sábado, 6 de agosto de 2016

Por um novo Código de Processo Penal (2/3)

Continuando a tratar do tema, ainda com base na a audiência pública ocorrida na Câmara Legislativa, segue uma síntese do relato realizado por Aury Lopes Jr.:

O Processo Penal Brasileiro (PPB) está passando por uma crise de identidade da maior gravidade. Temos um Código de 1941 que tem sido objeto de reformas pontuais ao longo de décadas, gerando um Frankstein jurídico, uma cocha de retalhos sem nenhuma coerência.

Recentemente 40 (quarenta) professores passaram uma semana no Chile discutindo reformas na América Latina (obs.: que acham de em outra coluna ser tratada a trajetória de discursões vividas por esse exímio Mestre nas terras chilenas?!). A síntese realizada foi que o PPB é caracterizado por ser o mais atrasado dessa região do continente americano, exatamente por ser o mais inquisitório.

Ser inquisitório é sinônimo de ser um processo atrasado porque não corresponde ao nível de eficácia que se espera. Entrementes, questione-se sobre o significado de eficácia. Pode-se chegar à conclusão que ocorre quando o processo funciona. Diga-se: quando são condenados os culpados e absolvidos os inocentes, não sendo possível relacionar tal fato à impunidade.

O Código em estudo, por ser uma cocha de retalhos sem coerência não consegue romper com a cultura antiga. Observe-se que no ano de 2.008 foi realizada uma reforma, na qual foram alterados todos os Procedimentos do Código, não sendo modificado qualquer artigo do Capítulo das “Nulidades”. Afirme-se que nenhum país sério faria uma alteração dessa grandeza sem reescrever todo esse Capítulo.

Contudo, o fato em testilha ocorreu no Brasil porque o sistema de nulidades brasileiro é “a la carte”. Sendo assim, deve ser questionado: “quando o procedimento é nulo?”. Como resposta afirma que isso acontece quando o Tribunal desejar que seja, para quem ele quiser e no caso que preferir. Assim, afirma: “- Isso não é democrático ou Constitucional”.

Veemente asseverar sobre a necessidade de um Código novo à luz da Constituição e da Convenção Americana de Direitos Humanos. Ainda, premente compreender que esse binômio garantias e punição não se exclui, vindo a coexistir. Nesse prisma, punir é um ato civilizatório, é crucial, sendo a questão saber como punir. O processo é um caminho necessário para chegar a uma punição ou não punição.

Como dizia o Juiz James Goldschmitd, o processo penal de uma nação é o termômetro dos elementos autoritários ou democráticos da sua Constituição. Isso apenas está relacionado com o devido processo. A regra básica é punir para garantir e punir garantindo.

Nessa dimensão, adverte que deve buscar estar de acordo com a estrutura constitucional e com a estrutura convencional, deixando-se de se preocupar com o discurso do populismo penal.

Ademais, quando se fala em garantir, as pessoas pensam em impunidade. De modo diverso, deseja-se garantir que a vítima pode ser racional, pode ser vingativa. Agora, as demais pessoas, como polícia, Juiz e Congresso não podem assim proceder, visto serem reservas éticas e de legalidade.

Crucial observações sobre o Inquérito Policial. Sobre ele, a investigação preliminar é imprescindível. Uma investigação bem feita servirá para analisar se haverá ou não o processo.

Tomando como parâmetro sua experiência obtida no referido debate ocorrido no Chile, informa que naquele país apenas 10% dos Inquérito Policiais (IP’s) viram processo. Logo, deve ser retirado do Ministério Público (MP) a obrigatoriedade da ação penal, pois se existe o direito de acusar, deve existir o direito de não acusar.

Conforme entende, o Poder Judiciário não tem feito uma boa gestão de tempo porque o processo não permite. Assim, a investigação servirá para filtrar. Trata-se de um reducionismo dizer que o IP é uma peça meramente administrativa, sem relevância. Afinal, pode-se retirar a liberdade de uma pessoa com base nele, assim como os seus bens (através de medidas cautelares patrimoniais) e condenar alguém através do “corroborando” (sempre que o Juiz chega em fase de Sentença e afirma que a prova é corroborada pelo IP está dizendo nas entrelinhas não possuir provas suficientes no processo e precisa buscar naquele procedimentos os elementos).

Observem-se alguns pontos de fundamental análise:

1 Risco da informalidade:


Existe no Brasil um Tribunal do Júri em que os jurados julgam por íntima convicção e sem fundamentar. Tal fato é um retrocesso civilizatório. Em pleno Século XXI existem pessoas sendo condenadas ou absolvidas sem um mínimo de razão, sendo entendido no Brasil o sim porque sim e o não porque não em crime tão grave como o homicídio. Nessa esteira, deve-se observar que Itália, Portugal e Espanha superaram esse fato, de modo a ser feito um controle de racionalidade da decisão.

Salutar entender ser aquilo produzido no IP um mero ato de investigação, não devendo servir para o processo, posto ser prova aquilo produzido apenas no processo e em contraditório.

