FATO NOTÓRIO: Quais as principais ocorrências/crimes que envolvem uma Delegacia da Mulher?
ELAINE CRISTINA ISHIKI BENICASA: A Delegacia de Atendimento à Mulher recebe diariamente como principais delitos os de ameaça, vias de fato, lesão corporal e crimes contra a honra.
Ultimamente tem crescido também o número de ocorrências de crimes sexuais, como o estupro/atentado violento ao pudor, exploração sexual e outros, todavia, nestes últimos casos há de se analisar pormenorizadamente os casos, pois muitos deles são falsas denúncias motivadas por questões pessoais e familiares que fogem da alçada policial.
Dessa forma e, em razão destas denúncias, muitas mulheres que a princípio aparecem em nossa delegacia como vítimas, acabam saindo como autoras de falsa comunicação de crime.
FATO NOTÓRIO: As mulheres ainda têm medo de denunciarem os seus maridos/conviventes por violência doméstica?
ELAINE CRISTINA ISHIKI BENICASA: Sim.
A grande maioria é constantemente ameaçada no seio familiar e se vê refém de uma situação que caso ela decida denunciar, poderá vir a piorar com a concretização das ameaças por parte do marido/convivente.
Muitos casos são trazidos até nós por intermédio de denúncias de vizinhos ou mesmo condução coercitiva em razão de flagrante delito.
FATO NOTÓRIO: Qual a origem da violência praticada contra a mulher? A covardia do homem é oriunda de fatores sociais ou é derivada do fato da mulher, na maioria das vezes, ser mais fraca fisicamente do que os homens?
ELAINE CRISTINA ISHIKI BENICASA: Eu penso que são várias as origens, desde a dependência sócio-econômica da mulher em relação ao marido, passando pela desproporção de força física, problemas de dependência alcoólica, chegando à vinculação afetiva e de difícil rompimento. Por isso a importância de investimento e políticas públicas que auxiliem a mulher nesse processo de independência.
Muitos criticam a Lei Maria da Penha dizendo que é uma legislação muito moderna para uma população feminina igual a nossa que, malgrado a conquista das mulheres nos mais variados campos, ainda tem enraizada aquela velha cultura do homem provedor, do “homem da casa”, daquela imagem machista.
Acrescido a isso o fato de as brasileiras serem muito mais emoção, apego, afeto do que as européias, por exemplo – fatores todos que dificultam o processo de libertação da mulher em situação de violência.
FATO NOTÓRIO: Por qual motivo a senhora criou a campanha “Transforme-se” no município de Jardim (MS) e quais os resultados já obtidos?
ELAINE CRISTINA ISHIKI BENICASA: A campanha foi criada com três finalidades. A primeira para que a população em geral tomasse conhecimento da sigla DAM (Delegacia de Atendimento à Mulher), que muitas vezes é ignorada e sequer fazem a ligação à uma Delegacia de Polícia – como outras delegacias (Derf, Garras, Deco, Defurv), queríamos também que a sigla se popularizasse e fosse de conhecimento geral.
Em seguida, a idéia era convocar as mulheres vítimas de violência a denunciarem, a procurarem a rede de atendimento (Delegacias, centro de atendimento à Mulher, Secretarias, CREAS, Promotoria) para registrar a ocorrência, persistir na ação e, com isso, ter a chance de sua vida ser transformada.
Transformada no sentido de sair de uma situação de dependência, agressão, humilhação e tristeza constante, para uma vida de renovo, de novas perspectivas, de amor e de alegria junto ou separada com o atual agressor.
E por fim, a idéia de vincular a campanha a alguns artistas que tivemos acesso é no sentido de publicidade e marketing que atraia nosso público alvo e, ao mesmo tempo, fã dos artistas que apoiaram e/ou vestiram a camiseta para que se encorajem a denunciar.
Vendo os seus ídolos apoiando o projeto, muitas delas se sentirão mais fortes e determinadas em procurar ajudar e permanecer nesse caminho de transformação.
