Os ministros do STF passaram semanas em junho para decidir o cronograma do julgamento do mensalão.
Mas foi só começar a exposição dos votos, para que a incerteza tenha tomado conta do plenário. Ninguém sabe exatamente o que acontece a partir de hoje.
Segundo a agenda inicial, o relator Joaquim Barbosa iria usar três ou quatro sessões para dar o seu voto, com cerca de mil páginas.
Mas, mal começou a proferir as condenações, avisou que iria fatiá-lo em partes, para que todos os ministros pudessem discorrer sobre cada um dos pontos.
A mudança parece ter sido aventada para que Cezar Peluso, à beira da aposentadoria, tenha tempo de ler o seu voto.
Mas o tiro pode sair pela culatra. O fatiar dos votos, ao que se indica, vai trazer mais problemas do que soluções ao processo –inclusive para a participação do próprio Peluso.
Afinal, com cerca de cinco sessões pela frente antes da compulsória, o ministro talvez conseguisse votar apenas em relação a alguns réus. Isso porque, se o relator e revisor não terminam os votos, ele perde a oportunidade prevista no regimento de pedir para antecipar inteiramente o seu.
O modelo proposto pelo relator deve levantar outras questões, como uma eventual decisão pela condenação dissociada da aplicação das penas. Como os ministros podem rever os votos até o final do julgamento, não se pode afastar a possibilidade de quem tenha votado pela absolvição, também participar da composição das penas.
Há quem atribua a polêmica à ansiedade do relator; outros, à recalcitrância do revisor. Ou ao inusitado quociente de pressão dos órgãos de imprensa.
Independente do caso, é preciso considerar: o Supremo Tribunal Federal não está e nunca esteve preparado para ser uma vara criminal.
O absurdo da situação reside no foro privilegiado, essa aberração que impõe julgamento originário a quem é “autoridade”.
Diante da prática de um crime, por que motivo “autoridades” devem ter um julgamento diferente de todos os demais? Será que a ideia de igualdade se perverteu tanto assim?
É bom lembrar que o STF não julga a ação penal 470 porque a acusação teria envolvido homens do governo. Nem porque este seria, no linguajar oportunista da mídia, o “maior processo da história”.
Julga o processo, porque entre seus quarenta réus, há três –sim apenas três- que se reelegeram como deputados federais. São eles que definem a competência da Suprema Corte. Isso faz algum sentido?
O decano do tribunal, ministro Celso de Mello, já se manifestou em diversas oportunidades sobre o equívoco do foro privilegiado. O relator Joaquim Barbosa chegou a qualificá-lo de excrescência. Poucos o defendem tão fortemente quanto Gilmar Mendes, que tem votado, inclusive, para ampliá-lo às ações de improbidade.
Difícil crer que a sociedade concorde com esse monstrengo, mas não se encontram parlamentares dispostos a reduzir privilégios de autoridades.
Não é de hoje que discussões processuais sobre o foro privilegiado causam conflitos na jurisprudência.
O próprio STF oscilou em relação à competência para julgar quem já não é mais autoridade. Como vimos mais recentemente, ainda hesita quando a questão envolve o desmembramento em relação aos “réus normais” –aceitou a uns e negou a outros.
Já tivemos caso de quem renunciou a cargo público, justamente para evitar o julgamento que se aproximava. E aqueles que se candidataram depois da instauração do processo com a clara intenção de mudar o juiz de seu caso.
Por que devíamos continuar convivendo com tais casuísmos?
O julgamento de hoje pode até atrair expectadores à TV Justiça e popularizar debates sobre temas que nem os mais renomados processualistas se entendem.
Mas paralisa o STF por mais de mês, em um atraso sobre questões que envolvem milhares de outros processos (como ações diretas ou de repercussão geral) que dificilmente será recuperado.
Tudo isso sem contar com o cipoal de armadilhas que um julgamento originário, feito por onze juízes ao mesmo tempo, pode provocar –desde este embate da leitura dos votos à uma delicada análise combinatória das penas em caso de condenação.
Se algo parece mesmo fora do normal, não é à toa.
O foro privilegiado é uma anormalidade e o melhor que este julgamento pode fazer, é permitir que a sociedade se convença a extingui-lo.
Fonte: Terra
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