quinta-feira, 2 de novembro de 2017

DES) CONSTRUINDO O DIREITO: PORTARIA 1129 DO MINISTÉRIO DO TRABALHO E A NOVA DEFINIÇÃO DE TRABALHO ESCRAVO

Resultado de imagem para trabalho escravo



Quando estudamos sobre o “sociólogo” Karl Marx, entendemos que seus estudos são voltados para o Capitalismo e sua aplicação na sociedade. Desta forma, sendo aquele um fruto da sociedade moderna, compreendemos que a sociedade é divida em classes e as relações sociais são relações de produção.

Por conseguinte, Marx considera que as relações de produção são a base de toda a estrutura social. Assim, relações como cooperativistas (mutirão), escravistas (na antiguidade), servis (Europa feudal), capitalista (indústria moderna) podem ser vistas no pensamento Marxista.

E estas relações de produção, de acordo com Marx, provocam desigualdades sociais. Essas desigualdades formam o que ele chamou de classes sociais e são elas que encaixam os indivíduos nas relações em sociedade

A história de todas as sociedades que existiram até hoje tem sido a história das lutas de classes. Homem livre e escravo, patrício e plebeu, barão e servo, mestre de corporação e companheiro, numa palavra, opressores e oprimidos, em constante oposição, têm vivido numa guerra ininterrupta, ora aberta, ora disfarçada: uma guerra que sempre terminou ou por uma transformação revolucionária de toda a sociedade, ou pela destruição das duas classes em luta. (MARX, K. H.; ENGELS, F. Manifesto do Partido Comunista. 10. ed. São Paulo: Global, 2006).

Dividir a sociedade em classes é afirmar que de um lado estão os detentores dos meios de produção (classe dominante) e os trabalhadores (classe dominada) de outro. E por que estamos falando de Marx?

O modelo marxista é o que mais se aplica quando falamos de desigualdade social, seus estudos voltados para a economia explicam a relações de dominância existentes (no Brasil, como no caso). É como escolher óculos de grau: aquele que te permite enxergar com clareza será o escolhido para usar. Assim acontece nos modelos sociológicos, sempre terá um que irá se enquadrar melhor que outro, no caso o modelo marxista permite enxergar a situação a seguir.

No dia 16 de outubro de 2017, foi publicada no DOU (Diário Oficial da União) a Portaria 1129, a qual diz respeito à nova definição de trabalho escravo no Brasil. A portaria traz consigo um fator alarmante para que seja evidenciado o trabalho escravo: privação de liberdade.

Explico. Agora, para que se configure o trabalho escravo, é preciso comprovar que o trabalhador tinha seu direito de ir e vir impedido e que havia segurança armada no local para vigiá-lo (caso quisesse fugir). Tá, e as outras formas análogas à de escravo?

O Brasil tornou-se referência internacional no combate ao trabalho escravo, em 1995 reformulou este sistema (considerando que foi o último país das Américas a abolir a escravidão), a partir daí mais de 500 mil pessoas foram libertadas.

Tal Portaria é um retrocesso de 20 anos, já que a definição moderna de condições análogas à escravidão compreende desde o trabalho forçado até o serviço por dívida, condições degradantes e jornada exaustiva. De acordo com Plassat (da Comissão Pastoral da Terra – o qual há mais de 30 ajuda no resgate de pessoas no norte do país), 75% a 90% dos casos identificados como trabalho escravo, se devem a jornadas exaustivas e condições degradantes (Fonte: https://exame.abril.com.br/brasil/nova-lei-desconhece-a-face-do-trabalho-escravo-no-brasil/).

É uma interpretação restritiva da nova norma dizer que, apenas, a privação de liberdade é capaz de determinar a condição de escravo. Isso muda o sentido/conceito atual de trabalho escravo, impossibilitando na prática seu combate. Inclusive, modifica o art. 149 do Código Penal, o que também pode ser considerada uma violação constitucional dos direitos e garantias fundamentais e direitos humanos.

Art. 149. Reduzir alguém a condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto:
  Pena - reclusão, de dois a oito anos, e multa, além da pena correspondente à violência.

Tal Portaria, evidentemente, beneficia a bancada ruralista, esta medida tomada pelo atual presidente é uma forma de satisfazer estes setores do Congresso que estavam na iminência de votar uma segunda denúncia contra aquele.

No dia 24 de outubro, a Ministra Rosa Weber expediu uma liminar suspendendo a Portaria, baseada em arguição de descumprimento de preceito fundamental (aberta pelo Partido Rede Sustentabilidade), até que o julgamento do mérito da ação ocorra.

Segundo a ministra do STF , a portaria ao “restringir” os conceitos acerca da jornada exaustiva de trabalho e da condição análoga à escrava, fere direitos de trabalhadores garantidos na constituição brasileira. “A portaria vulnera princípios basilares da Constituição, sonega proteção adequada e suficiente a direitos fundamentais nela assegurados e promove desalinho em relação a compromissos internacionais de caráter supralegal assumidos pelo Brasil e que moldaram o conteúdo desses direitos”. (Fonte: Economia - iG @ http://economia.ig.com.br/2017-10-24/portaria-trabalho-escravo.html)

Desta maneira, outra questão que chama a atenção na Portaria é o fato de que a lista suja, que funciona desde 2003 e que traz consigo os nomes das pessoas que cometeram os crimes relacionados ao trabalho escravo, agora ficará unicamente nas mãos do Ministro do Trabalho, ou seja, a responsabilidade, antes dada a uma Equipe Técnica, agora traz a incerteza de punibilidade.

Sem falar que, de acordo com Leonardo Sakamoto, conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão, o trabalho escravo reduz custos na produção, sendo considerado concorrência desleal, o que levará os produtores internacionais a denunciarem o Brasil por conta disso (Fonte: https://exame.abril.com.br/brasil/nova-lei-desconhece-a-face-do-trabalho-escravo-no-brasil/).

Para o auditor fiscal do trabalho em Minas Gerais, Athos de Vasconcelos, a vulnerabilidade dos trabalhadores vindos de regiões pobres é explorada pelos empregadores – e o motivo porque se submetem a condições de trabalho precárias.  “Historicamente há problemas [de trabalho análogo ao escravo] em áreas rurais, principalmente em áreas mais isoladas, mas, de uma década para cá, mais intensamente, começaram a aparecer esses casos na construção civil e na confecção, geralmente explorando trabalhador do próprio país, migrantes de regiões pobres, e também de trabalhadores imigrantes que chegam ao Brasil do Haiti, da Bolívia”, comenta. Fonte: https://apublica.org/2017/10/no-mapa-o-trabalho-escravo-no-brasil/

No dia 27 de outubro, foi publicada pelo Ministério do Trabalho uma lista de 131 empregadores autuados por submeterem trabalhadores a condições análogas à de escravos. Dos listados, um terço é mineiro.

Abaixo, um gráfico dos setores na lista do trabalho escravo no país.

Fonte: Publica















Karla Alves
Bacharel pela Faculdade de Direito de Vitória - FDV
Advogada



Nenhum comentário:

Postar um comentário