quarta-feira, 1 de novembro de 2017

ESTUDO DE CASO: Filhos dizem terem sido torturados para mentir e lutam para libertar pai preso por abuso sexual

Vendedor de 51 anos está preso em Guarulhos condenado por abusar dos filhos quando eram crianças; filhos relatam terem sido torturados por amiga da mãe para denunciar suposto crime, e agora mudaram versão.


Resultado de imagem para filho mentiu e pai ta preso

Dois filhos do vendedor Atercino Ferreira de Lima Filho, de 51 anos, lutam na Justiça para tentar libertar o pai, condenado por abuso sexual dos próprios filhos quando eram crianças e hoje preso em Guarulhos, na Grande São Paulo. 

Segundo a advogada Dora Cavalcanti Cordani, os filhos foram torturados por uma amiga da mãe, que é separada de Atercino, para que afirmassem à polícia que o pai os tinha molestado sexualmente quando crianças. A reportagem sobre a revisão do caso foi publicada no jornal "Folha de S. Paulo".O Ministério Público denunciou Atercino pelo crime em 2004 e, desde então, ele foi condenado a 27 anos de prisão. Os dois filhos do vendedor começaram a relatar que tinham mentido sobre o crime em 2012. Naquele ano, o filho mais velho de Atercino, Andrey Camilo Lima, de 23 anos, começou a buscar mudar a versão dada em depoimento no Tribunal de Justiça. Sem conseguir, ele registrou em cartório a versão que nunca havia sofrido abuso do pai. A irmã, Alina, hoje com 18 anos, fez a mesma coisa em 2015.

Atercino permanecia em liberdade até abril desde ano. Os dois filhos moravam com ele e a madrasta em Santo André, no ABC Paulista, segundo a advogada. Mas o caso transitou em julgado, não cabendo mais recursos, e Atercino foi preso. Ele permanece detido em Guarulhos, na Grande São Paulo.

A família entrou com uma ação revisional criminal - quando se pretende reverter uma decisão judicial, que já transitou em julgado, mostrando provar que houve erro judicial.

"É um caso complicado porque os próprios filhos sofreram muito. Quando crianças, após a separação dos pais, eles eram torturados pela mulher que morava com a mãe. A menina conta que era obrigada a vomitar e comer o próprio vômito. Foi esta mulher que os levou à delegacia, afirmando que tinham sido abusados pelo pai. Eles dizem que foram torturados para mentir", afirma a advogada Dora.

Projeto para reverter condenações

Dora é diretora do projeto Innocence Project (Projeto Inocência) no Brasil, que ficou conhecido nos Estados Unidos por lutar pela revisão de casos emblemáticos de pessoas condenadas por crimes que, depois, ficou provado que não haviam sido cometidos.

"Entrevistamos os filhos e acreditamos neles. Eles querem a liberdade do pai e nem podem visitá-lo por causa do processo. Só puderam vê-lo em agosto, em uma audiência, quando o abraçaram. Foi bastante emocionante", contou ela.

"Só atuamos em casos em que há um diagnóstico de erro judicial bem claro", explicou a diretora do Innocence.

Ao deixarem de morar com a mãe e a mulher que os torturava, ainda quando crianças, os filhos de Atercino ficaram por anos morando em abrigos e com assistentes sociais, até reencontrarem o pai e voltarem a morar com ele.

Segundo a diretora do projeto Innocence, os advogados buscam uma forma para tentar suspender o efeito da sentença transitada em julgado, para libertar o pai enquanto a revisional é analisada e julgada pelo Tribunal de Justiça (TJ).

O promotor José Reynaldo de Almeida, que analisou o caso na época, informou que o caso pode ser reanalisado, à luz das novas declarações dos filhos. "Normalmente ocorre nos casos de revisão criminal, onde o réu apresenta novas provas – depoimentos de vítimas ou testemunhas que provam sua inocência - a fim de que a Corte Superior novamente analise o caso em que foi condenado", afirmou.

Segundo o MP, os promotores têm conhecimento de que os filhos "mudaram a primeira versão dos acontecimentos", "tanto que não acolheram essa nova versão, que procurava inocentar o réu".

O promotor salienta que há outras provas nos autos do crime. "O filho Andrey foi vítima de abuso sexual pelo réu Atercino e, quando ouvido em juízo, não teve dúvida em apontar seu pai [réu] como o autor do crime sexual, que consistiu na pratica de atos libidinosos [sexo anal e oral], que ocorreram em diversas oportunidades. A genitora da vítima tomou conhecimento dos abusos sexuais que o réu praticou contra seus filhos Andrey e Aline, e que ambos fazem tratamento psicológico por conta dos abusos sofridos", disse.

