segunda-feira, 26 de março de 2012

O STF e a Lei Maria da Penha


Como é de conhecimento geral, o STF, no julgamento da ADI 4424 (PGR) e ADC 19 (Senado) afirmou a constitucionalidade do tratamento especial dado à mulher em casos de violência doméstica, bem como da norma que aponta a competência das varas criminais para o julgamento das questões ali tratadas, até que instituído o Juizado da Violência à Mulher.

Afirmou também a inconstitucionalidade do condicionamento da ação penal, assegurando tratar-se, na hipótese, de crimes de ação pública incondicionada, não dependendo, portanto, de representação da vítima. De resto, afastou-se a possibilidade de retratação.

Não tivemos acesso ainda aos votos e, por isso, talvez incorramos em algum equívoco quanto à extensão do julgado. Mas, urge levantar algumas questões, de suma importância no contexto de nosso Direito e Processo Penal.

Em um mundo de transformações nessa área, em que se busca o incremento de outras formas de pacificação de conflitos tipificados como crime, com ênfase na restauração dos danos (quando cabíveis) e na diminuição dos rancores, a regra da obrigatoriedade da ação penal, inclusive para lesões culposas e lesões leves, pode se demonstrar bastante problemática em alguns níveis (de conflitos).

Certamente que a decisão alarga o campo de proteção naqueles casos em que o consenso e a pacificação dos espíritos nada mais é que simples manifestação da pujança do poder intimidatório do agressor. Mas, em outras situações, o princípio da legalidade e o impedimento da acomodação do conflito pelos interessados poderá também trazer danos aos envolvidos, minando uma possível sobrevivência da relação ou até mesmo diminuindo as chances de uma separação menos tormentosa.

De todo modo, não há como reduzir a complexidade da questão: o cobertor, público (Estado – Justiça) ou privado (dos interessados) é sempre insuficiente, deixando uma parte a descoberto. Mas, talvez, fosse possível admitir, expressamente, situações de exceção, nas quais o tempo e a manifestação reiterada da vítima, e as condições de convivência posterior – devidamente atestada pela assistência social e em juízo – de modo a impedir o caráter excessivamente retributivo que a sanção penal poderia assumir.

De outro lado, e do ponto de vista simbólico, a decisão pode ser bem explorada, de modo a se publicizar ao máximo a disposição estatal em reprimir e efetivamente proteger a mulher de uma violência historicamente incontestável, em que as bodas das núpcias são tingidas de vermelho, de sangue e de vergonha.

Por fim, merece elogios o reconhecimento da distinção de tratamento entre o homem e a mulher no ambiente doméstico. Aliás, distinção que se inicia até mesmo pela natureza das relações: o cotidiano doméstico é mais complexo que outros cenários de intimidade.
Mas, e por fim, uma dúvida: a violência doméstica em relações homoafetivas entre mulheres justificaria o tratamento mais rigoroso? Falta papel e tinta para tantas argumentações possíveis...

Por último: obrigatoriedade da ação não implica necessidade da prisão: outras cautelares, quando cabíveis e adequadas, poderão ser acionadas. 


Abraços!

Eugênio Pacelli

Fonte:Facebook do autor

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