domingo, 13 de maio de 2012

Artigo: O cidadão de-bem, o advogado, os criminosos, o processo penal e a correlação entre eles.

É de impressionar a forma como algumas pessoas compreendem a atividade do advogado, sobretudo no processo penal.

Com a publicação de uma simples notícia, na qual se fala em 'suspeito' ou 'acusação', um considerável número de cidadãos passa a reputar o imputado como culpado e o advogado como auxiliar do (hipotético) delito.

De fato, não sei se isso se trata de uma deficiência em relação ao entendimento das funções semânticas de termos como "acusado'', ''suspeito'' e ''denunciado'' (termos estes que, sob pretexto qualquer, são sinônimos de ''culpado'' [Pode conferir! pegue o seu Aurélio ou acesse o priberam na internet.]), ou é, de fato, a confirmação induvidosa de que somos seres sádicos, que nos favorecemos egocentricamente com a (mera) impressão de que 'há alguém pior do que eu; logo, sou superior'. (Silogismo dos mais burros, aliás, capaz de envergonhar Aristóteles).

A questão é que uma grande parte da sociedade têm a (vesga) visão de que, uma vez publicada na imprensa, a ''notícia'' se torna ''fato'' (leia-se, ''delito'') e, mais do que isso, o fato se torna inarredável, petrificado, insofismável.

É a exposição mais clara de que ainda se vive em tempos onde prevalece o adágio 'adequatio rei et intellectus' (adequam-se as coisas ao pensamento), a despeito do 'adequatio intellectus et rei' (adequam-se os pensamentos aos fatos), pois a imaginação criada a partir da leitura ou da audição passa a guiar as opiniões do indivíduo, impedindo que ele aceite qualquer prova em contrário....

E aí, se inicia o retrocesso social, onde se (re)torna a um período onde a simples alegação acusatória é a prova fundamental de uma sentença de punição e de todos os infamantes efeitos que daí decorrem.

"- Ora! Se a imprensa diz, é verdade", pensa Seu Joaquim. " - Imagine só! Se o William Bonner e a Fátima Bernardes (agora, Patrícia Poeta) perderiam seu tempo noticiando uma situação que é mentira?!" - completa, com garra, a Dona Maricota. E nisso o julgamento está feito, o circo armado, o réu encurralado e o advogado demonizado.

Ah, ele, o Advogado. Na definição do dicionário popular é o 'Ser que cobra pra defender uma 'estória' contada por um 'vagabundo/mentiroso'; Já para o verbo 'advogar' se tem a (equivocada) explicação de 'Ato ou efeito de ganhar [muito] dinheiro às custas de uma boa oratória, de um sem-fim de demora no processo e de todas as artimanhas da mentira'.

E, nessa conjectura, o indivíduo vai se sentindo cada vez mais isento, cada dia mais honroso e, a cada instante, mais injustiçado por pagar impostos tão caros e ser cruelmente tarifado no pedágio que passará, logo adiante.

Eis que ele, o 'Indivíduo' (com ''I'' maiúsculo) - ou, se preferir, chame-o, também, de cidadão -, escora o seu (5º) copo de cerveja na mesa, arrebata a chave de seu carro por entre os dedos, e se lança em uma dessas "BR's" ''recapadas'' e/ou repavimentadas'' (mas que continuam esburacadas), pois já passa da 1:30 da manhã.

Ao passar o já anunciado (e ultrajante) pedágio, revigorado por saber que, nesse universo de (más) pessoas, (bons) assaltantes e (simplesmente) advogados, ele é um 'cidadão de bem', o nosso Sr. indivíduo é chamado ao acostamento pelos 'tiras'.

" - Mas que desrepeito! Ao invés de estarem prendendo bandidos estão aqui, dando 'atraque' em gente 'de-bem" (primeiro sintoma de auto-garantismo penal).

Sucedido isso, o policial pede (ou, sejamos francos, ordena!) que o nosso 'bom-senhor' faça o teste do bafômetro e demonstre para a 'maquininha' (também conhecida como 'etilometro') que está em condições de (se) guiar estrada a fora.