Segundo o promotor, a testemunha que cuidava das crianças notou alterações de comportamento e laudos periciais "concluíram que as vidas psíquicas da vítimas 'se encontram fragmentadas, provocando o não reconhecimento dos próprios sentimentos, a identificação com o agressor, a erotização das fantasias e a sexualização dos relacionamentos".

Para o promotor, a retratação das vítimas "não gerou credibilidade bastante a alterar o resultado do julgamento".

O TJ confirmou que a ação revisional sobre o caso do pai condenado por abusar dos filhos está em andamento, mas que não pode divulgar informações porque o caso está em segredo de Justiça.


GI

DEBATES DOS NOSSOS COLUNISTAS


Na seara cível, falsa acusação gera o direito de pleitear indenização por danos morais. Assim sendo, deve-se comprovar o abalo emocional e moral à pessoa que sofreu a acusação, além de quantificar o valor proporcionalmente ao dano gerado (art. 944, CC/02). São inúmeros processos nesse sentido, principalmente quando há a acusação, mas não restou comprovado o ilícito e, consequentemente, o arquivamento do inquérito.
Mas, ao tratarmos do caso da matéria, temos que ter em mente várias hipóteses:
  1. Os filhos eram menores de idade na época da acusação;
  2. Eles alegam que acusaram por serem ameaçados;
  3. Não havia provas do ato libidinoso;
  4. Eles são filhos do acusado.
Sendo menores de idade, eles seriam responsáveis civilmente? A resposta é sim! Apesar da responsabilidade para responder pelos danos é dos pais/tutores quando os menores causam o dano, o Código Civil prevê a possibilidade de responsabilizar o menor quando os responsáveis não são obrigados a fazê-lo ou quando os responsáveis não têm condições de arcar com as despesas (art. 928 do CC/02).
Outra questão importante é a alegação de que eles estavam sendo ameaçados por uma amiga da mãe a fazer as acusações (pelo que entendi, essa “amiga” agredia os filhos e para se sair ilesa coagiu as vítimas a acusarem o próprio pai). Lá vamos nós falarmos do Código Civil novamente! Coação é um dos vícios de consentimento (consequência = anulação), previsto no artigo 151 e seguintes do Código Civil. Não há dúvidas de que houve coação por parte da “amiga”.
Se eles agiram mediante coação, eles não responderam pelo crime de calúnia (me perdoem colegas penalistas, mas vou me intrometer na matéria de vocês), pois é um tipo de excludente de ilicitude previsto no Código Penal, no artigo 22.
Conclui-se que os não responderão civilmente pelos danos causados, apesar de terem acusado o pai, já que alegam ter agido mediante coação. No caso, a responsabilidade de indenizar recairia à mãe e a “amiga” pelo ocorrido. Outro ponto importante é o fato de não ter havido provas do ato libidinoso e, mesmo assim, houve condenação pelo crime.
Quanto a isso, o Estado pode responder pela acusação de um crime que não cometeu? A resposta é sim! A responsabilidade do Estado é objetiva e, no caso de prisão de uma pessoa comprovadamente inocente, houve falha do Estado no caso. Há entendimento nesse sentido prolatado pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo no sentido de condenar o Estado ao pagamento de indenização por danos morais em razão de prender uma pessoa inocente. Na decisão, foi considerado que houve falha do Estado na verificação das informações que, por diligência, tinha condições de saber.
Portanto, no caso do debate, o pai que foi acusado injustamente pode pleitear indenização ao Estado, à mãe (ex-mulher) e à “amiga” que coagiu os filhos a acusarem o pai de abuso.

¹. Art. 928 do CC. O incapaz responde pelos prejuízos que causar, se as pessoas por ele responsáveis não tiverem obrigação de fazê-lo ou não dispuserem de meios suficientes.

² Art. 151. A coação, para viciar a declaração da vontade, há de ser tal que incuta ao paciente fundado temor de dano iminente e considerável à sua pessoa, à sua família, ou aos seus bens

3. Art. 22 - Se o fato é cometido sob coação irresistível ou em estrita obediência a ordem, não manifestamente ilegal, de superior hierárquico, só é punível o autor da coação ou da ordem.

4. TJ-SP - Apelação / Reexame Necessário REEX 38616520088260114 SP 0003861-65.2008.8.26.0114 (TJ-SP)

Laryssa Cesar
Advogada do escritorio Quintella&Costa
Pós-graduado em Direito Civil e Empresarial pela Damasio de Jesus 
Professora de Direito Civil da plataforma www.estudarparaoab.com.br


________________________________________________________________________________


O caso em questão traz à tona o instituto da revisão criminal. A revisão criminal é uma ação penal constitutiva que tem por escopo a reparação de erros judiciários penais, equivalente à ação rescisória no processo civil.

Quero lembrar que não existe revisão criminal pro societate, isto é, em prol da sociedade, só é possível este tipo de ação penal se for pro reo, ou seja, só é possível analisar um processo findo se for em benefício do réu.

