Rogério Montai de Lima
Magistrado
e Professor
Doutorando
em Direito Público pela UNESA/RJ
Diz o artigo 5º, XII, da
Carta Maior que é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações
telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso,
por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de
investigação criminal ou instrução processual penal.
Assim, o texto constitucional faz menção a 4 sigilos:
-
da Correspondência
-
das comunicações
telegráficas,
-
de dados e
-
das comunicações
telefônicas.
Portanto, a Constituição Federal permite violação das comunicações telefônicas mediante ordem judicial, conforme a lei, e para investigação criminal ou instrução processual penal.
Fazendo leitura do inciso XII do Art.5 da CF/88, dá a impressão que só as telefônicas poderiam ser violadas. Todavia no HC70814, o STF permitiu a violação de carta de presos.
Então, o art. 5, XII da CF permite que as comunicações telefônicas sejam interceptadas e usadas como provas. São necessários 3 requisitos:
- que a intercepção se dê nas hipóteses e na forma da lei;
-
para fins de investigação criminal ou instrução processual penal;
-
mediante ordem judicial.
A Constituição Federal é de 1988 e a lei regulamentadora do art. 5, XII da CF, nasceu 8 anos depois, 9.296/96. Antes, interceptações eram autorizadas com base no art. 57, II, "e" da Lei 4117/62-Código Brasileiro de Telecomunicações. No entanto, o STF e o STJ consideraram provas ilícitas todas as interceptações telefônicas realizadas anteriores à lei 9296/96.
Assim, STF e STJ entenderam que o art. 57, II, "e" da Lei 4117/62-CBT não foi recepcionado pela CF/88 por não descrever a forma e as hipóteses das interceptações. Nessa linha, o art. 5, XII da CF foi considerado norma não auto-aplicável. Nesse sentido, Resp 225450/RJ - dependia assim da Lei 9.296/96.
Nesse sentido ainda:
QUADRILHA – Condenação fundamentada em prova obtida por meio ilícito. Nulidade.
Interceptação telefônica. Prova ilícita. Autorização judicial deferida
anteriormente à L. 9.296/96, que regulamentou o inciso XII do art. 5º da CF.
Nulidade da ação penal, por fundar-se exclusivamente em conversas obtidas
mediante quebra dos sigilos telefônicos dos pacientes. Ordem deferida. (STF –
HC 81154 – SP – 2ª T. – Rel. Min. Maurício Corrêa – DJU
19.12.2001)RDP+24+2004+FEV–MAR+96v89
Diz a lei 9296/96 que a interceptação telefônica, DE QUALQUER NATUREZA, dependerá de ordem do juiz competente, sob segredo de justiça. (art. 1).
Assim, quais seria as formas existentes a serem consideradas? São elas:
a) Interceptação telefônica: é a captação da conversa telefônica feita por um terceiro sem conhecimento dos interlocutores.
b) Escuta telefônica: captação da conversa telefônica feita por um terceiro com o conhecimento de um dos interlocutores.
c) Gravação telefônica ou clandestina: captação da conversa telefônica feita por um dos próprios interlocutores da conversa (não existe a figura do terceiro).
d) Interceptação ambiental: captação da conversa ambiente feita por um terceiro sem o conhecimento dos interlocutores.
e) Escuta ambiental: captação da conversa ambiente feita por um terceiro com o conhecimento de um dos interlocutores.
f) Gravação ambiental ou clandestina: captação da conversa ambiente feita por um dos próprios interlocutores da conversa.
Resumindo, são 6 as formas: Interceptação telefônica, Escuta telefônica; Gravação telefônica; Interceptação Ambiental; Escuta Ambiental e Gravação Ambiental.
Em regra, só a Interceptação Telefônica e a Escuta telefônica entram no regime da lei 9296/96, porque só nelas há comunicação telefônica e figura de um terceiro.
Na ação penal 447, o pleno do STF, 18/2/09 decidiu que a gravação telefônica, embora clandestina, é prova lícita e não depende de ordem judicial.
Logo, nas últimas 4 hipóteses não há necessidade de ordem judicial para que sejam realizadas e são lícitas, salvo tratando-se de conversa íntima. No RMS 5352 o STJ, entendeu que conversa íntima é prova ilícita, por violar intimidade, direito fundamental.
Importante dizer que a Polícia pode realizar gravação ambiental em um caso: em crime organizado e com autorização judicial - art. 2, IV da Lei 9034/95.
O policial infiltrado é chamado de "Testemunha da Coroa" ou “Testemunha do Estado”.
Outro ponto que merece destaque é que Quebra de Sigilo Telefônico é diferente da Interceptação telefônica. Na quebra há somente o acesso a relação de ligações efetuadas e recebidas. Na quebra de sigilo não há acesso ao conteúdo das conversas. É uma conta detalhada.
