Entrevista do ministro Joaquim Barbosa ao jornal Le Monde
Juiz do Supremo Tribunal Federal desde 2003, Joaquim Barbosa foi designado em agosto de 2005 como o relator do processo do caso do “mensalão”. Reconhecido por sua independência, esse especialista em direito público, titular de um doutorado na Universidade de Assas em Paris, também é o primeiro negro a atuar na instituição. Aos 58 anos de idade, ele se tornará em novembro o presidente dessa que é a mais alta jurisdição do país.
Le Monde: Em quê esse julgamento é “histórico”?
Joaquim Barbosa: As acusações dizem respeito ao maior escândalo de corrupção e de desvio de verbas públicas jamais revelado no Brasil. É a primeira vez que tantas personalidades tão poderosas são chamadas para depor. Imagine: há ex-líderes políticos, empresários, até o ex-presidente de um banco. No Brasil, existe essa tradição arraigada de longa data segundo a qual um rico não comparece perante um juiz. Nesse sentido, esse processo provocará uma conscientização. Ele marcará a ruptura de um modelo de corrupção neste país. É por isso que precisamos ter o julgamento mais claro e mais justo possível. Acrescento que o Supremo Tribunal não tem o hábito de fazer esse tipo de julgamento. É só o terceiro em toda sua história. Ademais, os meios políticos pensavam que o dossiê ia morrer de velhice na gaveta de um juiz…
Le Monde: Na condição de juiz relator desde o início do caso em 2005, quais dificuldades o senhor teve para montar o dossiê de acusação?
Barbosa: Isso não foi tão difícil de um ponto de vista jurídico. Até essa data, os políticos estavam totalmente convencidos de sua impunidade. Nenhum caso dava em nada. Usei a quebra do sigilo bancário efetuada pela comissão parlamentar de inquérito (CPI) da época e pelo ex-presidente do Tribunal, Nelson Jobim.
Le Monde: Por que levou todo esse tempo?
Barbosa: A Justiça no Brasil é lenta. Após a ata de acusação ser entregue em abril de 2006, o procedimento manda que o caso seja reexaminado integralmente a fim de evitar as possíveis falhas antes de ser aceito pelo Supremo Tribunal. Cabe ao juiz relator obter depois o parecer de todas as testemunhas e acusados. Só que, nesse caso, a defesa apresentou 660 testemunhas! Então organizei e preparei um cronograma preciso das audiências que enviei aos juízes federais de 22 Estados, dando-lhes dois meses para ouvir em média trinta testemunhas. Assim, precisei de um ano e oito meses para constituir o dossiê. Disponibilizei tudo online, de maneira protegida, para que todos os participantes pudessem ter acesso aos dados em tempo real. Após um ano de conversas com a defesa, tomei a decisão de anunciar o fim da instrução em junho de 2011.
Le Monde: A sombra do ex-presidente Lula paira sobre o processo. Por que ele não foi chamado para depor, ainda que como simples testemunha?
Barbosa: Porque não há nada contra ele, seu dossiê está vazio. Além disso, não cabe a nós dizer quem a promotoria deve colocar na lista de réus. Em direito penal no Brasil, a responsabilidade é pessoal, não política. E não somos um tribunal político. Por três vezes, o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB, centro) manifestou sua vontade de chamá-lo a depor. Votamos contra todas as vezes.
Le Monde: Em caso de condenação por lavagem de dinheiro ou corrupção, as penas podem chegar até dez ou doze anos de prisão. Veremos os culpados atrás das grades?
Barbosa: No Brasil, mesmo com uma condenação a três ou quatro anos de prisão, um acusado cumpre uma pena alternativa, como a de serviços comunitários. A lei foi feita assim. O impacto desse caso vem do próprio fato de que um julgamento possa acontecer.
Le Monde: Por que, para combater a corrupção, nenhum grande partido propõe uma reforma eleitoral ou uma modificação das regras de financiamento dos partidos reforçando a supervisão das doações das empresas?
Barbosa: É um dos pontos sobre os quais espero poder conversar com a presidente Dilma Rousseff, quando for presidente do Supremo Tribunal. Ela precisa de ajuda para assumir uma grande liderança a fim de operar uma mudança verdadeira.
Fonte: Le Monde
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