Desta forma, quando o processo se finda e há indícios do ocorrido no art. 621, o réu ou procurador legalmente habilitado (ou, em caso de morte, por cônjuge, ascendente, descendente ou irmão) poderá pedir a revisão criminal.

  Art. 621.  A revisão dos processos findos será admitida:
        I - quando a sentença condenatória for contrária ao texto expresso da lei penal ou à evidência dos autos;
        II - quando a sentença condenatória se fundar em depoimentos, exames ou documentos comprovadamente falsos;
        III - quando, após a sentença, se descobrirem novas provas de inocência do condenado ou de circunstância que determine ou autorize diminuição especial da pena.

Art. 623.  A revisão poderá ser pedida pelo próprio réu ou por procurador legalmente habilitado ou, no caso de morte do réu, pelo cônjuge, ascendente, descendente ou irmão.

De acordo com a notícia, os advogados pediram a revisão porque os filhos alegam que não houve abuso sexual, que sob tortura foram obrigados a acusarem o pai. Desta forma, os depoimentos das crianças à época se tornaram falsos (inciso II). Assim, o processo inicial carrega uma série de contradições que colocam em dúvida a aplicação da sentença condenatória.

O que quero dizer com isso é que, apesar de toda a persecução, os institutos jurídicos que aplicam a pena, podem errar e colocarem, injustamente, alguém atrás das grades. Quero deixar claro que não estou a defender o apenado em questão, mas devemos levar em consideração que casos assim, infelizmente, são comuns. Sem uma análise real e qualitativa de todo o processo não posso dizer que é inocente, ou não.

Caso semelhante ocorreu nos EUA (não estou justificando a suposta inocência, estou apenas comparando dados e divulgando exemplos práticos), quando um policial ficou 20 anos preso injustamente por abuso sexual de seus filhos.

Investigações mais recentes revelaram que o chefe do Departamento de Polícia, com a ajuda de outro policial, fabricou provas contra Spencer, porque tinha um caso amoroso com a mulher dele e queria tirá-lo do caminho. Comprovado o erro judicial, Spencer foi libertado. (Fonte: https://www.conjur.com.br/2014-fev-16/estudo-mostra-porque-tantos-inocentes-sao-condenados-prisao-eua)

A National Registry of Exonerations organização da Faculdade de Direito da Universidade de Michigan, em 2013, divulgou seu relatório anual sobre a libertação de presos inocentes nos EUA, segundo o qual havia 87 condenações erradas (um número maior, considerando que nem todos os presos inocente têm essa sorte).

O Center of Wrongful Convictions da Faculdade de Direito da universidade Northwestern, a partir de 2012, levantou dados que mostram os crimes não cometidos pelo réu e os fatores que concorreram para a condenação (Você pode ver aqui: https://www.conjur.com.br/2014-fev-16/estudo-mostra-porque-tantos-inocentes-sao-condenados-prisao-eua).

Podemos concluir que, ainda que o sentimento da sociedade seja de que “quem está preso, deu motivos para estar lá”, ou “quem está preso é porque não é inocente”, a Justiça pode falhar e, muitas vezes, os presos que não cometeram os respectivos crimes, não têm a sorte de serem descobertos como tal. Pode não ser o caso noticiado em questão, mas devemos ser minuciosamente cautelosos antes de julgarmos e criarmos convicções.


Karla Alves
Bacharel pela Faculdade de Direito de Vitória - FDV
Advogada
Membro do Grupo de Pesquisas Direito, Sociedade e Cultura, da Faculdade de
Direito de Vitória – FDV.
Membro do NeCrim (Núcleo de Estudos em Criminologia), ligado ao Grupo de
Pesquisas Direito, Sociedade e Cultura, da Faculdade de Direito de Vitória - FDV

2 comentários:

  1. Só uma observação: no texto, colocou-se que a coação é uma excludente de ilicitude. Porém, o entendimento majoritário hoje é de que a coação, quando física e irresistível, exclui a conduta, logo é uma excludente de tipicidade; e, quando moral e irresistível, exclui a culpabilidade. No caso em questão, acredito que tenha havido coação moral irresistível.
    Se eu estiver errada, por favor, corrijam-me.
    Gostei mt do caso e dos comentários. Parabéns pelo conteúdo da página!

    ResponderExcluir
  2. "Se você é neutro em situações de injustiça, você escolhe o lado do opressor." Desmond Tutu

    A melhor maneira de combater a ALIENAÇÃO PARENTAL com a imputação de falsas memórias nas crianças, é levar a informação para toda a sociedade, "pesquise, divulgue, compartilhe, siga, curta, participe, opine e principalmente não pratique"

    Amor de um pai muda o mundo https://www.facebook.com/amordeumpaimudaomundo/photos/a.906863516016909.1073741828.906554906047770/1266349573401633/?type=3&theater

    ResponderExcluir