Sendo assim, Aury Lopes sustenta que apenas deve ser entrar no processo a prova técnica. Tal fato é chamado de “exclusão física” e já existe na Itália desde 1988. Ainda, tendo por base o exemplo do Chile, mencionou que nesse país isso não é observado no processo, entrando o Juiz na sala para oitiva das testemunhas desprovido de qualquer meio de prova. Ocorre de esta ser produzida apenas no juízo oral por todas as partes. Dá-se a isso o nome de produção de provas em contraditório.

Argumente-se que a reforma não decidirá quem será responsável pela investigação, devendo inexistir o debate sobre a possibilidade de investigação pelo MP. Não apenas porque o Supremo entendeu que pode, mas pela necessidade de saber como ser realizada a investigação.


2 Investigação defensiva:


Tal meio de investigação encontra-se disciplinado e deve ser mantido. Pontue-se uma ressalva acerca da redação constante no caput do art. 29 do Projeto de Lei 8.045/2010: “Art. 29: No inquérito, as diligências serão realizadas de forma objetiva e no menor prazo possível, sendo que as informações poderão ser colhidas em qualquer local, cabendo ao delegado de polícia resumi-las nos autos com fidedignidade, se obtidas de modo informal”.

Referido dispositivo prega a informalidade, mas as pessoas precisam ser contrárias ao informal adentrar no processo. Deve-se considerar que forma e limite de poder são garantias, pois o processo apenas é eficaz quando condena quem deve condenar e absolve quem deve absolver.


3 Prazo máximo de duração:


Vislumbre-se a leitura do inciso LXXVIII do art. 5º da Constituição Federal: “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”. Sua redação merece melhor atenção, pois se faz necessária a menção de prazo máximo com sanção, pois o motivo de não existir faz remeter inutilidade os prazos.

Existe tal previsão no art. 31 do Projeto de Lei em comento, mencionando que após seu término deve pode ser prorrogado até 720 (setecentos e vinte) dias. Mesmo mencionada a ocorrência do arquivamento no caso de descumprimento do prazo, mas salutar uma melhora na referida previsão.


4 Juiz das Garantias:

Essa figura é conhecida na Itália como Juiz da Investigação e considerado como imprescindível no sistema brasileiro, sendo responsável pela atuação no IP, na fase pré-processual.

Questiona-se: De que maneira? O principal defensor do Novo Código de Processo Penal (NCPP) informa que Polícia e Promotor investigam. Contudo, sendo necessária a quebra do sigilo bancário, fiscal, telefônico ou uma prisão, quem decide é o Juiz das Garantias. Trata-se da imperiosa reserva de jurisdição.

Deve-se lembrar que o Tribunal Europeu de Direitos Humanos entende que o Juiz atuante na fase pré-processual encontra-se contaminado e não pode julgar. Além disso, esse mesmo Tribunal chama muita atenção para o que denomina de “estética da imparcialidade”, “Estado de Estranhamento”, onde o Juiz brasileiro precisa compreender que cada personagem desempenha um único papel.

Outrossim, quando o jurisdicionado adentra no Processo tem o direito de olhar para o Juiz e ver uma estética de imparcialidade. Assim, forçosa as figuras de um Juiz para atuar na fase pré-processual e um Juiz do processo.

Um ponto que merece destaque é o fato de existirem no Brasil várias comarcas de vara única. Analisem-se alguns apontamentos:
O Judiciário Brasileiro necessita de mais Juízes;
Havendo mais de uma Vara, uma seria Criminal e outra Cível, sendo possível a “distribuição cruzada”;

Ocorrência do prazo de transição para que haja uma estruturação dos Estados para esta nova demanda;

Não sendo possível a criação, a existência do IP eletrônico;
Outra alternativa seria que este papel viesse a ser ocupado por um Juiz da comarca vizinha de modo eletrônico, com a adoção de mecanismos como a vídeo-conferência;

Em suma, essencial lutar por essa figura, pois isso representa evolução no sentido de eficácia. Isso é devido processo, é a garantia da imparcialidade da jurisdição. Urgente um Código inteiramente novo, que rompa essa estrutura inquisitória.

Por fim, encerra seu brilhante debate, afirmando: “Como dizia Einsten, que época triste essa nossa em que é mais fácil quebrar um átomo que um preconceito. Nós não quebramos o preconceito que temos em relação ao novo e a própria estrutura acusatória contida na Constituição Federal”.








Advogada. Bacharel em Direito na Universidade Federal de Campina Grande – UFCG. Especialista em Prática Judicante na Universidade Estadual da Paraíba - UEPB. Curso Preparatório à Magistratura na Escola Superior da Magistratura da Paraíba – ESMA PB. Antiga Juíza Conciliadora das Justiças Estadual e Federal. Autora de artigos científicos. Concurseira na área da Magistratura Estadual. Criadora do ig @futurameritissima







Nenhum comentário:

Postar um comentário