terça-feira, 5 de março de 2013

Paulo Roberto D'Almeida: "PEC 37 não tira poder do MP porque não se pode perder aquilo que não se tem"


Segundo presidente da associação de delegados de polícia, projeto que limita poderes do Ministério Público apenas cumpre a Constituição


Paulo Roberto D’almeida, presidente da Associação dos Delegados de Polícia do Brasil (Adepol) (Foto: Divulgação)
Uma comissão especial da Câmara aprovou em novembro um polêmico projeto para emendar a Constituição. A PEC 37 modifica a Constituição para definir que apenas as polícias podem iniciar uma investiagação. Na prática, o projeto tira o poder do Ministério Público, que atualmente se destaca como um dos principais órgãos de combate à corrupção no Brasil. 
Para ser aprovado, o texto ainda precisa passar por duas votações na Câmara e duas no Senado. Mas a aprovação em comissão especial no mesmo mês em que o Supremo Tribunal Federal encerrava o julgamento de um dos principais escândalos do país, o mensalão, foi o suficiente para iniciar a polêmica. A PEC foi rapidamente apelidada pela associação dos procuradores da República como "PEC da Impunidade", enquando os delegados de polícia, favoráveis à mudança na Constituição, a chamam de "PEC da legalidade".
Para entender melhor o caso, ÉPOCA entrevistou o delegado e presidente da associação de delegados de polícia, Paulo Roberto D’Almeida, e o presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), Alexandre Camacho
Segundo D’Almeida, o MP não pode iniciar investigações, pois se o fizer estará produzindo provas para si mesmo.
ÉPOCA - Por que a associação dos delegados de polícia é a favor da aprovação da PEC 37?
Paulo Roberto D’Almeida - 
Porque nós entendemos que é preciso cumprir a Constituição. A Constituição fala, de forma expressa, que compete às polícias civis e à Polícia Federal a apuração das infrações penais.
ÉPOCA - A Constituição não coloca o MP como alguém que pode iniciar uma investigação?
D’Almeida -
 É bom esclarecer esse fato. Nós entendemos que o Ministério Público é extremamente importante para a sociedade brasileira. Mas, no sistema brasileiro, cada um tem o seu papel. O juiz julga, o MP acusa, os advogados defendem e a polícia produz prova. A Constituição diz que o Ministério Público é o fiscal da lei e o titular da ação penal pública, o que é um trabalho importantíssimo. Ele pode requisitar a qualquer momento a abertura de investigações ou de inquéritos policiais. Mas, se for fazer a investigação, ele está produzindo prova para ele mesmo. Além disso, corremos um risco muito grande com essas investigações, porque o MP age sem amparo legal.
ÉPOCA - Isso quer dizer que o Ministério Público pode acusar, mas não tem amparo legal para investigar?
D’Almeida - 
A acusação é um procedimento após a investigação. Quando acontece algum fato, a polícia vai produzir provas. Se o Ministério Público for colher as provas, ele pode investigar apenas aquilo que serve para ele fazer a acusação. O Ministério Público, da forma como vem agindo, está selecionando casos.
ÉPOCA - Por isso, a PEC quer tirar esse poder do Ministério Público?
D’Almeida -
 Isso é importante explicar. Nós não estamos tirando poder de investigação do Ministério Público, porque não se pode perder aquilo que não se tem. Queremos apenas fazer o que a Constituição diz. Na Constituinte em 1988, por exemplo, o Ministério Público tentou aprovar sete emendas que permitiam a investigação. Essas emendas foram derrubadas na época, justamente porque o Ministério Público é parte do processo criminal. Ele não pode produzir provas para si mesmo. Não estamos tirando atribuição de ninguém. Não estamos tirando atribuição de CPIs, das polícias legislativas, de investigações administrativas que são feitas por órgãos públicos como TCU, Anvisa, Ibama. Eles continuam fazendo suas investigações administrativas. O Ministério Público continua fazendo investigações quando envolve membros do seu próprio segmento. Não estamos defendendo monopólio de investigação para a polícia.
ÉPOCA - Esse é um dos argumentos contra a PEC. Eles dizem que os delegados querem manter o monopólio das investigações por meio do inquérito policial.
D’Almeida -
 Como nós vamos falar em monopólio se a própria Constituição diz que a apuração das infrações penais é da Polícia Judiciária? Isso não é monopólio. Se você for na Constituição, vai ver quais são as atribuições do Ministério Público. O Ministério Público é o fiscal da lei. Aí uma pergunta fica no ar. Se o MP vai fazer a investigação, quem vai fiscalizar o fiscal? Ele fica sem controle. O que nós queremos é que cada um faça seu papel, inclusive no combate à corrupção. Já o inquérito policial é uma forma de defesa do cidadão. Porque o cidadão pode estar sendo investigado e nem saber. É muito fácil investigar uma pessoa. Se interessar, investiga, se não, arquiva-se. Quando se instaura o inquérito, não se arquiva nada, tem que dar satisfação à Justiça, prestar contas. O cidadão tem que saber o que está sendo feito contra ele.
ÉPOCA - O combate à corrupção não fica prejudicado?
D’Almeida -
 De forma alguma. Quando o Ministério Público aparece na mídia, para a população, geralmente ele está levantando um caso. Enquanto isso, a polícia trabalha com milhares de casos. Só que esses milhares de casos não são de interesse da mídia, então ninguém vê. Outra preocupação é sobre as falhas de estrutura. Dizem que a polícia não tem estrutura para fazer todas as investigações. Se o MP começar a fazer todas as investigações, vai ter estrutura pra isso? Nós vimos recentemente essa situação com o procurador-geral, que demorou a apresentar denúncia contra o senador Renan [Calheiros, presidente do Senado], em um processo que é de 2007. O próprio Gurgel disse que estava debruçado no caso do mensalão. Esse caso, como tantos outros, foi prejudicado porque eles não tiveram tempo. Ora, eu pergunto: tem que se escolher um caso? A polícia tem estrutura para investigar vários casos. Agora, se de fato existe um problema de estrutura na polícia, compete ao Ministério Público, como fiscal da lei, tomar providência junto ao Estado para que se dê estrutura para a polícia, para que a polícia tenha condição de trabalhar.
ÉPOCA - Se a PEC for aprovada, o que acontece com as investigações atuais do MP?
D’Almeida -
 O próprio texto da PEC ressalva todos os procedimentos que foram feitos pelo Ministério Público até então. A partir da publicação, todos os procedimentos são ressalvados, eles não são passíveis de nulidade. Por que o legislador colocou esse artigo? Porque as investigações estavam sendo feitas sem amparo legal. A ressalva vai validar as investigações que o Ministério Público fez. A partir da publicação, cada um vai cumprir o seu trabalho – de forma integrada, mas cada um fazendo seu trabalho.
ÉPOCA - Na sua opinião, a PEC vai passar no Congresso?
D’Almeida - 
O assunto está sendo exaustivamente discutido. O que eu quero é colocar o trabalho no campo de debates. Sem inverdades. Nós não estamos querendo tirar poder do Ministério Público, não queremos impunidade. Tem que ser esclarecido para que todos possam trabalhar respeitando o Estado de direito.

época

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