O STJ também entendeu que a polícia pode utilizar da relação das ligações do celular apreendido na operação, mesmo sem autorização do juiz. Ver HC 66368-PA- STJ.
Interceptações das conversas de advogados x cliente investigado ou acusado jamais podem ser usadas como prova. Porém, interceptações de advogado quando este é próprio investigado ou acusado é possível.
Em regra, somente em investigação criminal ou instrução processual penal é que a interceptação telefônica pode ser autorizada, que excluiria o processo civil, tributário, administrativo, trabalhista. Assim, não existe interceptação telefônica em ação civil pública, de improbidade, de divórcio. Todavia, em casos excepcionais, há possibilidade de quebra de sigilo telefônico em processos cíveis. Este entendimento foi aplicado pela 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça ao rejeitar Habeas Corpus 203.405 contra decisão da 4ª Vara de Família da Comarca de Campo Grande, que decretou a quebra do sigilo telefônico de um pai que se recusa a entregar o filho para a mãe.
Ainda, se admite a interceptação telefônica mesmo antes do inquérito instaurado, porque se cunhou a expressão "investigação", como uma das hipóteses permissivas.
Não será admitida a interceptação de comunicações telefônicas quando ocorrer qualquer das seguintes hipóteses:
I - não houver indícios razoáveis da autoria ou participação em infração penal;
II - a prova puder ser feita por outros meios disponíveis;
III - o fato investigado constituir infração penal punida, no máximo, com pena de detenção.
Em qualquer hipótese deve ser descrita com clareza a situação objeto da investigação, inclusive com a indicação e qualificação dos investigados, salvo impossibilidade manifesta, devidamente justificada.
Sobre o processamento, a interceptação das comunicações telefônicas poderá ser determinada pelo juiz, de ofício ou a requerimento- da autoridade policial, na investigação criminal; do representante do Ministério Público, na investigação criminal e na instrução processual penal.
O pedido de interceptação de comunicação telefônica conterá a demonstração de que a sua realização é necessária à apuração de infração penal, com indicação dos meios a serem empregados. Excepcionalmente, o juiz poderá admitir que o pedido seja formulado verbalmente, desde que estejam presentes os pressupostos que autorizem a interceptação, caso em que a concessão será condicionada à sua redução a t
ermo. Sobre a questão, importante julgado do STF:
INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA – AUTO CIRCUNSTANCIADO – NATUREZA DO ELEMENTO – O auto circunstanciado previsto no § 2º do artigo 6º da Lei nº 9.296/96 é formalidade essencial à valia da prova resultante de degravações de áudio e interceptação telefônica. INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA – DEFEITO DO AUTO CIRCUNSTANCIADO – NATUREZA DA NULIDADE. A nulidade surge relativa, devendo ser articulada no prazo do artigo 500 do Código de Processo Penal – inteligência dos artigos 571, inciso II, e 572 do mesmo Diploma. (STF – HC 87859 – DF – 1ª T. – Rel. Min. Marco Aurélio – DJU 14.09.2007 – p. 00044)
O juiz, no prazo máximo de vinte e quatro horas, decidirá sobre o pedido.
A decisão será fundamentada, sob pena de nulidade, indicando também a forma de execução da diligência, que não poderá exceder o prazo de quinze dias, renovável por igual tempo uma vez comprovada a indispensabilidade do meio de prova. Deferido o pedido, a autoridade policial conduzirá os procedimentos de interceptação, dando ciência ao Ministério Público, que poderá acompanhar a sua realização.
No STF – RHC 85575 – SP – 2ª T. – Rel. Min. Joaquim Barbosa – DJU 16.03.2007 – p. 43, entendeu que persistindo os pressupostos que conduziram à decretação da interceptação telefônica, não há obstáculos para sucessivas prorrogações, desde que devidamente fundamentadas, nem ficam maculadas como ilícitas as provas derivadas da interceptação. Precedente. Recurso a que se nega provimento.
Ainda, o prazo de 15 (quinze) dias estabelecido pelo art. 5º da Lei nº 9.296/96 é relativo, podendo a interceptação telefônica ser prorrogada tantas vezes quantas forem necessárias, mediante decisão devidamente fundamentada que demonstre a inequívoca indispensabilidade da prova. (STJ – HC 200501938530 – (50193) – ES – 6ª T. – Rel. Min. Nilson Naves – DJU 21.08.2006 – p. 279)
No caso de a diligência possibilitar a gravação da comunicação interceptada, será determinada a sua transcrição. Cumprida a diligência, a autoridade policial encaminhará o resultado da interceptação ao juiz, acompanhado de auto circunstanciado, que deverá conter o resumo das operações realizadas. Recebidos esses elementos, o juiz determinará a providência do artigo 8º, ciente o Ministério Público.
Para os procedimentos de interceptação de que trata a Lei, a autoridade policial poderá requisitar serviços e técnicos especializados às concessionárias de serviço público. A interceptação de comunicação telefônica, de qualquer natureza, ocorrerá em autos apartados, apensados aos autos do inquérito policial ou do processo criminal, preservando-se o sigilo das diligências, gravações e transcrições respectivas.
