domingo, 21 de abril de 2013

Jurados do caso Carandiru irão responder mais de 1,5 mil questões


Questionário de cada integrante do júri terá 290 folhas, informa o TJ.
Último dia do julgamento foi marcado pelos debates entre defesa e MP.


O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) informou na noite deste sábado (20) que os sete jurados do julgamento do caso Carandiru irão responder mais de 1,5 mil perguntas na sala secreta do Fórum da Barra Funda, na Zona Oeste. O grande volume se deve ao número de réus julgados ao mesmo tempo, 26 policiais militares, e da quantidade de vítimas, 15 presos.
Na votação, serão usadas 290 folhas de questionário para cada jurado. De acordo com o TJ, serão quatro quesitos por cada policial militar. O primeiro quesito deverá perguntar se houve, de fato, ferimento em determinado detento; em seguida, a pergunta deve ser sobre a participação de determinado réu no resultado morte; os outros dois quesitos devem tratar da absolvição (você absolve o réu?) e se houve recurso que dificultou a defesa da vítima.
Depois de dadas as respostas, o juiz José Augusto Nardy Marzagão irá redigir a sentença. Ela deve sair até a madrugada deste domingo (21). Os debates entre defesa e acusação marcaram o último dia do julgamento. A última fase antes da votação dos jurados começou durante a manhã e continuava por volta das 21h, com a fala da advogada de defesa, Ieda Ribeiro de Souza.

Ela pediu a absolvição dos policiais e alegou que as acusações contra eles são “genéricas”. "Resta à Promotoria uma acusação genérica, a comoção social, livros que foram baseados única e exclusivamente na opinião dos detentos", disse a advogada.
A defesa se baseou em três focos: não há detalhamento sobre o que cada policial teria feito exatamente, eles estavam cumprindo ordens e agiram em legítima defesa. "Falta ao Ministério Público a individualização de conduta de cada um desses homens [réus]. Da forma como foi feita a denúncia, cada policial vai responder pelas 15 mortes, o que me faz crer que cada preso morreu 15 vezes”, argumentou.
Outra estratégia da defesa foi desconstruir o depoimento do diretor de disciplina da Carandiru Moacir dos Santos, que afirmou que nunca viu uma arma de fogo no período em que trabalhou lá. "Assumir publicamente que entravam armas na Casa de Detenção era assumir que o sistema penitenciário já era falido, era assumir a própria incompetência", disse Ieda.
Ela também desqualificou o testemunho do perito Osvaldo Negrini Neto, que atesta em laudo ter vistoriado somente o térreo do Carandiru no dia do massacre e, depois, retornado no dia 9 de novembro. "Como ele pode dizer que os presos foram mortos no interior das celas se só esteve no segundo pavimento um mês depois?", questiona.
A acusação fará uso da réplica e a defesa pode voltar a falar. Em seguida, os jurados se reúnem para decidir se os réus são culpados ou inocentes, o que deve ocorrer ainda hoje.
Acusação
O promotor Fernando Pereira pediu a absolvição de 3 dos 26 policiais militares acusados pela morte de 15 detentos. Pereira pediu que os jurados absolvam Maurício Marchese Rodrigues, Eduardo Espósito e Roberto Alberto da Silva. “O Ministério Público não está aqui para pegar todo mundo de roldão, para fazer papelão”, disse o promotor Fernando Pereira. Segundo ele, apesar da denúncia de acusação ser coletiva, é preciso analisar os casos separadamente.
O promotor explicou que Marchese e Espósito, que eram tenentes à época, pertenciam à tropa do canil. Apesar de os dois estarem portando fuzis e dispararem contra a segunda barricada, eles não fizeram disparos dentro do segundo pavimento do Carandiru e portavam armas para dar proteção aos cães, disse Pereira.
“A ação de ambos que apoiaram o início da ação daquela tropa não ocorreu no interior daquele pavimento”, disse o promotor Fernando Pereira. "Ambos não prestaram colaboração efetiva na ação criminosa da tropa".
Em relação ao réu Roberto Alberto da Silva, o promotor disse que consta no inquérito militar que ele atuou no terceiro pavimento do Carandiru, e não no segundo. Por isso, ele deve ser julgado em outra ocasião.
Pereira pediu ainda que os jurados desconsiderem duas das 15 vítimas. Segundo ele, esses detentos foram mortos por golpes de arma branca - o que pode significar que foram assassinados pelos próprios presos.
Pereira criticou duas grandes falhas no processo de investigação do caso: o sumiço dos projéteis retirados dos corpos das vítimas que impossibilitaram a realização do exame de balística, e a adulteração da cena do crime pelos policiais, que moveram os corpos dificultando o trabalho da perícia.
"Eles [os réus] desmontaram a cena do crime, eles mentiram", afirmou Pereira. "Penas de prisão foram transformadas em penas de morte. Nínguém tem o poder de decretar a morte de um ser humano no Brasil".
4º dia de júri
Quatro réus foram ouvidos nesta sexta-feira (19) durante o quarto dia do julgamento do massacre do Carandiru. Eles disseram ter ouvido disparos ao entrar na Casa de Detenção. Um deles admitiu ter usado uma metralhadora durante a ação. Ele afirmou que a arma estava no modo intermitente, um tiro por vez.
Entre os 24 réus presentes no plenário, 20 decidiram permanecer calados em seu interrogatório, mas se declararam inocentes das acusações. Falaram aos jurados Ronaldo Ribeiro dos Santos, que era capitão da 2ª companhia de Choque da Rota, Aércio Dornelas Santos, que era tenente na época do massacre, Marcos Antonio de Medeiros, então sargento da PM, e Marcos Ricardo Polinato, que trabalhava como soldado da Rota.
Durante os depoimentos, eles contaram que houve disparos contra a tropa. O tenente Aércio Santos lembra que houve confronto e admite que efetuou disparos. “O confronto começou no meio do corredor e foi até o final”, disse. Medeiros afirmou que fez uso de metralhadora e que efetuou “três ou quatro disparos”, mas não sabe se acertou alguém.