''- Não vou fazer o teste. Não sou obrigado. Sei que não tenho o dever de gerar prova contra mim. Mais do que isso, posso ficar em silêncio, pois, está na Constituição Federal.'' (segundo sintoma de auto-garantismo penal).

De pronto, ingada o (Sr.) guarda:

'' - Mas o senhor bebeu, então?(!!!) Noto que, pelo seu semblante, o senhor ostenta sinais de embriaguez.''.

Nesse passo, vendo-se nesse enrosco, nosso bom cidadão de-bem se dispõe a soprar a ''maquininha'', expelindo de seus pulmões - através da boca, gize-se - uma mistura que contém, sobretudo, ''O²'' e ''OH'', sendo que, minutos depois, o visor do aparelho demonstra algo ''igual ou superior a 0,6 decigrama de alcool por litro de sangue.'' (situação devidamente listada como crime pelo art. 306 da Lei nº. 9.503/97 - Código de Trânsito Brasileiro).

" - O sr. está preso." (dispensável indicar o emissor desta frase).

'' - Mas o que é isso?! Como assim, 'está preso!'? Tenho os meus Direitos! Sou um cidadão honesto. Pago meus impostos. Não sou criminoso!" (nota do autor: Sim, meu senhor, o senhor é, agora, um criminoso! A rigor, criminoso é, simplesmente, ''aquele que comete um - ou mais - crime(s)''. E Vossa Senhoria acabou de assim fazer. Logo...)

De forma rápida, o agente policial pontifica:

'' - Senhor! Tenho que, com essa conduta, o Sr. está resistindo a prisão e, ao mesmo tempo, me desacatando. Juntamente ao flagrante por crime de embriaguez ao volante, o sr. será, também, indiciado pelas infrações de desacato a autoridade (art. 331 do Código Penal) e resistência (art. 329 do Código Penal).

(Parabéns, cidadão honesto! Você acaba de se converter à condição de ''bandido'' e está preso.)

Eis que surge a questão. '' -Quem devo chamar? Ah! Tem ''ele(s)''. O(s) advogado(s). Aquele(s) que pode(m) demonstrar a minha ''inocência'' e manter intacta a minha reputação perante a sociedade. ''.

Enfim, prezados senhores cidadãos de bem, no dia seguinte, o William Bonner e a sua companheira de banca (seja lá qual for) dirão o nome de nosso (ex) companheiro no noticiário das 20h:15m; Nesse momento, os (ainda) cidadãos honestos passarão a não mais lhe ver como um 'deles', pedirão por ''Justiça'' através penas máximas e, ainda, reclamarão pelo fato de a legislação penal ser branda.

Seu advogado (ser repugnante, idealista, mercenário e mentiroso) estará, provavelmente, na ponta dos pés, em frente ao fórum, para ver se há, lá, um plantonista desperto, para tentar demostrar que, apesar de tudo, o senhor ainda é um indivíduo ''de-bem'' e que, muito embora tenha bebido ''um pouquinho de nada'', não houve qualquer tipo de desacato ou resistência à prisão, de modo que a preventiva (já) decretada - com base na (sempre conveniente) manutenção da ordem pública - não se justifica.

E tudo isso acontece enquanto o ''bom-cidadão'' está incomunicável com o mundo, em uma cela de 4x4m, com seus novos companheiros (sim, ''eles'', os ''genuínos'' criminosos).

E aí virá a importância dos princípios ''dos vagabundos'', de uma pena razoável e proporcional, da constatação do colapsado sistema penitenciário e de que os ''fatos'' vão (muito) além da simples notícia e das (rasas) concepções populares.

Tá, mas e o advogado, onde é que fica nesse enredo?

Onde ele fica?

Provavelmente tá elaborando o seu habeas, seu ''cidadão-criminoso'', e sendo criticado por seus antigos companheiros, em razão defender um ''mau-caráter'' como o senhor.


Fonte: Affonso Celso Pupe Neto

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