Com a inclusão do artigo 318 no Código de Processo Penal, a prisão domiciliar pode ser decretada não só para condenados que cumprem pena em regime aberto, mas para todos os demais, inclusive presos provisórios, desde que estejam em situação grave de saúde. Com esse entendimento, somado ao de que o Estado tem o dever de dar assistência, cuidado e proteção aos detentos, em especial, dos que estão enfermos, a 2ª Vara da Fazenda da Comarca de Joinville (SC), concedeu prisão domiciliar a uma presa que estava doente e cumprindo pena em regime fechado.
A detenta entrou com o pedido de prisão domiciliar sob o argumento de que já está com 59 anos de idade e corre risco de sofrer enfarte do miocárdio ou AVC, possuindo lesão valvular aórtica. Disse ainda que um médico atestou que ela já apresentou perda de consciência. Sendo assim, afirmou que corria risco de morte e que precisava de cuidados médicos frequentes, sendo que o cárcere estava piorando sua saúde gradativamente.
Ao acatar o pedido, o juiz João Marcus Buch destacou que era fato notório que o presídio na qual a presa estava não possuía atendimento médico local, sendo isso, aliás, objeto de Ação Civil Pública proposta pelo Ministério Público. Apontou ainda para a “notória a absoluta falta de condições do ergástulo local para recolhimento de detentos com saúde precária”.
Constatou o juiz, que debilitada fisicamente, a presa aguardava perícia médica, “na esperança de poder sobreviver à doença e à prisão”. Entretanto, o Estado providenciou o encaminhamento da presa ao Instituto Médico Legal para que fizesse os exames necessários solicitados por sua defesa.
“Pela precariedade do estado de saúde da presa, da situação prisional a que se acha submetida, quer parecer que há violação à norma constitucional que determina, ao Estado e a seus agentes, o respeito efetivo à integridade física da pessoa sujeita à custódia do Poder Público (artigo 5º, inciso XLIX, da Constituição Federal)”, entendeu o juiz. "O artigo 40 da Lei de Execução Penal exige de todas as autoridades o respeito à integridade física e moral dos condenados e dos presos provisórios; sendo que o direito à saúde vem reafirmado no artigo 41, inciso VII, do mesmo diploma."
De acordo com o artigo 318 do CPP, o juiz pode substituir a prisão preventiva pela domiciliar quando o agente for maior de 80 anos; extremamente debilitado por motivo de doença grave; imprescindível aos cuidados especiais de pessoa menor de seis anos de idade ou com deficiência; e/ou gestante a partir do sétimo mês de gravidez ou sendo esta de alto risco. Para o juiz, o texto possibilita a concessão de prisão domiciliar a preso em qualquer regime, “com requisitos como se vê mais flexíveis”.
Ler decisão:
]Autos n° 038.10.039702-3
Ação: Execução Penal/Execução Penal
Autor: Justica Pública
Apenado:
VISTOS...
Trata-se de pedido de prisão domiciliar em razão de saúde.
Lamentável, pois os autos aguardam perícia urgente desde 29.9.11 (fl.76). A demora
não pode ser atribuída à reeducanda, pois houve retardo no cumprimento de atos
processuais e também burocracia desnecessária por parte da administração. Não
cabe à reeducanda ser intimada para comparecimento junto ao IML mas sim a este
Instituto juntamente com o Presídio ajustar a condução (vide fls.80-7).
Em virtude disso, passa-se a deliberar, independentemente da realização do laudo
médico pericial.
É certo que o art.117, da LEP estabelece que o recolhimento do reeducando em
residência particular restringe-se ao beneficiário de regime aberto.
Porém, no caso dos autos a situação deve ser vista com redobrada atenção e cuidado.
Em 22.9.11 o defensor postulou a prisão domiciliar sob o argumento de que a
reeducanda, com 59 anos de idade, corre risco de sofrer enfarte do miocárdio ou AVC,
possuindo lesão valvular aórtica. Disse inclusive que o médico Norberto Cabral atestou
que a reeducanda já apresentou perda de consciência. Aventou assim que a
reeducanda corre risco e que precisa de cuidados médicos frequentes, sendo que no
cárcere está com sua saúde piorando gradativamente (fls.38-40).
Denotando boa-fé, requereu o defensor a realização de perícia médica oficial na
reeducanda, apresentando até mesmo quesitos.
Conforme certidão de fl.46 foram juntados exames médicos realizados pela
reeducanda.Na espécie, as condições de saúde do reeducanda, é certo, são precárias, conforme
exames juntados e alegação feita pelo defensor. Além do mais, a reeducanda já está
com 59 anos de idade, o que de certa forma acentua seu problema de saúde.
