Casos como o da 'Gangues das Loiras' ainda chamam atenção. Mas não são fenômenos isolados. O total de mulheres condenadas pelos chamados 'crimes contra o patrimônio' aumentou 402% entre 2005 e 2011
As vovós punguistas em ação numa padaria de São Paulo (Reprodução)
"Sempre teve mulher fazendo coisa errada. O que muda é que, antes, elas ingressavam no crime porque eram namoradas ou casadas com bandidos. Agora, não. São chefes de quadrilha e agem por conta própria"
Paul Henry Bozon Verduraz, delegado da Polícia Civil
Nas últimas semanas, o noticiário foi pródigo em histórias de mulheres criminosas. Da "gangue das loiras" à "gangue das vovós", foram casos de roubo, furto, extorsão e estelionato. Dados do Ministério da Justiça mostram que o fenômeno não é pontual. Esses crimes refletem uma tendência. Entre 2005 e 2011, o total de mulheres condenadas por envolvimento com os chamados "crimes contra o patrimônio" registrou um salto de 402%.
Os números mostram dois momentos distintos do sistema penitenciário nacional: dezembro de 2005 e junho de 2011. Enquanto há sete anos existiam 2.006 mulheres encarceradas por infrações que vão de furto e roubo simples até extorsão mediante sequestro, no ano passado 6.072 mulheres foram condenadas pelos mesmos motivos. No mesmo período, houve aumento de 97% nas condenações de homens em casos similares.
Para especialistas, isso não surpreende. "Sempre teve mulher fazendo coisa errada", afirma o delegado Paul Henry Bozon Verduraz, titular de uma delegacia no bairro do Itaim Bibi, região nobre de São Paulo. "O que muda é que, antes, elas ingressavam no crime porque eram namoradas ou casadas com bandidos. Agora, não. São chefes de quadrilha e agem por conta própria".
Verduraz, que antes de ser policial foi diretor de uma cadeia feminina, entre 2000 e 2001, afirma: "Nós temos nesta região cem bancos e é grande o número de mulheres envolvidas com golpes e casos de estelionato".
Amor bandido - A percepção do delegado encontra fundamento nos levantamentos da pesquisadora Patrícia Constantino, que atua no Centro Latino-americano de Estudos de Violência e Saúde da Fundação Osvaldo Cruz, no Rio de Janeiro. Segundo ela, o que ocorre no mundo do crime é uma espécie de reflexo distorcido do processo de emancipação socioeconômica experimentado pelas mulheres nas últimas décadas.
Patrícia lançou um livro sobre o tema, no qual analisa sobretudo envolvimento de mulheres com o tráfico no Rio de Janeiro. "Há mulheres ocupando cargos de chefia dentro dos morros, coisa que não se via no passado", diz a pesquisadora. “O amor bandido ainda é um fato. Mas também é verdade que agora elas se movem com maior independência e desenvoltura nesse universo."
Christiane Nicolau, especialista em estudo da criminalidade e segurança pública pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), tem a mesma opinião. Sua tese acadêmica, voltada às jovens infratoras, concluiu que as mulheres que ingressam no crime o fazem por escolha própria. "As mulheres que entrevistei afirmaram ter entrado no crime por opção, por entenderem que é rentável e até divertido", afirma.
O ex-comandante da Policia Militar de São Paulo e ex-secretário nacional de segurança José Vicente da Silva concorda que o potencial criminal feminino tende a crescer na proporção em que a mulher amplia sua participação social. “Elas estão mais expostas e mais suscetíveis à bandidagem hoje do que duas décadas atrás”, observa. “Não é uma regra, mas grande parte das mulheres criminosas são jovens e solteiras. Quando casam e têm filhos, elas passam a assumir um papel mais conservador e buscam evitar atitudes que impactem na segurança do lar”.
Mundo - As gangues de mulheres assaltantes ou dedicadas a golpes e furtos não são um fenômeno exclusivamente nacional. Num de seus trabalhos acadêmicos, Patrícia Constantino analisou a propensão feminina para o delito em países estrangeiros e concluiu que a disseminação de quadrilhas formadas por mulheres aumentou na América Latina, mas também em países ricos do hemisfério norte. “Nos Estados Unidos, existem diversas gangues compostas exclusivamente por meninas adolescentes”, diz. Embora a quantidade de mulheres criminosas na Inglaterra ainda seja pequena, ela cresce com mais velocidade que a de homens. Normalmente, elas são jovens, sem antecedentes criminais e foram presas por roubo em lojas.
Segundo levantamento da pesquisadora Simone Brandão Souza, mestre em estudos populacionais e pesquisas sociais, o Brasil ocupa uma posição intermediário quanto à proporção de mulheres encarceradas. Enquanto na Irlanda do Norte elas representavam 1,9% dos presos em junho de 2011 – pouco mais de 464.000 detentas (o menor índice entre os países estudados), na China, que tem a maior proporção, elas são 21,9%. Por aqui, 6,35% da população carcerária é formada por mulheres.
