Para algumas pessoas, a expressão “Amor Bandido” possui uma conotação literal. Cinco delas protagonizam o documentário Se Eu Não Tivesse Amor, da cineasta carioca Geysa Chaves, que acompanha as histórias reais de cinco mulheres encarceradas por terem se envolvido na vida criminosa de seus maridos, namorados ou namoradas.
Concluído em dezembro de 2010 e, desde então, exibido em diferentes festivais pelo Brasil, o filme demorou dois anos para ser produzido e foi bancado por recursos da cineasta.
Seu cenário central é a unidade prisional Talavera Bruce, do Complexo de Bangu, no Rio de Janeiro, considerada modelo na ressocialização de presos. Segundo dados do presídio, 70% de suas detentas trabalham e estudam.
Ainda de acordo com números divulgados no documentário, no Brasil há cerca de 290.000 presos, sendo 6% mulheres. Durante a rodagem, de cada dez presas do Talavera, nada menos do que nove estavam cumprindo pena por participação direta ou indireta nos crimes praticados por seus companheiros sentimentais.
“Amor” e “Falta de Amor”
Há dois pontos principais que levam mulheres ao crime, segundo o dr. Carlos Eduardo Carvalho de Figueiredo, juiz corregedor da Vara de Execuções Penais e um dos entrevistados do documentário: “o amor” (atração pelo parceiro ou pela parceira, mesmo que eles sejam criminosos) ou “a falta de amor”(mulheres abandonadas por homens, muitas delas excessivamente jovens e já com mais de um filho).
“E aí, do lado da casa dela tem a boca, que oferece tanto por mês para ela ir lá embaixo vender cocaína, maconha, o que seja”, teoriza Figueiredo logo no início do filme.
As personagens de Se Eu Não Tivesse Amor são Dione, Luciana, Jaqueline, Jennifer e Jéssica, que se entregaram de corpo e alma a criminosos, e aceitaram suas escolhas, alegando encantamento com seus estilos de vida ou pura alienação, para tornaram-se também traficantes, assaltantes e criminosas.
Conheça um pouco de cada relato (com fotos de Felipe Gaspar – feitas propositalmente com as cinco bem vestidas e maquiadas, fugindo ao estereótipo de presidiárias):
DIONE, brasileira, 27 anos, presa por roubo de cargas, pena de 42 anos de reclusão
“Eu estava fazendo aquilo, que já doía meu coração…”, revela Dione, evocando os momentos em que abordava os caminhoneiros – ironicamente a mesma profissão de seu pai – para roubar-lhes as cargas com o parceiro (por quem havia deixado o marido). Foi Miss Penitenciária 2010.
Melancólica e nostálgica, ela relembra um ditado que ouvia de seus cúmplices: “vivos somos traídos, presos esquecidos; mortos, deixamos saudades”. Condenada a 42 anos de reclusão, depois de sucessivos recursos Dione teve a pena reduzida para 39 anos, dos quais já cumpriu sete, passando a regime semiaberto.
LUCIANA, brasileira, 23 anos, presa por tráfico ilícito de substância entorpecente, pena de 10 anos de reclusão
Em seu depoimento, Luciana fala um pouco do poder e glamour que o status de “mulher de bandido” pode gerar em favelas dominadas pelo crime. De acordo com ela, foi por influência do marido que se iniciou em pequenos serviços de entrega, até ser flagrada com grande quantidade de drogas e munição de armas pesadas. Nessa ocasião, diz quase ter sido “entregue” pelos policiais a criminosos de outra facção.
“Falar lá fora que ama é fácil, amar aqui dentro é o difícil”, lamenta Luciana que, após se envolver em brigas na cadeia, foi transferida para Bangu 8 e hoje se encontra em regime semiaberto, na Unidade Prisional Oscar Steveson. “Aqui dentro a gente vê quem ama e quem não ama”.
JAQUELINE, brasileira, 42 anos, presa por furto a residências, pena de 25 anos de reclusão
Esta ex-motorista de táxi era tratada a pão-de-ló pelo marido, um homem bonito, elegante, charmoso e que sempre aparecia em casa com presentes caros. Visitava condomínios de luxo como possível compradora, para depois roubá-los com a ajuda do cônjuge marginal.
“Não penso em retornar nunca mais [à prisão], e olha que nunca mais é muito tempo”, conta a arrependida Jaqueline. Com 11 dos 15 anos aos quais fora condenada já cumpridos, ela recebeu liberdade condicional em 2010.
JENNIFER, francesa, 23 anos, presa por tráfico internacional de substancia entorpecente, pena de 6 anos de reclusão
“Pelo amor de Deus, depois de 6 anos presa, tem que voltar à vida chique, pelo amor de Deus, não aguento mais de cadeia, de palavrões, não aguento mais de ‘sim senhora’”, desabafa Jennifer, quase 100% fluente e sem sotaque francês.
Ela clama que não sabia das atividades do traficante internacional que a seduziu, e com quem viria a ter dois filhos. O suposto sonho ruiu quando, retornando com a irmã de uma viagem oferecida por ele, teve a malas revistadas e rasgadas pela polícia já no avião. A bagagem estava repleta de cocaína.
“Não aguento mais de tudo isso, quero ser livre, andar na rua, poder ver o céu quando eu quiser, sentir o ar, ver as estrelas – eu quero pegar uma fila gigante de Mc Donald’s”, continua Jennifer, que no decorrer das filmagens passou a regime semiaberto e sofreu um grave acidente automobilístico. Cumpriu a pena até o final e agora divide o tempo entre o trabalho, palestras sobre o filme ao lado de Geysa Chaves e a recuperação de sua saúde (o acidente a deixou com sequelas na memória).
JÉSSICA, brasileira, 22 anos, presa por associação ao tráfico, pena de 10 (dez) anos de reclusão
Detida por fornecer maconha à sua namorada, então reclusa em Bangu, Jéssica provaria o gosto amargo da traição; ao ser libertada, a amante, por quem diz ter sido presa, teria ido morar em sua casa, com outra mulher, sem lembrar de visitá-la ou sequer escrever-lhe. Seu filho foi enviado a um abrigo, e ela quase perdeu a guarda
“Tudo o que eu fiz foi porque eu amava muito”, admite no filme Jéssica, que obteve liberdade condicional em março deste ano.
Fonte: Veja
Nenhum comentário:
Postar um comentário