sexta-feira, 28 de setembro de 2012

Comentários a Lei nº 12.720, de 27 de setembro de 2012

Dispõe sobre o crime de extermínio de seres humanos; altera o Decreto-Lei no2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal; e dá outras providências.

A PRESIDENTA DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:
Art. 1o Esta Lei altera o Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, para dispor sobre os crimes praticados por grupos de extermínio (1) ou milícias privadas (2 – 3).
(1) Por grupo de extermínio entende-se a reunião de pessoas, matadores, “justiceiros” (civis ou não) que atuam na ausência ou leniência do poder público, tendo como finalidade a matança generalizada, chacina de pessoas supostamente etiquetadas como marginais ou perigosas.
Quantas pessoas devem, no mínimo, integrar esse “grupo”? O texto é totalmente silente. Alberto Silva Franco, antes da Lei 12.720/12, já explicava: “é óbvio que a ideia de ‘par’ colide, frontalmente, com a de ‘grupo’; seria, realmente, um contrassenso cogitar-se de um grupo composto de duas pessoas. Nesse caso, o número mínimo deveria ser o de três pessoas, ou, tal como ocorre em relação ao tipo da quadrilha ou bando, o de quatro pessoas? Luiz Vicente Cernicchiaro assevera que, para não ocorrer confusão com o tipo de ‘quadrilha ou bando’, seria logicamente recomendável a determinação quantitativa do grupo de ‘extermínio’ em três pessoas (Homicídio, crime hediondo, Correio Braziliense, de 26.09.1994). Seria esta a melhor solução? Evidentemente que não. Antes de tudo porque parece desarrazoada a composição de um tipo com um número aberto de pessoas que nele devem, necessariamente, atuar. De uma forma geral, quando estrutura uma figura plurissubjetiva, o legislador penal, em respeito ao princípio constitucional da legalidade, não deve deferir, ao juiz ou ao intérprete, a tarefa de especificar o número mínimo de agentes. Deve quantificá-la, de pronto. A simples discussão sobre essa matéria evidencia a falha técnica legislativa e põe a nu a ofensa ao princípio constitucional já mencionado. Um tipo penal não pode ficar, para a garantia do próprio cidadão – e a legislação penal nada mais é, em resumo, do que uma limitação do poder repressivo estatal frente ao direito de liberdade de cada pessoa –, na dependência dos humores ou azares interpretativos do juiz. Por outro lado, ao contrário do entendimento de Luiz Vicente Cernicchiaro, tudo parece indicar que o legislador teve em mira, ao compor a expressão ‘grupo de extermínio’, o tipo do art. 288 do Código Penal, e tal postura pode ser extraída da expressão ‘típica’ acrescida ao vocábulo ‘atividade’. Ora, a única ‘atividade típica’ que pode servir de parâmetro ao ‘grupo de extermínio’ é a da quadrilha ou bando, cuja existência está vinculada ao número mínimo de quatro pessoas. Em conclusão, não há cogitar de ‘grupo de extermínio’ que não tenha, no mínimo, quatro pessoas, direta ou indiretamente, envolvidas” (Código Penal e sua interpretação jurisprudencial – Parte especial, v. 2, p. 1.242/1.243).
Com o advento da Lei 12.694/12 (organizações criminosas), já percebemos doutrina preferindo fundamentar o raciocínio no conceito de “grupo” trazido no seu artigo 2.º, que se contenta com a reunião de três ou mais pessoas.
(2) Por milícia armada entende-se grupo de pessoas (civis ou não, repetindo a discussão acima quanto ao número mínimo) armado, tendo como finalidade (anunciada) devolver a segurança retirada das comunidades mais carentes, restaurando a paz. Para tanto, mediante coação, os agentes ocupam determinado espaço territorial. A proteção oferecida nesse espaço ignora o monopólio estatal de controle social, valendo-se de violência e grave ameaça.
(3) A Assembleia Geral das Nações Unidas, em dezembro de 1989, por meio da resolução 44/162, aprovou os princípios e diretrizes para a prevenção, investigação e repressão às execuções extralegais, arbitrárias e sumárias, anunciando: “Os governos proibirão por lei todas as execuções extralegais, arbitrárias ou sumárias, e zelarão para que todas essas execuções se tipifiquem como delitos em seu direito penal, e sejam sancionáveis com penas adequadas que levem em conta a gravidade de tais delitos. Não poderão ser invocadas, para justificar essas execuções, circunstâncias excepcionais, como por exemplo, o estado de guerra ou o risco de guerra, a instabilidade política interna, nem nenhuma outra emergência pública. Essas execuções não se efetuarão em nenhuma circunstância, nem sequer em situações de conflito interno armado, abuso ou uso ilegal da força por parte de um funcionário público ou de outra pessoa que atue em caráter oficial ou de uma pessoa que promova a investigação, ou com o consentimento ou aquiescência daquela, nem tampouco em situações nas quais a morte ocorra na prisão. Esta proibição prevalecerá sobre os decretos promulgados pela autoridade executiva”.