A campanha iniciou no começo de abril e tivemos o amplo apoio e adesão de vários órgãos, como a Prefeitura de Jardim, Judiciário, Ministério Público, Defensoria, OAB, Polícia Militar, Policia Rodoviária Federal. Os representantes de cada instituição, como um ato de apoio e adesão à campanha, vestiram nossa camiseta, posando para fotos.
Já no final do mês de abril, podemos notar um aumento das ocorrências, não porque elas passaram a ocorrerem com mais frequência, mas, sim, porque as vítimas se sentiram tocadas, seja por esta ou inúmeras outras campanhas; seja em razão de várias palestras que a Delegacia, com apoio do Centro de Atendimento à Mulher vem realizando nesta cidade.
FATO NOTÓRIO: Um dos focos da campanha é a integração de celebridades nacionais contra a violência às mulheres, especialmente a atriz Giovana Antonelli, que interpretou até recentemente uma delegada de polícia numa novela. Qual o balanço desta participação dos artistas?
ELAINE CRISTINA ISHIKI BENICASA: O balanço é extraordinário. Em termos de alcance, a idéia de vinculação da campanha a uma artista da Rede Globo, que está desenvolvendo uma personagem como a dela, em uma novela em horário nobre é fantástica. Ao mesmo tempo que dá divulgação à campanha de uma pequena cidade do Mato Grosso do Sul, traz à tona e se eleva o trabalho da instituição Polícia Civil como um todo.
A publicidade e o marketing são essenciais para levar o conhecimento e passar o que se propõe de forma rápida e em grande escala, por isso, a vinculação aos artistas. A nossa intenção com campanhas dessa qualidade e natureza é trazer a população cada vez mais ao nosso lado, como parceira e destinatária de um serviço a qual possa confiar em nossas mãos.
É demonstrar a Polícia Civil de Mato Grosso do Sul como um órgão de proteção e de abrigo, na tentativa sempre de concretizar as palavras estampadas em nosso brasão – “Servir e Proteger”.
É bonito ver os cidadãos jardinenses e sul-mato-grossenses orgulhosos com a campanha e traz mais ainda satisfação saber que foi a Polícia Civil quem pôde proporcionar esse sentimento.
Por outro lado, há de se estar preparado para os efeitos de uma campanha de divulgação como esta, qual seja, estarmos prontos para absorver toda a clientela que buscamos atingir, ou seja, todas as mulheres que disserem “sim, eu quero ser transformada”.
Inevitavelmente, e isso já está ocorrendo, haverá o aumento no número de registros, de procura de atendimento diferenciado da mulher na delegacia, necessitando, para isso, de mão-de-obra capacitada, uma rede de apoio de psicólogos, programas para o agressor, políticas públicas voltadas para o acesso ao emprego, enfim, termos condições para receber de forma satisfatória os “frutos” da campanha.
FATO NOTÓRIO: Quais outros artistas já vestiram a camisa da campanha “Transforme-se”? Algum(ns) dele(s) contribui(iram) de forma mais incisiva?
ELAINE CRISTINA ISHIKI BENICASA: Os artistas que vestiram foram aqueles que tivemos acesso em razão de shows que realizaram na cidade de Jardim ou em proximidades, como “Maria Cecília & Rodolfo”, que é uma dupla sertaneja que surgiu no Mato Grosso do Sul e fizeram no começo de abril um show na cidade de Nioaque.
Desloquei-me juntamente com a equipe da delegacia e lá tivemos um acesso bastante simpático e atencioso pela dupla, que nos ouviu e antes mesmo que pedíssemos para vestir, eles mesmos se prontificaram a colocar a camiseta, disponibilizando-se para as fotos.
Em seguida, tivemos a cantora Paula Fernandes, que participou de outro show, dessa vez aqui na cidade de Jardim. Mais uma vez, com o apoio da equipe da DAM, fomos até a artista que também aderiu ao projeto, posando para fotos.
Por fim, desde o mês de março eu já havia pensado na possibilidade de participação da atriz Giovanna Antonelli, tendo em vista o grande sucesso que vinha fazendo. Durante todo o mês de abril se deram as conversações com a assessoria da atriz, que após a demonstração do trabalho que estávamos fazendo no Estado, demonstrou-se parceira na campanha e acenou positivamente como mais uma aliada no combate da mulher vítima de violência. Imediatamente concordou em vestir a camiseta e nos enviar a foto.
