sábado, 25 de agosto de 2012

Série "Delegacia de mulheres" volta ao ar no Canal Viva


Criado por Maria Carmem Barbosa, seriado exibido em 1990 abordava a rotina de uma delegacia de atendimento à mulher. Isso bem antes de leis que assegurassem o direito feminino, como a Maria da Penha



“Você não vai ter sossego na vida, seu moço/ Se me der um tapa/ Da dona "Maria da Penha/ Você não escapa", diz o samba gravado por Alcione em 2007. A música fala da Lei Maria da Penha, criada há seis anos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher.
A mesma Alcione cantou, em 1990, o tema de abertura do seriado Delegacia de mulheres, exibido pela TV Globo semanalmente com duração de 18 episódios. Naquela época, a música era “Velha cicatriz”, que falava da vontade da ‘massa’ ser feliz. Violência, agressões, humilhações, sonhos, amores. Tudo isso passou na série que mostrava o cotidiano de uma delegacia especializada nos direitos da mulher, em uma época em que leis e atendimentos de violência contra o sexo feminino ainda engatinhavam.
Criado pela autora Maria Carmem Barbosa, o seriado volta ao ar a partir deste domingo (26), às 11 da noite, no Canal Viva. No elenco, nomes como Eloísa Mafalda (delegada Celeste), Lúcia Veríssimo (Marineide, uma policial linha dura), Zilda Cardoso (escrivã Adelaide), Susana Vieira (a detetive Rute Baiana), além de Cininha de Paula, Mayara Magri, Cissa Guimarães, Stella Miranda e Marcos Paulo.
Para retratar o cotidiano de uma delegacia que atendia ocorrências envolvendo mulheres, Maria Carmem contou com a ajuda da pesquisadora Schuma Schumaher, uma especialista no direto da mulher. Mesmo assim, foi alvo de protesto de delegadas na época. Elas cobravam da autora mais coerência nos episódios. “O mundo real de uma delegacia da mulher é uma barbárie. Fazer uma reprodução fiel seria muito complicado”, diz Maria Carmem, em conversa com ÉPOCA para relembrar a série.
ÉPOCA - Antes do seriado, veio o especial Em defesa da honra. A ideia já era criar uma série depois?
Maria Carmem Barbos
a – A ideia era que virasse um seriado, sim. Mas, claro, dependia da aprovação do público, da audiência que o programa teria, da repercussão. De repente, se a ideia morre no nascedouro, não vale a pena investir uma grana. Mas a receptividade foi tão boa, as críticas foram maravilhosas, que a TV Globo decidiu investir. Fizemos 18 episódios.
ÉPOCA – E foi considerado um seriado revolucionário na época, não?
Maria Carmem
 – Sim, foi. Não existia ainda a Lei Maria da Penha, as delegacias de mulheres ainda estavam se estabelecendo, havia ainda muitas contradições dentro delas, coisas que não deveriam acontecer aconteciam... Quer dizer, até hoje a questão da mulher ainda não está muito clara. De qualquer maneira, atualmente tem mais proteção, um olhar mais forte em cima das questões femininas, mais igualdade. Ou melhor, igualdade ainda não tem (risos).
ÉPOCA - Você chegou a frequentar delegacias para escrever o programa?
Maria Carmem –
 Não. Para escrever, eu me baseei em um estudo desenvolvido pela pesquisadora Schuma Schumaher, criadora do S.O S. Mulher. Uma pessoa batalhadora, revolucionária. Naquela época (1990), ela já tinha um site que tratava sobre questões femininas. Ela foi muito importante para o meu trabalho. Ela me municiou de todos os elementos necessários. Eu, inclusive, fui convidada para um evento promovido pelo Bid (Banco Interamericano de Desenvolvimento), em Washington (Estados Unidos), para falar sobre o seriado. A Martha Rocha, que atualmente é Chefe de Polícia Civil do Rio de Janeiro, foi comigo. Na época, ela era delegada. A Hillary Clinton também participou.
ÉPOCA - O que mais a chocou na sua aproximação com o tema do seriado?
Maria Carmem
 – Ainda me choco todo dia. Qual mulher que nunca sofreu uma violência?
ÉPOCA – Teve algum tema que você não pôde colocar no Delegacia de mulheres?
Maria Carmem –
