Nesse dia, aprendi que os bichos são considerados em nosso ordenamento como coisas – seres irracionais que são passiveis de compra e venda/doação, ou seja, são meros objetos que o indivíduo pode adquirir ou se desfazer a seu bem entender. Até então, não questionei tal posicionamento, uma vez que sempre presenciei a compra e venda de animais em lojas e, como foi dito pelo meu professor na época, os animais de estimação são (ou eram) apenas coisas que servem para diversão da pessoa.
Contudo, esse mês uma notícia me chamou atenção e ela veiculava a informação de que alguns cartórios brasileiros já estavam registrando os animais de estimação com o nome dos seus tutores. O RGA – Registro Geral de Animais é um documento semelhante à nossa carteira de identidade, o qual, após realizar o registro, o bicho de estimação passa a ter uma identidade no mundo jurídico.
Confesso, caro leitor, que fiquei tão surpresa com a notícia que resolvi pesquisar sobre o tema no Poder Judiciário e quais os tipos de demanda estavam envolvendo animais de estimação. Após a minha pesquisa, a minha surpresa era tamanha a ponto de questionar o antigo entendimento que me foi transmitido naquela aula de direitos reais.
Atualmente, são inúmeras as demandas envolvendo animais de estimação e, acredite, não são somente aquelas que discutem a possibilidade de criar animais em condomínio – demandas essas com entendimento já pacificado nos tribunais no sentido de que não deve haver impedimento de criar animais em condomínio.
Em verdade, existem demandas na seara de direito de família e direito da personalidade envolvendo os bichos.
Posso citar uma ação que tramitou na Segunda Vara de Família e Sucessões de Jacareí/SP que estabeleceu a guarda alternada de um cão entre ex-cônjuges. Surpreendentemente, o magistrado declarou que “os animais são sujeitos de direito nas ações referentes às desagregações familiares”. Todavia, no Tribunal de Justiça do Distrito Federal o entendimento foi diverso, no sentido de que “inexiste plausibilidade jurídica no pedido de aplicação do instituto de família, mais especificamente a guarda compartilhada, aos animais de estimação, quando os consortes não têm consenso a quem caberá a posse dos bichos”. Como se percebe, não é pacífico o entendimento quanto ao tema, mas já há demandas almejando aplicar o que está disposto no direito de família aos animais.
Além do direito familiar, existem as ações pedindo indenização por danos morais pelos danos causados aos bichos (lógico, os autores são os tutores). Tanto é que um pet shop em Minas Gerais foi condenado a pagar indenização pela a fuga do animal e o acórdão ressalta que “o carinho dos autores pelo animal de estimação e a fuga deste de um pet shop, por período de tempo razoável, é fato capaz de gerar dano moral, não se tratando de um mero aborrecimento”.
Queridos leitores, é nítido que cresceu a humanização dos animais de estimação, muitas vezes chamados de filhos pelos seus tutores e são tratados assim: como filhos. E isso não se limita apenas ao mundo jurídico! O mercado nessa área evoluiu em relação aos tratamentos e produtos ofertados para o bem-estar dos pets, podendo citar planos de saúde, hotéis, decoração, brinquedos, vestimentas e por aí vai.
Destaca-se, ainda, a forte a campanha promovida por ONGs para o aumento da adoção dos animais, a fim de conscientizar as pessoas de que a compra de animal fomenta os maus-tratos. Soma-se a isso a proporção gigantesca que tomou as redes sociais quando se aborda a opinião popular sobre maus-tratos, além da crescente luta da sociedade pela punibilidade e/ou aumento da pena aplicada àqueles que abandonam ou fazem mal aos bichos.
Em síntese, temos o instituto da adoção, a legislação protegendo maus-tratos, guarda compartilhada, danos morais e agora RGA. Aí questiona-se: isso não é uma forma de tratamento semelhante aos humanos? Será que os animais de estimação podem ser considerados no mundo jurídico como um ente familiar? Ele deixou de ser coisa?
A resposta pode ser encontrada com uma pergunta: o quanto você ama o seu animal de estimação e o que você faria por ele?
Se a sua resposta for positiva, aprofundo os questionamentos: será que a legislação deve acompanhar essa “humanização dos animais de estimação”? Ou o Poder Judiciário pode usar de forma análoga aos animais os direitos aplicados para humanos? Qual seria a natureza jurídica do animal de estimação?
Por fim, caro leitor, de antemão venho informar meu posicionamento sobre o tema que, em que pese muitos vão achar insignificativo, sou tutora de um gato, que foi abandonado e eu o adotei, tratei e cuido como um ente familiar.
Forte Abraço!
Laryssa Cesar
Advogada do escritorio Quintella&Costa
Pós-graduado em Direito Civil e Empresarial pela Damasio de Jesus
Professora de Direito Civil da plataforma www.estudarparaoab. com.br
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