FATO NOTÓRIO: Quase 10 anos após ser sancionada, qual o balanço que a senhora faz da Lei Maria da Penha?
ELAINE CRISTINA ISHIKI BENICASA: Eu penso que é uma lei de grande importância e quem vem de encontro, principalmente, aos tratados internacionais em defesa da mulher, para um enfrentamento mais impositivo no tratamento do agressor.
Lógico que ainda há alguns pontos controversos, como, para alguns, a alegada inconstitucionalidade da lei ou até mesmo a ineficácia de alguns instrumentos previstos em razão da pouca estrutura de todo um sistema de atendimento.
Penso, todavia, que no geral é bem vinda e tende a ser aprimorada aos poucos.
FATO NOTÓRIO: A impossibilidade da transação penal/suspensão condicional do processo, bem como o fato do STF firmar entendimento que os procedimentos criminais são ações públicas incondicionadas dão mais eficácia à legislação?
ELAINE CRISTINA ISHIKI BENICASA: De fato, na tentativa de punir de forma mais grave o agressor e dar eficácia aos tratados internacionais propostos no combate da violência contra mulher, proporcionou-se um recrudescimento na lei no tratamento dessas situações.
Poderia se entender facilmente que medidas, como, por exemplo, impossibilidade de transação, suspensão condicional do processo e, mais recentemente, dispensar a representação da vítima nos delitos de lesão corporal dolosa – tornando-os de ação pública incondicionada – seria retirar da vítima o seu livre arbítrio, tratando-a como um ser sem vontades, ofendendo assim o princípio da Autonomia que, por sua vez, violaria o princípio da Dignidade da Pessoa Humana.
Ademais, seria uma intervenção arbitrária do Estado nas relações afetivas, a partir do momento em que o Estado retira este o poder da vítima em auto-determinar, ordenando que a ação prossiga, ofendendo, agora, o princípio constitucional do Planejamento Familiar, pois claro é o atentado à permanência e preservação da instituição família.
Seria possível isso? Seria inconstitucional? Ou são medidas necessárias, haja vista o grande número de desistências das ações, os temores de ameaças vivenciadas pelas mulheres dentro de casa?
Legislar ou emitir decisões dessa natureza, talvez poderá ser, como se diz, "um tiro no pé", à medida em que a mulher brasileira não está suficientemente preparada financeira e emocionalmente para, de uma vez por todas, colocar fim e definitivamente se desvincular e se voltar contra o agressor. Por isso, em que pese ser vítima constante de agressão, sabe que uma vez indo denunciar, não poderá voltar atrás.
Nessa linha de pensamento, a vítima talvez agora, apanharia calada, fato este que percebo ser o efeito imediato da mudança legislativa, pois as mulheres já informadas desse novo tratamento ao agressor, são agredidas, ofendidas, abusadas, sendo encaminhadas à delegacia apenas e tão somente em razão da vizinha que presenciou, da mãe que ficou sabendo ou da polícia que foi acionada por denúncia anônima – raramente porque desejam que seus parceiros sejam presos ou processados.
Por outro lado, e esse é meu atual entendimento, não me parece que seja essa a intenção da lei e das últimas decisões da Suprema Corte. Não se pode olvidar que se pretendeu, sim, punir com maior rigor o agressor, mas a mesma lei que recrudesce, também prevê medidas de tratamento tanto à vítima como ao autor, por intermédio de toda uma rede de atendimento que deve ou deveria estar preparada e estruturada para tanto.
Dessa forma, deseja-se que aquele agressor, muitas vezes dependente químico, alcoólico, de baixa estima e sem emprego (fatores que servem também às mulheres), assuma seu erro, olhe para o problema, enfrente uma ação judicial e, por fim – o mais importante – submeta-se a tratamentos que podem lhe dar uma segunda chance de felicidade, retornando ao convívio familiar, renovado, curado e ressocializado.
