Fazer cópia de arquivos digitais sem a autorização do empregador não caracteriza furto, como definido no artigo 155 do Código Penal. Afinal, o ato de reprodução não tirou a coisa móvel da esfera da disponibilidade ou custódia do seu proprietário, como exige o tipo penal para a consumação do delito.
Com esse entendimento, a 7ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul reformou sentença que condenou a ex-funcionária de uma metalúrgica por ter copiado arquivos sigilosos durante sua saída. Por unanimidade, o colegiado a absolveu com base no artigo 386, inciso III, do Código de Processo Penal — o fato relatado na denúncia não constitui infração penal.
A relatora das Apelações, desembargadora Naele Ochoa Piazzeta, observou que a narrativa dos fatos e os testemunhos dão conta de que a denunciada ‘‘copiou documentos cibernéticos para si’’, o que não se amolda ao tipo penal elencado na inicial, nem a qualquer outro constante no ordenamento jurídico. Citando a doutrina de José Paulo Costa Júnior, afirmou que, por subtrair, entende-se o ‘‘apoderamento de coisa alheia mediante apreensão e ulterior remoção’’. Ou seja: só há furto consumado quando ocorre deslocamento da ‘‘coisa furtada’’ para um ponto fora da gerência de quem a possuía.
Para a relatora, o caso dos autos também não retrata furto eletrônico da forma como o conhecemos, em que um criminoso se vale de dispositivo conectado à internet para acessar a conta bancária. Nesse caso, o agente surrupia, clandestinamente, soma em dinheiro, tirando-a da esfera de disponibilidade do correntista.
‘‘Nesse sentido, reflexão deve ser feita acerca da possibilidade de se considerar informações gravadas em disco rígido de microcomputador ou em servidores remotos como ‘coisa móvel’; há de se perquirir, também, se dados informáticos, os quais não passam de meros bits e bytes, possuiriam conteúdo economicamente apreciável a ponto de caracterizar elementar do artigo 155 do Código Penal’’, escreveu no acórdão, lavrado na sessão de 29 de abril.
Em primeiro grau, com base nos autos e em prova testemunhal, o juiz Carlos Koester, da Vara Judicial da Comarca de Nova Prata, havia julgado procedente a denúncia, por entender que ficaram demonstradas a materialidade e a autoria do delito descrito na inicial.
O julgador manteve a qualificadora do abuso de confiança, em função do cargo exercido pela ré, que tinha acesso aos arquivos copiados. ‘‘Ademais, quando da admissão na empresa Medabil, a acusada assinou o Acordo de Sigilo da fl. 103, pelo qual comprometeu-se a manter sigilo das informações e documentação da empresa’’, escreveu na sentença.
Assim, a ré foi condenada a um ano e seis meses de reclusão, em regime aberto, bem como ao pagamento de 20 dias-multa, no valor unitário de um trigésimo do salário-mínimo vigente ao tempo do fato. Na dosimetria, a pena privativa de liberdade foi substituída por duas restritivas de direitos, consistentes em prestação de serviços à comunidade e ao pagamento de um salário-mínimo à entidade de interesse público. O juízo deixou de fixar o valor mínimo para reparação do dano, nos termos da Lei 11.719/2008, porque não ficou comprovado qualquer prejuízo à Medabil.
Inconformados, ambos apelaram da sentença junto ao TJ-RS. A ex-funcionária pediu absolvição por atipicidade da conduta. E o MP propôs o recrudescimento da pena privativa de liberdade.
A denúnciaA Delegacia de Polícia do município de Nova Bassano, por meio de inquérito, informou que o fato criminoso ocorreu entre os dias 3 e 4 de setembro de 2008, os dois últimos dias de trabalho da acusada na Medabil Sistemas Construtivos S.A. Fazendo uso de um pen-drive, ela acessou o banco de dados da empresa e copiou diversos arquivos digitais de conteúdo sigiloso, como indicadores gerenciais, tabelas salariais e projetos industriais.
A descoberta da cópia não autorizada só foi possível porque o empregador possui um software que controla o acesso de informações, registrando saída e entrada de dados por quaisquer dispositivos. Na semana seguinte, a acusada começou a trabalhar numa empresa concorrente da Medabil.
Com base nesse inquérito policial, o Ministério Público estadual denunciou-a como incursa nas sanções do artigo 155, parágrafo 4º, inciso II, do Código Penal. O dispositivo tipifica crime de furto qualificado, cometido por meio de abuso de confiança. Na época, a acusada desempenhava as funções de coordenadora de Recursos Humanos.
Interrogada na fase judicial, ela admitiu ter copiado, no dia anterior à sua saída, os arquivos que possuía na pasta ‘‘C’’ para a pasta do RH, porque tinha de ‘‘limpar’’ o notebook. Negou, entretanto, que a cópia foi feita porpen-drive, mas, sim, pela rede. Disse que a cópia dos arquivos foi autorizada pelo gerente de RH da época.
Revista Consultor Jurídico, 26 de maio de 2014, 11:06h
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