Por outro lado, é fato notório que o Presídio não possui atendimento médico local,
sendo isso aliás objeto de ação civil pública proposta pelo Ministério Público junto à 2ª
Vara da Fazenda da Comarca de Joinville. Além do que também é notória a absoluta
falta de condições do ergástulo local para recolhimento de detentos com saúde
precária.
Com efeito, pela precariedade do estado de saúde da reeducanda, da situação
prisional a que se acha submetida, quer parecer que há violação à norma
constitucional que determina, ao estado e a seus agentes, o respeito efetivo à
integridade física da pessoa sujeita à custódia do Poder Público (artigo 5º, inciso XLIX,
da Constituição Federal).
Principalmente, a amparar estes direitos, encontra-se o fundamento da dignidade da
pessoa humana (art.1º, III).
Ademais, o art.40, da LEP, exige de todas as autoridades o respeito à integridade
física e moral dos condenados e dos presos provisórios; sendo que o direito à saúde
vem reafirmado no art.41, VII, do mesmo Diploma.
E mais, atualmente o próprio Código de Processo Penal veio a disciplinar a prisão
domiciliar para presos, sejam provisórios ou condenados.
Dispõe o CPP:
Art. 317. A prisão domiciliar consiste no recolhimento do indiciado ou acusado em sua
residência, só podendo dela ausentar-se com autorização judicial." (NR)
"Art. 318. Poderá o juiz substituir a prisão preventiva pela domiciliar quando o agente
for:
I - maior de 80 (oitenta) anos;
II - extremamente debilitado por motivo de doença grave;
III - imprescindível aos cuidados especiais de pessoa menor de 6 (seis) anos de idade
ou com deficiência;IV - gestante a partir do 7º (sétimo) mês de gravidez ou sendo esta de alto risco.
Parágrafo único. Para a substituição, o juiz exigirá prova idônea dos requisitos
estabelecidos neste artigo." (NR)
Destarte, antes a previsão de prisão domiciliar era apenas para reeducandos
em cumprimento de pena em regime aberto (art.117, da LEP). Agora, com este
dispositivo a prisão domiciliar será possível para os presos provisórios e por óbvio
também a todos os demais presos, independentemente do regime, com requisitos
como se ve mais flexíveis.
Neste contexto a reeducanda, debilitada fisicamente, está a aguardar perícia médica,
na esperança de poder sobreviver à doença e à prisão.
Entretanto deve estar a esta altura desprovida de esperanças, provavelmente em uma
cela superlotada, úmida, suja, sujeita a todas as mazelas e perniciosidades que este
tipo de ambiente tráz, aguardando lentamente sua morte.
Enquanto isto o Estado, olvidando sua única razão de ser, que é resguardar os direitos
fundamentais do ser humano, volta-lhe as costas, somente lhe mostrando a face para
lhe infligir o cárcere.
Outro caminho não resta, por uma questão humanitária assim, que não seja o da
concessão da prisão domiciliar.
Em caso semelhante, o eminente Desembargador Jorge Mussi, relator do habeas
corpus n.2003.010902-1, de Joinville/SC, assim já se manifestou, ipsis verbis:
"Não pode o Estado, a quem incumbe o dever de assistência, cuidado e proteção dos
cidadãos, através do Poder Judiciário, quedar inerte diante de especialíssima e
precária condição em que se encontra a paciente - gravemente enferma, com
dificuldades de locomoção e em situação que necessita constante assistência de
terceiros para os atos do dia-a-dia, de médicos e fisioterápica - de forma a concorrer,
pela omissão, com a situação de risco de ofensa à integridade física a que se submete
diariamente, com os potenciais danos que tal situação pode acarretar a sua já frágil
saúde."
DIANTE DO EXPOSTO:
1- Independentemente do laudo médico pericial determinado e não realizado até o momento, por uma questão humanitária, presentes os requisitos legais do art.117, da
LEP, por analogia, c/c art. 317 e art.318, II, ambos do CPP, defiro o pedido de prisão
domiciliar para a reeducanda Delminda Sant'ana, mediante as condições
estabelecidas no art.115, I, III e IV, da LEP.
2. Requisite-se informação ao Presídio sobre o motivo do não encaminhamento da
reeducanda ao IML, conforme ofício de fl. 81. Prazo: 15 dias.
3. Requisite-se ao IML a realização da perícia, observados os quesitos apresentados.
Prazo: 15 dias. Esclareça-se ao IML que caso o perito entenda necessário deverá
ajustar diretamente com a administração carcerária o encaminhamento da
eeducanda, ainda que em prisão domiciliar.
4. Intimem-se o Ministério Público e defensor.
Joinville (SC), 22 de março de 2012.
João Marcos Buch
Juiz de Direito
Fonte: Conjur
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