Sedução – Para a polícia, o fator surpresa contribuiu para o sucesso feminino nesse tipo de empreitada. “Elas parecem menos ameaçadoras, despertam maior confiança. Quem suspeita de uma mulher?”, indaga o delegado Paul Verduraz.
Joaquim Dias Alves, delegado do Departamento de Homicídios e de Proteção à Pessoa (DHPP) acrescenta outro ingrediente que ajuda a entender o modus operandi das mulheres que decidem entrar para o crime. “O homem demora a perceber que está sendo alvo de um golpe ou mesmo de roubo quando ele é praticado por uma mulher”, afirmou na semana em que anunciou a prisão de Carina Geremias Vendramini, de 25 anos, a primeira integrante da “Gangue das Loiras” a ser localizada.
Gangue das loiras
Loiras, bonitas, bem vestidas e, sobretudo, sedutoras. A “Gangue das Loiras” atuou livremente – e por anos –, até ser desmascarada em março pela polícia depois da prisão de Carina Geremias Vendramini, de 25 anos. Casada, mãe e com emprego fixo, Carina vivia uma vida dupla até ser localizada pela polícia em Curitiba, onde morava. Presa pelos policiais da delegacia anti-sequestro do Departamento Estadual de Homicídios e Proteção a Pessoa (DHPP), de São Paulo.
O alvo do grupo eram mulheres, também loiras, de preferência parecidas com as assaltantes. As vítimas eram abordadas dentro de estacionamentos, principalmente de shoppings, e sequestradas. Nesse momento, uma segunda loira entrava em cena para fazer compras com os cartões roubados. No interior das lojas, esbanjava charme e simpatia, procurando atendentes do sexo masculino como estratégia. “Os homens ficavam babando", conta o delegado Joaquim Dias Alves. "Dessa forma o bando realizou cerca de 50 crimes apenas em São Paulo. Parece filme de Hollywood”.
Outros três membros da quadrilha foram localizados e também estão presos: Vanessa, irmã de Carina, e o casal apontado como chefe da organização, Wagner de Oliveira Gonçalves e sua mulher, Monique Awoki Scasiota, a única morena do grupo.
Vovós punguistas
Quem suspeitaria de três senhoras aparentando 60 anos e vestidas com distinção, usando saias compridas e jaquetas sociais? Assim eram as integrantes dessa quadrilha. As punguistas foram flagradas por câmeras de segurança de uma padaria na Zona Sul de São Paulo. Nas imagens, divulgadas em março, elas aparecem roubando o cartão de crédito de dentro da bolsa de uma cliente e levando produtos expostos nas prateleiras do estabelecimento, antes de sair tranquilamente. Mais tarde, compraram 900 reais em roupas com o cartão furtado.
O delegado Eduardo de Camargo Lima investiga se as mulheres foram presas por crimes semelhantes no passado. Pelo menos duas delas, diz o policial, são parecidas com criminosas acusadas de cometer furtos em 2010 e 2011.
A ladra do supermercado
Em fevereiro, os seguranças de um empório de luxo na capital paulista filmaram a ação da empregada doméstica Jacira Aparecida Pereira, que tentava esconder na bolsa peças de picanha, bacalhau enlatado e garrafas de bebidas alcoólicas. Ao notar que havia sido desmascarada, ela devolveu os alimentos à prateleira instantes antes de ser abordada pelos seguranças e encaminhada para revista. Como não foi flagrada portando os produtos, Jacira foi levada para a delegacia, prestou depoimento e acabou liberada.
O delegado responsável pelo caso disse que essa não foi a primeira vez que esteve com a ladra. “Ela é uma professora do crime”, afirma Oswaldo Nico Gonçalves, titular da Delegacia Especializada de Atendimento ao Turista (Deatur). Jacira, diz o policial, lidera uma quadrilha especializada em ações dentro de supermercados, bares, restaurantes e grandes eventos. “Ela sabe como se beneficiar da lei", diz Gonçalves. "Como o que pratica, em geral, são furtos simples, a Justiça é obrigada a imputar fiança. Ela é tão cara de pau que a gente mostra o vídeo do furto e ela diz que não é ela, que é uma pessoa parecida”.
Golpistas do caixa eletrônico
Bianca Silva de Jesus, Elaine Lima de Sousa e Alcione Neres do Prado foram presas em flagrante aplicando golpes em usuários de caixas eletrônicos de São Paulo. Elas instalavam dispositivos que prendiam os cartões magnéticos dos clientes dentro das máquinas de autoatendimento e, depois, ofereciam ajuda dizendo que já haviam passado pelo mesmo problema.
O trio entregava um panfleto igual ao do banco, com um número de telefone falso. Quando os clientes telefonavam, do outro lado da linha estava uma integrante da quadrilha. Ela pedia a senha e dizia que o cartão estava cancelado. No fim, as criminosas ficavam com o cartão e com a senha do cliente. Num único fim de semana, as golpistas chegaram a desviar 22 mil reais das contas das vítimas.
Fonte:Veja
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