O estado do Mato Grosso do Sul está em
busca de uma instituição que mantenha um assassino afastado da sociedade e ao
mesmo tempo possa oferecer-lhe tratamento. Dionathan Celestrino em 2008, quando
tinha 16 anos, cometeu 3 assassinatos; estrangulou suas vítimas, marcou-as com
escritos a faca e deixou os corpos em formato de cruz, capturado, alegou que
matou porque as pessoas eram impuras; foi encaminhado para uma Unidade de
internação de menores infratores, fugiu desta no início de março deste ano e
agora, recapturado pela polícia paraguaia, foi entregue às autoridades
brasileiras.
A situação é realmente complexa, pelo
Estatuto da Criança e do Adolescente, Dionathan deverá ser colocado em liberdade,
mas esta ordem precisa ser judicial e o ministério público deve ser ouvido. Se
já tem 21 anos, não tem pendências com a justiça em relação aos crimes
cometidos antes dos 18 anos, se apresenta doença mental grave em surto precisaria
então ser internado num leito psiquiátrico. Mas e a segurança dos profissionais
do hospital? Profissionais de saúde mental geralmente não estão preparados para
lidar pessoas com alto risco para reincidência criminal. Hospitais com leitos
psiquiátricos ou hospitais psiquiátricos normalmente apresentam uma contensão
limitada contra fugas. Um imbróglio.
O estado de São Paulo criou em 2007 a
Unidade Experimental de Saúde UES (a denominação não ajuda) atendendo uma
demanda do Ministério Público Estadual para abrigar situações assemelhadas ao
de Dionathan, na época Champinha estava no centro dessas discussões. Os
encaminhados para esta instituição foram interditados civilmente e considerados,
por laudos psiquiátricos, com elevado risco de reincidência criminal devido a
grave psicopatia. Na UES há segurança contra fugas e tratamento
multidisciplinar. Entretanto esta unidade agora é alvo da Procuradoria da
República em São Paulo para ser fechada. A existência da Unidade é realmente
polêmica, nela estão indivíduos que cometeram crimes ainda menores de idade, mas
hoje já tem mais de 21 anos, os presos nesta unidade estão sob o status de
interditados civis e sua manutenção justificadas pelo Artigo 1.777 do Código
Civil que garante ao interdito o recolhimento a estabelecimentos adequados quando não se adaptarem ao convívio
doméstico.
Os que defendem os direitos de liberdade
daqueles que estão na Unidade Experimental tem muita razão legal, mas pouco
respaldo na sociedade. O ECA é claro ao afirmar que a liberação será compulsória aos vinte e um anos de idade. Mas quem
assina para colocar Champinha em liberdade?
A redução da maioridade penal ajudaria a
diminuir o número que situações que se enquadradem nesse limbo institucional. A
medida de segurança em regime fechado, ou seja, o encaminhamento para Hospitais
de Custódia ou mesmo outra instituição, poderia, por exemplo, ser determinada a
partir dos 16 anos e a responsabilização não seria extinta aos 21 anos. E isso
é só um argumento a mais a favor do debate da maioridade penal que é bem amplo,
mas não é foco deste texto.
Hospitais de Custódia e Tratamento
Psiquiátrico recebem pessoas destinadas à medida de tratamento em regime
fechado, são instituições onde há tratamento psiquiátrico e garantia de
segurança para o internado e à sociedade. Hoje o tratamento em medida de
segurança só é determinado para maiores de 18 anos. Pela legislação atual os
menores são considerados inimputáveis sempre, e no caso de crimes graves são
internados em instituições para menores onde recebem o tratamento sócio educativo
e, se necessário, o tratamento médico adicional acaba sendo rede pública ambulatorial
do SUS.
O estado do Mato Grosso do Sul, como
unidade federativa, existe desde 1979. Cabe muito bem a pergunta do porque
deste estado não ter um Hospital de Custódia. Essa instituição está prevista
nos Código penal, Código de Processo Penal e Lei de Execuções Penais. O que o
estado tem feito esses anos com seus condenados à medida de segurança em regime
fechado? Como já afirmei, a internação psiquiátrica nem sempre oferece a
contensão necessária para casos, em que decorrentes da doença mental, há
surgimento de comportamento violento.
São casos de exceção? Sim. Mas eles
existem. Não estou afirmando que a doença mental predispõe a violência.
Ainda com tudo isso, o Ministério Público
da União, em 2011, surpreendentemente publicou um parecer detalhado sobre medidas
de segurança, hospitais de custódia e tratamento psiquiátrico sob a perspectiva
da Lei 10216/2001, que versa sobre os direitos proteção dos portadores de
transtornos mentais, em que propõe a progressiva desativação dessas
instituições em 10 anos, sob o argumento que um reconhecido portador de doença
mental, com necessidade de internação psiquiátrica, deveria ser encaminhado
para instituição comum de tratamento psiquiátrico, omitindo-se de debater o
comportamento violento, vivência criminal ou tendência à fuga.
A citada lei trouxe avanços ao estabelecer
que o poder público deve dar prioridade no investimento de tratamentos em
serviços comunitários e abertos, porém isso
não deveria significar a extinção de outros equipamentos de tratamento, ao
invés disso, dever-se-ia investir na melhoria da qualidade do atendimento
também nessas instituições consideradas asilares, toda a sociedade ganharia com
isso.
Leandro C S Gavinier, psiquiatra forense no
Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico de Taubaté-SP
Leandro C S Gavinier, psiquiatra forense no Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico de Taubaté-SP
Trata de um tema bastante complexo uma vez que ocorre ofensa ao ECA manter "custodiado" uma pessoa ao completar 21 anos. Por outro lado o que fazer com esse indivíduo? Alguém que estava internado de acordo com o ECA mantê-lo agora sob o argumento do C.Civil é "legalmente" permitido ou aceito?
ResponderExcluirExcelente texto! Concordo que deveria haver medida de segurança aos portadores de transtornos mentais, menores de 18 anos, que oferecem risco à sociedade, pois a medida socioeducativa não surte efeito, eles precisam de tratamento adequado e, além disso, coloca em risco a vida dos demais. Porém, é preciso investir na estruturação dos chamados Hospitais de Custódia e Tratamento Psiquiátrico (HCTP) que estão abandonados e, muitas vezes, oferecem tratamento desumano aos portadores de transtornos mentais. Ademais, há uma discussão a respeito do limite de 30 anos de internação no HCTP, sob pena de virar prisão perpétua. Concordo, desde que a família se disponha a tomar conta e administrar seus remédios em casa, mas ficaria complicado àqueles que são moradores de rua ou que a família não tem condições de cuidar.
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