Tramita no Senado Federal o Projeto de Lei da Câmara (PLC) n° 27, de 2012, de autoria do Deputado Hugo Leal, que altera vários artigos do Código de Trânsito Brasileiro (CTB). No Senado é relator o senador Ricardo Ferraço.
No seu relatório o Senador citado faz referência aos dados que foram amplamente divulgados quando da realização, no âmbito do Supremo Tribunal Federal, de audiências públicas, que se destinavam à instrução do julgamento da constitucionalidade ou não da chamada lei seca.
Vale a pena transcrever os seguintes trechos do Relatório do Senador Ricardo Ferraço:
“Especialistas em medicina de trânsito revelaram, por exemplo, que são vários os efeitos da ingestão de álcool associada ao ato de dirigir. A chance de sobrevivência do motorista alcoolizado envolvido em acidente, por exemplo, é severamente diminuída, ou seja, o mesmo dano físico causado pelo acidente leva, com mais frequência, a óbito, o motorista que se encontra sob o efeito de álcool.
“A capacidade de percepção da velocidade e dos obstáculos, igualmente, sofre severo decréscimo em tais circunstâncias. O motorista alcoolizado tem dificuldade para manter a trajetória contínua do veículo, o que dificulta a correta condução em trechos sinuosos. A ingestão de álcool também afeta severamente a visão periférica do motorista e sua capacidade de dividir a atenção entre dois eventos, o que faz com que tenha maior dificuldade para enxergar o que está do lado do veículo. Não conseguirá, por exemplo, ver uma moto que se aproxima pela lateral do carro.
“Por fim, nos foi explicado pelos técnicos que a ingestão de álcool leva a uma considerável demora no tempo de reação do motorista, impedindo que ele reaja de maneira adequada e tempestiva diante de um imprevisto ou acidente que se apresente a sua frente. Demorará mais a freiar, por exemplo, diante de um pedestre atravessando a rua.
“Todos esses efeitos diminuidores da capacidade para dirigir é que levam ao quadro assombroso que temos em nosso trânsito hoje:
a) 43,95% dos mortos em razão de acidentes de trânsito no ano de 2005 na cidade de São Paulo tiveram a alcoolemia atestada em autópsia;
b) segundo o IPEA, o custo da violência no trânsito no Brasil alcança a incrível marca de 30 bilhões por ano;
c) são 120 mil internações por ano, o que subtrai leitos do tratamento de outras patologias e acidentes pessoais e trabalhistas. Para que tenhamos uma noção, anos houve em que o Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP teve 70% de seus leitos ocupados por vítimas da violência no trânsito;
d) são hoje 30 mil brasileiros cadeirantes em razão de acidentes de trânsito;
e) contamos, ainda, entre 40 e 50 mil mortes por ano, 500 mil feridos, dos quais cerca de 180 mil terminam suas vidas com lesões irreversíveis.
“Outro elemento para o qual chamo atenção, e que é importante principalmente quando se parte para discutir os méritos da lei seca em comparação com a situação de outros países, é o específico contexto brasileiro de produção e consumo de bebidas alcoólicas.
“O Brasil é o primeiro produtor mundial de bebida destilada e o terceiro produtor de cerveja. Além disso, estudos conduzidos com proficiência pela OMS mostram que embora nosso consumo per capita não seja muito superior ao da maioria dos países, nossa taxa de abuso e dependência é imbatível. Em reportagem publicada em abril de 2010 pelo jornal O Estado de S. Paulo lê-se o seguinte:
“Os dados obtidos revelam que, enquanto o consumo per capita anual de bebida alcoólica na França é de 18 litros por pessoa, no Brasil ele está abaixo de 8 litros. No entanto, a taxa de abuso e dependência aqui é de 4%, enquanto entre os franceses é de apenas 0,8%.
“A OMS tem uma escala que vai de 1 a 4 e mostra o quanto é prejudicial o consumo em cada País. O Brasil recebeu nota 4, a de maior gravidade. Já os europeus têm um padrão de consumo protetor, que até faz bem à saúde.
‘Ainda que os abusadores não sejam a maioria no País, o impacto na saúde é grande. Isso resulta em acidentes de trânsito, em violência física e verbal e prejudica o rendimento no trabalho e no estudo’, afirma Arthur Guerra, um dos maiores especialistas do País no tratamento de dependentes de álcool e drogas.
“Outro levantamento recente, da Unidade de Pesquisa em Álcool e Drogas da Unifesp, aponta que quase metade da população é abstêmia – e que, quem bebe, bebe muito. ‘Cerca de 25% disseram beber pouco e ocasionalmente. Os outros 25% são responsáveis por consumir 80% do álcool ingerido no País’, diz Ronaldo Laranjeira, responsável pela pesquisa.
“Para o psiquiatra, esse padrão está relacionado a um consumo não domiciliar. ‘O consumo é principalmente social, fora de casa e, por isso, a tendência é que seja maior’, analisa. Para ele, essa cultura é preocupante não só porque leva os jovens ao consumo excessivo, mas também porque os leva a beber longe do controle familiar.”
“Ora, esse contexto de produção ampla e consumo abusivo, bem como os alarmantes números da violência no trânsito acima referidos impõem a adoção de uma regulação rígida e ampla, que seja capaz, não apenas de punir com rigor mas, principalmente, de inibir a prática da condução de veículos sob o efeito de álcool.”
Todas as vezes que o ordenamento jurídico se mostra deficiente (esse é o caso do atual art. 306 do CTB), parece muito razoável fazer os aprimoramentos legislativos necessários. Só o que não se pode esperar é que a mudança legislativa, por si só, seja solução para o problema. Especificamente no diz respeito ao trânsito, a solução passa, necessariamente, pela fórmula EEFPP: Educação, Engenharia, Fiscalização, Primeiros socorros e Punição. Enquanto não olharmos para esse assunto de forma global e decidida, pouca alteração vamos ver nas quase 43 mil mortes por ano no trânsito brasileiro.
Fonte:LFG
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