segunda-feira, 11 de junho de 2012

ARTIGO: O Direito de Ação Processual Penal - Conforme os Ditames do Sistema Acusatório - I


Thiago M. Minagé
Advogado Criminalista. Mestre em Direito. Professor de Processo Penal da Graduação (UniMSB). Professor de Processo Penal da Pós Graduação (UNESA e UCAM).



1)    INTRODUÇÃO

Toda vez que ocorre um desvio punível[1], ou seja, um indivíduo pratica uma infração penal, nasce para o Estado um direito/dever subjetivo de punir[2], ocorre que mesmo na doutrina não se tem clara a definição de direito subjetivo, sendo certo que, nos estreitos limites deste trabalho adotar-se-á o posicionamento adotado por CHIOVENDA[3] que analisa o direito Subjetivo como preexistente ao processo, mas que será declarado no processo, através da adoção ou rejeição da demanda.
A punição do transgressor de uma norma começou como direito do ofendido, vítima, em impor uma pena. Posteriormente um primeiro passo foi tomado para publicização do processo penal, quando, passa a não pertencer apenas a vitima e ao seu grupo[4] de vivência, o direito de punir transferindo totalmente para o Estado o monopólio da justiça criminal, sem margens para atuação privada, eliminando assim definitivamente a denominada “vingança privada[5]”.
Com a devida abolição do direito de atuação privada, de impor sanções aos transgressores das normas criou-se regras procedimentais, prazos a serem seguidos para o exercício do direito, surgindo assim um dos mais importantes princípios processuais, definido por FERRAJOLI[6] como axioma nulla poena sine judicio. Assim começa-se a organizar a persecução e ação penal conforme regras públicas, afastando-se por definitivo qualquer forma de imposição de pena privada ou qualquer tipo de sanção penal sem o devido processo legal, pois assim dizia ORBANEJA[7] citando Binding.

“hoy rige ideroglabemente el principio de que ningún derecho de penar puede ser realizado antes de que sea declarado, tanto em su existencia como em su contenido, mediante sentencia, y de que La imposición de la pena no puede ser sino La ejecución legalmente regulada de uma sentencia” (BINDING o.c. pg192)  .

Seguindo a ordem desse raciocínio, fica clara a inviabilidade total de qualquer sanção penal, por mais branda que seja, advenha da esfera privada.
O denominado ius persequendi[8], ou seja, buscar a autoria do desvio punível, fica a cargo de órgão públicos, legalmente criados para tal finalidade como por exemplo a Policia Judiciária e o Ministério Público - via reconstrução do (s) fato (s) passado (s).

2)      DO DIREITO DE AÇÃO

Por muito tempo o direito processual foi considerado como um “adjetivo” frente ao direito material, sendo certo que, conforme afirma Orbaneja[9] citando Binding afirma que a conquista de seu status de abstração e autonomia, surgiu de forma irrefutável. Fundamentos indiscutíveis de toda a sistemática jurídica, o “Principio da legalidade” na esfera penal, e o da “estrita submissão à jurisdição” em âmbito processual adéqua-se perfeitamente aos ditames de um verdadeiro Estado Democrático de Direito, ou seja, significa dizer que “o estado ao mesmo tempo que cria regras para gerir a sociedade, se submete a elas como forma de respeito e prestigio de sua importância”, conferindo a devida importância à regra que afirma, “não existir crime sem previa cominação legal”.
Todo processo possui suas “garantias procedimentais” que servem para dar legitimidade e validade aos atos ali praticados, e com isso, afasta-se toda e qualquer possibilidade de afronta aos preceitos Constitucionais.

2.1) Principio da Legalidade e Principio da Estrita Submissão a Jurisdição.