A apensação somente poderá ser realizada imediatamente antes do relatório da autoridade, quando se tratar de inquérito policial (Código de Processo Penal, artigo 10, § 1º) ou na conclusão do processo ao juiz para o despacho decorrente do disposto nos artigos 407, 502 ou 538 do Código de Processo Penal.
A gravação que não interessar à prova será inutilizada por decisão judicial, durante o inquérito, a instrução processual ou após esta, em virtude de requerimento do Ministério Público ou da parte interessada.O incidente de inutilização será assistido pelo Ministério Público, sendo facultada a presença do acusado ou de seu representante legal.
Importante é que constitui crime realizar interceptação de comunicações telefônicas, de informática ou telemática, ou quebrar segredo da Justiça, sem autorização judicial ou com objetivos não autorizados em lei.
Pena: reclusão, de dois a quatro anos, e multa.
Por fim, vale a informação de que a interceptação não pode ser autorizada e realizada no Processo Administrativo Disciplinar, mas pode ser transportada ao PAD como prova emprestada. Nesse sentido:
SERVIDOR PÚBLICO – DEMISSÃO – DELEGAÇÃO – MINISTRO DE ESTADO – POSSIBILIDADE – "Mandado de segurança. Policiais rodoviários federais. Demissão de servidor federal por Ministro de Estado. Possibilidade de delegação pelo Presidente da República do ato de demissão a Ministro de Estado diante do teor do art. 84, inciso XXV, da Constituição da República. Jurisprudência pacífica do STF. Prova licitamente obtida por meio de interceptação telefônica realizada com autorização judicial para instruir investigação criminal pode ser utilizada em processo administrativo disciplinar. Inexistência de comprovação de cerceamento de defesa em razão do indeferimento de produção de provas avaliadas como prescindíveis pela administração pública em decisão devidamente fundamentada. Punição no âmbito administrativo com fundamento na prática de improbidade administrativa independe de provimento judicial que reconheça a conduta de improbidade administrativa. Independência entre as instâncias da improbidade administrativa e administrativa. Nego provimento ao recurso ordinário." (STF – RO-MS 24.194 – Rel. Min. Luiz Fux – DJe 07.10.2011)
Outro ponto de destaque é
que a interceptação telefônica abrange a participação de quaisquer dos
interlocutores.
“HABEAS CORPUS – PROCESSUAL PENAL – OPERAÇÃO
DA POLÍCIA FEDERAL DESTINADA A AVERIGUAR SUPOSTAS ATIVIDADES ILEGAIS NO ESTADO
DO RIO DE JANEIRO – BINGOS E MÁQUINAS CAÇA-NÍQUEIS – PRISÃO PREVENTIVA – PEDIDO
DE SOLTURA – AUSÊNCIA SUPERVENIENTE DE INTERESSE PROCESSUAL – LITISPENDÊNCIA –
NÃO CONFIGURAÇÃO – INTERCEPTAÇÕES TELEFÔNICAS – AUSÊNCIA DE ILEGALIDADE –
IMPETRAÇÃO PARCIALMENTE PREJUDICADA E, NA PARTE CONHECIDA, DENEGADA – 1. A
concessão definitiva da ordem em habeas corpus impetrado originariamente
perante o Supremo Tribunal Federal, em que se questiona a validade da mesma
segregação cautelar impugnada perante esta Corte, enseja o reconhecimento da
ausência superveniente de interesse processual com relação ao pedido de
soltura. 2. É manifestamente improcedente a tese de litispendência, pois na
Ação Penal nº 2007.51.01.802985-5 o ora paciente é acusado por supostamente
participar de esquema de corrompimento de Magistrados e servidores públicos, e
na Ação Penal nº 2007.51.01.804865-5 por novos e posteriores pagamentos de
propinas a mais de vinte policiais. Portanto, os fatos que ensejaram posterior
deflagração de nova ação penal não são comuns - muito embora praticados pelo
mesmo paciente e revelados no âmbito da mesma investigação - pois não há
identidade na causa de pedir e de pedidos. 3. A interceptação telefônica, por
óbvio, abrange a participação de quaisquer dos interlocutores. Ilógico e
irracional seria admitir que a prova colhida contra o interlocutor que recebeu
ou originou chamadas para a linha legalmente interceptada é inválida. 4. Ordem
parcialmente conhecida e, nessa extensão, denegada.” (STJ – HC 91.464 – 5ª T. – Rel. Min. Laurita Vaz –
DJe 23.08.2010)
Entendeu a relatora que
seria ilógico e irracional admitir que a prova colhida contra o interlocutor
que recebeu ou originou chamadas para a linha legalmente interceptada é
inválida.
Fonte: Extraida do twitter do autor.
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