviço de administração da Justiça.
- A locução constitucional "serviços (...) da União" abrange, para efeito de definição da competência penal da Justiça Federal comum, as atividades desenvolvidas pela magistratura da União nas causas submetidas à sua apreciação. Nesse contexto, o bem jurídico penalmente tutelado - cuja ofensa legitima o reconhecimento da competência da Justiça Federal - é o próprio serviço judiciário mantido pela União." (RHC 79.331⁄RJ, 2.ª Turma, Rel. Min. CELSO DE MELLO, DJ de 29⁄10⁄1999 – sem grifos no original.)
 
Por tal razão, diversos outros precedentes foram proferidos por esta Corte, excluindo-se a competência da Justiça Comum Federal para o julgamento de contravenções, mesmo que na hipótese de conexão de crime cometido em face da União. Exemplificativamente:
"CONFLITO DE COMPETÊNCIA. CRIME DE CONTRABANDO. CONTRAVENÇÃO PENAL. CONEXÃO. NÃO CABIMENTO. AÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO. BINGO. SÚMULA N.º 38⁄STJ. INCIDÊNCIA. CONFLITO NÃO CONHECIDO.
I. A competência para o processo e julgamento de contravenções penais é sempre da Justiça Estadual, a teor da Súmula 38⁄STJ.
II.  Deve ser mantida perante o Juízo estadual a ação de busca e apreensão tendente à apuração de suposta contravenção penal e, perante o Juízo Federal, a medida relativa à investigação de eventual crime de contrabando.
III. Conflito não conhecido." (CC 40.646⁄MT, 3.ª Seção, Rel. Min. GILSON DIPP, DJ de 28⁄06⁄2004.)
 
"PROCESSUAL PENAL. CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. CRIME E CONTRAVENÇÃO. DESMEMBRAMENTO. CONEXÃO.
I - As contravenções, mesmo que praticadas em detrimento de interesse da União, são apreciadas na Justiça Estadual (Súmula nº 38-STJ).
II - Na hipótese de conexão ou continência, prevalece a regra constitucional (art. 109, inciso IV), indicando a necessidade do desmembramento.
Conflito julgado procedente." (CC 20.454⁄RO, 3.ª seção, Rel. Min. FELIX FISCHER, DJ de 14⁄02⁄2000.)
 
Nesse sentido, ainda, as seguintes decisões monocráticas: CC 116.860⁄RJ, Rel. Min. OG FERNANDES, DJE de 01⁄06⁄2011; CC 96.899⁄RS, Rel. Min. JORGE MUSSI, DJE de 21⁄10⁄2010; CC 32.043⁄MG, Rel. Min. ARNALDO ESTEVES LIMA, DJ de 03⁄02⁄2005, v. g..
Ante o exposto, NEGO PROVIMENTO ao agravo regimental interposto pelo Ministério Público Federal, mantendo, com fundamento no art. 120, parágrafo único, do Código de Processo Civil, c.c o art. 3º do Código de Processo Penal, a decisão em que declarei a competência do Juízo de Direito do Juizado Especial Cível da Comarca de Florianópolis⁄SC para o julgamento da contravenção penal prevista no art. 68, do Decreto-Lei n.º 3.688, de 3 de outubro de 1941.
É como voto.
 
 
 
CERTIDÃO DE JULGAMENTO
TERCEIRA SEÇÃO
AgRg   no
Número Registro: 2011⁄0217217-7     
PROCESSO ELETRÔNICO     CC     118.914 ⁄ SC
 
Números Origem:  200972000130586  23100221281
 
MATÉRIA CRIMINAL
EM MESA     JULGADO: 29⁄02⁄2012
       
Relatora
Exma. Sra. Ministra  LAURITA VAZ
 
Presidente da Sessão
Exma. Sra. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA
 
Subprocuradora-Geral da República
Exma. Sra. Dra. JULIETA E. FAJARDO C. DE ALBUQUERQUE
 
Secretária
Bela. VANILDE S. M. TRIGO DE LOUREIRO
 
AUTUAÇÃO
 
SUSCITANTE     :     JUÍZO DE DIREITO DO JUIZADO ESPECIAL CÍVEL DE SANTA CATARINA - SC
SUSCITADO     :     JUÍZO FEDERAL DA 1A VARA CRIMINAL DA SEÇÃO JUDICIÁRIA DO ESTADO DE SANTA CATARINA
INTERES.     :     JUSTIÇA PÚBLICA
INTERES.     :     WILMAR JOSÉ BORBA
 
ASSUNTO: DIREITO PENAL
 
AGRAVO REGIMENTAL
 
AGRAVANTE     :     MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
SUSCITANTE     :     JUÍZO DE DIREITO DO JUIZADO ESPECIAL CÍVEL DE SANTA CATARINA - SC
SUSCITADO     :     JUÍZO FEDERAL DA 1A VARA CRIMINAL DA SEÇÃO JUDICIÁRIA DO ESTADO DE SANTA CATARINA
INTERES.     :     JUSTIÇA PÚBLICA
INTERES.     :     WILMAR JOSÉ BORBA
 
CERTIDÃO
 
Certifico que a egrégia TERCEIRA SEÇÃO, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
 
A Seção, por unanimidade, negou provimento ao agravo regimental, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora.
Os Srs. Ministros Jorge Mussi, Og Fernandes, Sebastião Reis Júnior, Marco Aurélio Bellizze, Vasco Della Giustina (Desembargador convocado do TJ⁄RS) e Adilson Vieira Macabu (Desembargador convocado do TJ⁄RJ) votaram com a Sra. Ministra Relatora.
Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Gilson Dipp.
Presidiu o julgamento a Sra. Ministra Maria Thereza de Assis Moura.


Fonte:Bonijuris

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