Os três PMs da Rota que falaram à tarde afirmaram que a ação da Rota foi determinada pelo coronel Ubiratan Guimarães após terem ouvidos estampidos de arma de fogo. Eles disseram que a ação durou entre 20 a 25 minutos sob ambiente escuro, úmido,  com fumaça e barulho.

Eles foram unânimes ao afirmar que encontraram barricadas pela frente, deram informações similares sobre o modo de invasão do pavimento e declararam que após a rendição dos presos outros pelotões entraram no recinto antes mesmo de a Rota sair.

O Ministério Público explorou contradições nos depoimentos dos policiais a respeito do número de corpos que eles disseram ter encontrado quando depuseram nos inquéritos policiais  e o que declararam nesta sexta-feira em plenário. Na maioria das vezes que foram pegos em contradição,  os policiais preferiram reiterar o que disseram na época logo após o massacre.

Os policiais apresentaram dúvidas também sobre números de tiros que dispararam, de presos que acertaram e do número de armas encontradas com os presos.
A advogada de defesa buscou ressaltar aspectos positivos da vida pessoal dos réus. Um deles pareceu chorar ao lembrar uma homenagem que recebeu. Dois policiais disseram ter sido feridos na ação.
"Em determinado momento, houve ordem para que nossa tropa, que era reserva, ultrapassasse a outra. A ordem veio do coronel Ubiratan Guimarães. A Rota estava atrás e foi para a frente", disse Áércio Dornelas Santos, tenente da Rota à época dos fatos. Ele detalhou a sequência.  "Há o estampido, há o disparo e há o revide."
O ex-soldado Polinato afirmou que efetuou disparos. "Atirei na direção do clarão e dos estampidos", afirmou.