Art. 2o O art. 121 do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, passa a vigorar acrescido do seguinte § 6o:
“Art. 121. …………………………………………………………….
………………………………………………………………………………….
§ 6o A pena é aumentada de 1/3 (um terço) até a metade se o crime for praticado por milícia privada, sob o pretexto de prestação de serviço de segurança, ou por grupo de extermínio.” (4)
(4) Antes da Lei 12.720/12, o fato de o homicídio ser praticado em atividade típica de grupo de extermínio (não falava em milícias) servia “somente” para agravar a pena-base (circunstância considerada pelo juiz) e para etiquetá-lo, quando simples, como hediondo, sofrendo os consectários da Lei nº 8.072/90. Tal circunstância, portanto, escapava da apreciação dos jurados.
Agora, com a novel Lei, a circunstância de o crime ter sido (ou não) praticado em atividade típica de grupo de extermínio (ou milícia privada) passou a ser majorante de pena (causa de aumento) e, como tal, dependerá de reconhecimento por parte dos juízes leigos (jurados).
Deve ser observado, porém, que a Lei 8.072/90 não foi alterada, não abrangendo no rol dos crimes hediondos o homicídio (simples) praticado por milícia privada, em que pese, nesses casos, não se imaginar um homicídio, com esses predicados, ser julgado como “simples”, apresentando-se, na esmagadora maioria das vezes, impregnado de circunstâncias qualificadoras (motivo torpe, motivo fútil, meio cruel etc).
Art. 3o O § 7o do art. 129 do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, passa a vigorar com a seguinte redação:
“Art. 129. …………………………………………………………….
………………………………………………………………………………….
§ 7o Aumenta-se a pena de 1/3 (um terço) se ocorrer qualquer das hipóteses dos §§ 4o e 6o do art. 121 deste Código. (5)
…………………………………………………………………………” (NR)
(5) Sabendo que o grupo (em especial, as milícias privadas) explora o terror, pode querer impor seu “poder” paralelo por meio de “surras”, sem buscar (num primeiro momento) a morte das vítimas. Nesses casos, a pena de lesão corporal também será majorada.
Art. 4o O Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, passa a vigorar acrescido do seguinte art. 288-A:
“Constituição de milícia privada
Art. 288-A. Constituir, organizar, integrar, manter ou custear (6) organização paramilitar (7), milícia particular, grupo ou esquadrão com a finalidade de praticar qualquer dos crimes previstos neste Código (8-9):
Pena – reclusão, de 4 (quatro) a 8 (oito) anos.”
(6) A nova Lei criou nova forma de associação criminosa, reunião estável e permanente de pessoas com fim (criminoso) comum.
Elegeu como núcleos: constituir (significa compor a organização, o grupo criminoso); organizar (é encontrar a melhor maneira de agir); integrar (é fazer parte); manter ou custear (significa sustentar, pagar o custo, não apenas financeiramente, mas com o fornecimento de materiais, instrumentos bélicos etc). Não importa o núcleo praticado, estamos diante de comportamentos cometidos por associados (fundadores ou não) do grupo criminoso.
Chama a atenção o fato de o legislador ter enunciado grupos que, na prática, se confundem, como acontece com o “grupo de extermínio” e “esquadrão”.
(7) Paramilitares são associações civis, armadas e com estrutura semelhante à militar. Possui as características de uma força militar, tem a estrutura e organização de uma tropa ou exercito, sem sê-lo.
Não se pode ignorar que o art. 24 da Lei 7.710/83 pune com 2 a 8 anos, constituir, integrar ou manter organização ilegal de tipo militar, de qualquer forma ou natureza armada ou não, com ou sem fardamento, com finalidade combativa, sendo imprescindível a motivação política do grupo.
(8) Tipificando a nova associação apenas quando tiver como finalidade a prática de crimes previstos no CP, não se cogita deste delito quando visar a prática de crimes estampados em legislação extravagante, sob pena de analogia incriminadora.
(9) A constituição de grupo criminoso já é suficiente para caracterizar o crime do art. 288-A do CP, dispensando a prática de qualquer dos crimes visados pela associação, o qual, ocorrendo, gera o concurso material de delitos. Assim, grupo de extermínio que promove matanças, responde pelos crimes dos arts. 288-A e 121, § 6º, ambos do CP, em concurso material, não se cogitando de bis in idem, pois são delitos autônomos e independentes, protegendo, cada qual, bens jurídicos próprios. O mesmo raciocínio já é aplicado pelo Supremo para não reconhecer bis in idemquando se está diante de quadrilha ou bando armado e roubo majorado pelo emprego de arma.
Art. 5o Esta Lei entra vigor na data de sua publicação (10).
(10) A nova lei é incriminadora, sendo, portanto, irretroativa. Trata-se de observância do princípio da anterioridade, corolário do princípio da legalidade (art. 1º do CP).

Fonte:Rogério Sanches

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