            Base indiscutível de todo a sistemática criminal (penal e processual) o Principio da Legalidade recebe a importância devida a exigir que uma lei previamente legítima, defina o que será considerado como Infração Penal, e sua respectiva conseqüência ao ser violada.
No entanto esta regra está imposta e consolidada no direito Material, sendo certo que, pautado nos ensinamentos de Ferrajoli é regra a denominada “Submissão a jurisdição em sentido estrito – “nullum iudicium sine accusationi, sine probatione, sine defensione” – somente aplicado no sistema acusatório, ainda que nela não esteja expressa” - ou seja, a jurisdicionalização de todo o processo (aqui englobado desde a fase pré processual) que busca primeiro esclarecer e depois processar e julgar o suposto autor de um desvio punível.
Tal entendimento é corolário do Sistema Acusatório, possuindo como principal característica o “Cognitivismo processual” que significa afirmar a total impossibilidade de ocorrer “juízo de valor” (estigmatização ou mesmo condenação prévia) sem que a acusação se sujeite à prova e a defesa tenha possibilidade à devida refutação desta mesma prova, ou seja, toda e qualquer acusação obrigatoriamente deverá ser comprovada, sendo certo ainda que todo o mecanismo probatório utilizado e suas conseqüências ou demonstrações deverão ser “refutadas” pela defesa, prestigiando assim o contraditório processual.
           
3)      CONSIDERAÇÕES FINAIS PARCIAIS.

Não se pode mais admitir toda e qualquer acusação privada, o Estado tomou em suas atribuições/competências o monopólio do exercício do direito de ação penal (devidamente ressalvado os casos de ação penal de iniciativa privada). Logo, descabido juízos de valor prévios ao processo, ou mesmo, declarações públicas de agentes públicos, fundadas em esclarecimentos parciais de procedimentos administrativos (principalmente Inquérito Policial) sem o respeito ao devido processo legal; A autonomia do Processo Penal nos leva afirmar que – em âmbito de direito material (Direito Penal) pode ocorrer a certeza da ocorrência de um fato típico, entretanto, em âmbito processual (Processo Penal), existe verdadeira incerteza, eis que, toda e qualquer afirmação apenas possui caráter de “certeza” com o transito em julgado da sentença penal.
           




BIBLIOGRAFIA

Livros:

BADARÓ. Gustavo Henrique. Correlação Entre Acusação e Sentença. RT. São Paulo, 2009.
CARVALHO. Luis Gustavo Grandinetti Castanho de. Processo Penal e Cnstituição. Lumen Juris. Rio de Janeiro, 2009
CHIOVENDA. Giuseppe. Instituições de Direito Processual Civil. Vol. I. 1949. Saraiva. São Paulo, 1942.
FERRAJOLI. Luigi. Direito e Razão. Tradução de Ana Paula Zomer, Fauzi Hassan Choukr, Juarez Tavares e Luis Flavio Gomes. RT. São Paulo, 2002.
GRINOVER. Ada Pelegrine. As Condições da Ação Penal. Ed. JB. São Paulo.
JARDIM. Afranio Silva. Ação Penal – Principio da Obrigatoriedade. Ed. Forense. Rio de Janeiro, 1994.
OLIVEIRA. Eugenio Pacelli. Curso de Processo Penal. Lumen Juris. Rio de Janeiro, 2008.


[1] FERRAJOLI. pag 522.
[2] ORBANEJA, Del delito nace um derecho subjetivo de penar: El ius puniendi – (sobre direito de punir). JELLINEK. Titular de esse derecho publico de infligir La pena, derecho que es al mismo tiempo um deber – sobre dever de punir. Pág. 161.
[3] CHIOVENDA, Se alguém pretende um bem da vida aduzindo com fundamento uma vontade concreta da lei, que em realidade, não subsiste, forma-se, então, uma vontade concreta da lei em virtude da qual essa pretensão deve receber-se, declarar-se e tratar-se como destituída de fundamento, o que equivale a dizer que se forma uma vontade concreta negativa da lei.(pag.05)
[4] ORBANEJA. El castigo Del culpable comenzó siendo um derecho del ofendido o de su grupo... pag 162
[5] ORBANEJA. pag 162.
[6] FERRAJOLI. pag 525.
[7] ORBANEJA. Pag 164
[8] ORBANEJA Pag 165
[9] ORBANEJA pag 167

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