O PM foi questionado pela Promotoria sobre o laudo a respeito de um ferimento que diz ter sofrido no braço esquerdo. O promotor apresentou a ele um laudo do Instituto Médico Legal e outro do Hospital Militar. Ele afirmou que o laudo do Hospital Militar está errado. A advogada perguntou se o PM forjou o ferimento. Ele afirmou:  "de forma nenhuma, porque não é da minha índole".
3º dia de júri
Nesta quinta (18), foi feita a leitura de trechos de depoimentos colhidos na época das mortes. Os trabalhos do Tribunal do Júri foram interrompidos na quarta-feira (17) e só foram retomados por volta das 15h desta quinta, depois que um parecer médico sobre o estado de saúde de um dos jurados ter sido divulgado e considerado favorável. O jurado passou mal na manhã da quarta, o que obrigou o juiz José Augusto Nardy Marzagão a suspender o júri.
Os sete jurados assistiram a vídeos com trechos de reportagens veiculadas em 1992, a pedido dos promotores, e a um documentário sobre ataques feitos em São Paulo por uma facção criminosa, em 2006. A exibição dos vídeos foi interrompida por quase 40 minutos no fim da tarde porque um dos jurados pediu para ir ao banheiro.
Na semana passada, o júri foi adiado porque uma jurada passou mal. Pelas regras do Tribunal do Júri, caso um jurado tenha problemas de saúde e não possa prosseguir no júri, o julgamento é cancelado.
Desde o início do julgamento, na segunda-feira (15), 24 dos 26 réus acompanham os trabalhos. Dois deles não puderam comparecer ao júri devido a problemas de saúde. Inicialmente, o julgamento estava previsto para durar duas semanas.
Nesta etapa do julgamento, são julgados 26 dos 79 policiais militares acusados de participar da invasão à Casa de Detenção para conter a rebelião de presos. Os 26 réus respondem em liberdade pela morte de 15 deles no 1º andar do Pavilhão 9. Cento e onze detentos foram mortos.
Segundo dia
Na terça-feira (16), foram ouvidas as testemunhas de defesa - dois desembargadores, o ex-governador de São Paulo Luiz Antônio Fleury Filho , o secretário daSegurança Pública à época, Pedro de Franco Campos, e a juíza Sueli Armani, de execuções penais.
Fleury afirmou que a decisão de entrar no presídio foi tomada pelas autoridades presentes no local. Porém, ressaltou que a ordem foi "necessária" e "legítima".  O ex-governador disse que estava em Sorocaba no 2 de outubro de 1992, véspera de eleição municipal e data do massacre. Ele conta que chegou às 16h à capital paulista, após a ação policial no Carandiru ter ocorrido.
Apesar de ressaltar que não estava à frente da operação, Fleury disse que “teria dado” a ordem para invasão caso estivesse em seu gabinete. “O que aconteceu, o que digo sempre, é que a ordem para entrada foi absolutamente necessária e legítima. Já existiam pessoas que estavam matando umas as outras", disse o ex-governador.

O secretário da Segurança Pública à época, Pedro de Franco Campos, foi ouvido logo após Fleury. Ele também defendeu a operação e afirmou ter autorizado o coronel Ubiratan Guimarães a invadir o presídio.
Primeiro dia
Na segunda-feira, três sobreviventes do massacre, além de um agente carcerário e um perito criminal, afirmaram que tropas da Polícia Militar invadiram o segundo pavimento do Pavilhão 9 e executaram presos. Eles relataram também alteração do local para atrapalhar a perícia e impedir o socorro às vítimas.
O ex-detento Antonio Carlos Dias afirmou que a ação da polícia dentro da penitenciária durou mais de uma hora. "A gente só ouvia barulho de metralhadora", disse. "Passamos por cima dos corpos para chegar ao pátio. Tivemos que escalar os corpos para sair do segundo andar e chegar ao pátio. Se caíssemos sobre os corpos, os PMs atiravam e matavam", declarou.
A segunda testemunha da acusação ouvida foi o ex-detento Marco Antônio de Moura, que cumpria pena de 5 anos e 4 meses por roubo e tentativa de homicídio. Ele afirmou ter se fingido de morto para sobreviver.
"Fiquei no pátio muitas horas deitado. Um policial disse: quem está ferido, erga a mão. Parece que um anjo disse para eu não fazer isso. Quem levantava a mão era levado e nunca mais foi visto", afirmou Moura. "Os policiais diziam: Deus cria, a Rota mata e viva o Choque", segundo o ex-detento.
O agente penitenciário Moacir dos Santos, diretor da divisão de segurança e disciplina, relatou que houve diversos excessos por parte dos PMs. O perito criminal Osvaldo Negrini Neto, que à época trabalhava no Instituto de Criminalística, também foi ouvido. Ele diz que pediu para que o local não fosse mexido, mas o pedido não foi atendido. "Ficou claro para mim que não queriam que fosse feita a perícia", afirmou.

g1

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