segunda-feira, 24 de setembro de 2012

Um basta à violência


Em clima olímpico, o deputado Fernando Capez recebe a reportagem da Revista Kalunga em seu gabinete, na Assembleia Legislativa de São Paulo, de olho na televisão, onde a atleta Maureen Maggi tenta repetir em Londres o seu feito de Pequim, quatro anos atrás, quando ganhou a medalha de ouro no salto em distância. Indago sobre seu recém-lançado livro O Código Penal Comentado, mas ele observa que não é um bom tema por ser muito “árido”. “Vamos conversar sobre esportes mesmo”, decide, e já dispara a falar de violência nos campos de futebol, assunto que o tornou conhecido em todo o País. 
Na verdade, a violência já não existe mais nos estádios hoje em dia, pelo menos, não como nos anos 1990. Não se fala mais, por exemplo, em organizadas estocando armas. “Claro, sempre haverá violência – ela é inerente ao ser humano –, não tem como eliminar, mas entre os anos 1992 e 1995 ela atingiu níveis epidêmicos, o que não ocorre atualmente”, acrescenta. O Ministério Público, à frente do combate às organizadas, trouxe mudanças, que ele imagina hoje não seriam possíveis. Aliás, como, à época, nem se falava em Ministério Público, muita gente estranhava essa atuação do órgão. “O fato é que as torcidas sentiram a presença firme do Estado e que seus atos teriam consequências. O que até então era regra, passou a ser exceção”, analisa Capez. Uma vez que a violência nos estádios está sob controle, ele entende que é hora de focar em outros campos. Entre os seus projetos, visando inclusive a Copa do Mundo de 2014, destaca: os estádios têm que ter todos os seus lugares numerados, está proibida a abertura de estádios, sem que essas regras sejam obedecidas; e multas às organizadas que promoverem atos de violência.
Epidemia do crack
O mais importante em todo esse processo, conforme o deputado, é “começar a enfocar a pessoa que vai ao estádio, em primeiro lugar, como consumidor; e só depois, como torcedor”. Com isso, seria mais fácil identificar a minoria que vai ao campo apenas para brigar. “Eles não teriam mais ambiente. Ao concentrar o projeto de lei, de acordo com o estatuto do torcedor, acaba-se a confusão; e você aumenta o controle sobre os que vão somente para praticar badernas”, emenda. Além disso, as multas às entidades que permitirem violência podem chegar ao valor de até 200 mil reais, conforme Projeto de Lei nº 245, de Capez, já aprovado.
Apesar de todo esse trabalho, o deputado entende que a violência seja cíclica, gerada normalmente pela situação econômica ou de injustiça social. “Acredito que melhoramos, mas temos muito o que avançar”, afirma. A rivalidade ainda é preocupante, na sua avaliação, agravada pela presença das drogas entre os jovens. Hoje, ele se preocupa com a “epidemia do crack”, fenômeno que não é apenas brasileiro. “Até em Manhattan, Nova York, é comum você encontrar pessoas portando cartazes com os dizeres: eu sou viciado, me dê dinheiro.”
Capez, no entanto, está otimista com a chegada da Copa do Mundo de 2014, pois entende que até lá já estarão em vigor todos os projetos de lei que tratam da questão da violência nos estádios e do conforto do torcedor. “Haverá mais monitoramento e controle nos estádios modernos, com lugares numerados, o que afastará o torcedor vândalo”, explica. A transmissão pela TV de jogos do próprio local também vai ajudar a conter o público, segundo ele. Evidentemente, que tais recursos incidirão sobre o preço dos ingressos, mas as campanhas de sócio-torcedor poderão facilitar as compras de ingressos antecipados, portanto, mais baratos.
Viva a coerência!
Nessa sua cruzada, o deputado reconhece que acumulou alguns inimigos, que divide em três grupos. Em primeiro lugar, aqueles que tiveram seus interesses contrariados. “O curioso é que esses, com o passar do tempo, até me deram razão, além de elogiarem a minha coerência”, comenta. O segundo grupo é formado por aqueles que simplesmente não concordam com suas posições; enquanto os últimos são os que ficaram enciumados com a notoriedade que seu trabalho lhe trouxe.
Capez tem se preocupado também com outras questões, que extrapolam os campos esportivos. De seus mais de 200 projetos de lei, em duas gestões como deputado, grande parte deles refere-se a assuntos ligados aos direitos do consumidor. Por exemplo, a Lei nº 14.471, de 22 de junho de 2011, estabelece que hospitais e clínicas da rede privada não podem exigir cheque- caução para internação de doentes em casos de urgência ou emergência. Outra lei exige que todos os estabelecimentos comerciais fixem a relação dos dez maiores infratores do Código do Consumidor, e outra que as empresas prestadoras de serviços forneçam um recibo de quitação anual, evitando assim que o cliente guarde notas por muito tempo.
Eleito na primeira gestão com 95 mil votos, e 214 mil na segunda, Capez analisa: “Político, para fazer sucesso, tem que trabalhar e ser objetivo; não pode demorar”. Ele também precisa “transformar o impossível em muito difícil; o difícil em fácil; e o fácil para atender na hora”. Recentemente, além do lançamento de seu livro O Código Penal Comentado, ele comemora o fato de ter sido selecionado para professor na Academia de Polícia de São Paulo, objetivo que buscava há vários anos.

DEDICAÇÃO AO DIREITO

Nascido e criado no bairro da Aclimação, zona sul de São Paulo, Fernando Capez (48 anos) graduou-se em direito pela Faculdade do Largo de São Francisco (USP), com mestrado pela mesma escola, e doutorado pela Pontifícia Universidade Católica (PUC). Foi professor de cursos preparatórios para carreiras jurídicas, durante vários anos, e agora acaba de ser nomeado professor da Academia de Polícia de São Paulo. Em 8 de janeiro de 1988, após 11 meses de formando, ingressou no Ministério Público, como Procurador de Justiça, cargo que lhe deu notoriedade em todo o País, por sua luta contra a violência das torcidas organizadas. Em dois meses de campanha, conseguiu ser eleito deputado estadual com 95 mil votos; na segunda gestão chegou a mais de 214 mil votos, sendo 120 mil na capital paulista.
Fonte:Kalunga

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