 Sinceramente, não. Mesmo porque começamos a entender que o seriado, além de dramaturgia, tinha que ter um pouco de comédia. Não podíamos meter o pé na porta, senão perderíamos o espaço. Tive que fazer um jogo de comadre entre as personagens para poder levar a história adiante. Conseguimos por um bom tempo, até que chegou uma hora que ficou difícil de continuar. O programa estava se tornando muito conhecido, o assunto ficando sério e eu achei que ele merecia ser tratado como tal. Mas não foi possível. A televisão tem seus compromissos...
Maria Carmem Barbosa (Foto: Márcio de Souza/TV Globo )
ÉPOCA – No elenco, inclusive, tinha a Zilda Cardoso, que era conhecida como comediante...
Maria Carmem –
 É. Eu tentei dar um sentimento para cada personagem, cada uma representava um tipo de temperamento feminino. Procurei dar para a delegada(interpretada pela atriz Eloísa Mafalda) a coerência, mas ao mesmo tempo ela tinha um conflito muito grande com a filha, com quem era meio incoerente.
ÉPOCA - O seriado teve inúmeras participações especiais, nomes de peso como Mario Lago, Paulo Gracindo, Chico Anysio, Eva Wilma...
Maria Carmem –
 Muita gente foi! Uma surpresa para mim. Marieta Severo, Luiz Gustavo... O elenco da Globo todo foi muito carinhoso com o seriado. Lembro que uma vez encontrei com o pessoal do Casseta & Planeta, eles estavam estourando, e brincaram que queriam participar do seriado também (risos).
ÉPOCA - O Marcos Paulo era o único homem do elenco fixo do seriado?
Maria Carmem –
 Sim, ele entrou em uma determinada época. Tínhamos que colocar algum romance. Não dava para falar de um tema tão pesado sem ter alguma história de amor. Porque, na verdade, era novela, novela no sentido literal mesmo, do que se conhece desde o começo do gênero. Se você não escreve um romance, uma situação amorosa, fica tudo muito duro. Eu fico vendo Law & Order (série policial americana), que eu adoro, e não vejo romance ali. Eles não negociam o tema do seriado, tem uma integridade muito grande. Mas, no meu, se eu negociei o humor, tinha que colocar o amor também. 
ÉPOCA - É verdade que houve protestos contra o seriado?
Maria Carmem –
 As delegadas escreviam dizendo que não era daquele jeito, cobravam uma coerência que não podíamos dar. O mundo real de uma delegacia de mulheres é uma barbárie. Algo muito violento e doído. Fazer uma reprodução fiel seria muito complicado.
ÉPOCA - Está feliz com essa reprise no Canal Viva?
Maria Carmem 
– Muito! Foi um trabalho que eu gostei muito de fazer, fico envaidecida do seriado voltar a ser exibido.
ÉPOCA - Você escreveria uma nova versão de Delegacia de mulheres?
Maria Carmem –
 Eu cheguei a escrever três episódios, mas parece que a Globo, pelo menos por enquanto, não pensa em fazer. Mas acho que é questão de polarizar o assunto: de repente uma delegada em uma novela da Glória (Perez), uma detetive em outra. E você entrar atualmente no tema de violência contra mulher... Está terrível! Se para os homens não está fácil, imagina para as mulheres. Os números indicam que a violência contra a mulher ainda é altíssima. Ganhamos 1/3 do que ganham os homens. Temos muito a conquistar. 
ÉPOCA – Você está trabalhando em algum projeto agora?
Maria Carmem –
 Eu acabei de entregar uma sinopse de uma novela para as 6 horas da tarde, chamada O sorriso do tempo. Eu e o Mario Teixeira escrevemos juntos essa sinopse e alguns capítulos. Mas, atualmente, a Globo está com um grande número de autores. Todo mundo entrega seus textos. Estamos aguardando... Espero que eles gostem!
ÉPOCA – Vai escrever o novo seriado do Miguel Falabella (Pé na cova, ainda sem data de estreia)?
Maria Carmem –
 Não, não estou escrevendo com o Miguel agora. Escrevemos muito tempo juntos, ficou muito marcado. Eu resolvi dar um tempo, fazer uma novela, depois apresentar um seriado. Mas continuamos amigos do mesmo jeito.
ÉPOCA – Por falar no Falabella, ele também escreveu em Delegacia de mulheres...
Maria Carmem
 – Sim! Escreveu um episódio fantástico que teve a participação da Vera Fischer. Foi o nosso primeiro contato profissional.
Delegacia de Mulheres (Foto: Divulgação/Canal Viva)

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