Para tanto, investimentos na área de atendimento às situações de violência contra a mulher são imperativos para o fiel e eficiente cumprimento da lei, caso contrário, a limitação de alguns direitos da mulher e a ofensa de alguns princípios mencionados, não terão justificativas à altura e serão taxados, inevitavelmente, de inconstitucionais.
FATO NOTÓRIO: Uma crítica à lei, todavia, diz respeito ao fato que as medidas protetivas se encerram em si mesmas – não há, em princípio, a apuração do eventual crime. A senhora concorda com esta posição?
ELAINE CRISTINA ISHIKI BENICASA: Em termos. As medidas protetivas trazem certa segurança à vítima e colocam o agressor em estado de alerta. Na maioria das vezes, basta para que o autor não reincida e tome seu rumo.
Talvez estas medidas se encerrem em si mesmas, porque muitas vezes as próprias mulheres as desrespeitam e voltam a conviver com seus maridos ou desistem da ação, perdendo, em ambos os casos, o objeto da medida.
Como citei, é uma medida de eficácia paliativa, não há estrutura ou aparato para que se coloque um policial 24 horas ao lado da vítima a cada medida concedida. Mas, frise-se que serve de importante instrumento para impedir a reiteração da violência ou diminuir o temor, ainda que momentâneo, da vítima em denunciar.
Por óbvio nos parece uma medida de prevenção e que muitas vezes acalenta a vítima e espanta o agressor, todavia, não é a solução dos problemas se a mulher não quiser levar a diante ação.
FATO NOTÓRIO: Qual seria a sua contribuição pessoal à Lei Maria da Penha?
ELAINE CRISTINA ISHIKI BENICASA: Como delegada de polícia a minha contribuição é diária. Tente e invente, faça uma coisa diferente, sempre. Temos que ser um diferencial na sociedade e na instituição.
Possuímos uma força no nome e uma autoridade concedida por lei e devemos utilizá-la para melhorar o meio em que vivemos e dar concretude a consecução dos princípios de segurança pública e comunitária.
A cada ano, juntamente com a equipe da delegacia, nos esforçamos para realizar algo que faça diferença e que traga resultados positivos, tanto para a polícia como para as mulheres destinatárias de nosso trabalho, como também para sociedade em um todo.
Um exemplo disso, foi em março do ano passado, em comemoração ao Dia da Mulher: retiramos as detentas da cela que existe na Primeira Delegacia de Polícia e fizemos o que chamamos de “Um dia de Princesa”. Todas elas foram tratadas com manicure, pedicure, cabeleireira, alimentação saudável, palestras sobre seus direitos, deveres, como também palestras religiosas.
Foi muito emocionante receber o agradecimento de todas elas que se sentiram importantes e amadas de alguma forma, trazendo um sentimento de mudança e perspectiva. Inclusive, foi dessa atividade que retiramos o nome da atual campanha – “Transforme-se” –, em uma alusão a estes programas na TV onde as mulheres passam por processos de embelezamento e são transformadas totalmente, demonstrando o antes e o depois do tratamento.
FATO NOTÓRIO: Para encerrar, conte-nos quais serão os próximos passos da campanha “Transforme-se”?
ELAINE CRISTINA ISHIKI BENICASA: Os próximos passos são a participação de outras personalidades e também autoridades, como as demais delegadas de polícia de outras DAMs do nosso Estado, a confecção de folders, pôsteres e faixas para promoção do projeto.
Talvez, quem sabe, a realização de um vídeo que futuramente possa ser passado nos eventos sociais e palestras que promovemos em escolas e outros lugares que nos convidam para estes fins.
A reprodução de notícias e entrevistas publicadas são permitidas desde que seja informado o endereço http://www.fatonotorio.com.br/ e o crédito ao Fato Notório.
ELAINE CRISTINA ISHIKI BENICASA: A Delegacia de Atendimento à Mulher recebe diariamente como principais delitos os de ameaça, vias de fato, lesão corporal e crimes contra a honra.
Ultimamente tem crescido também o número de ocorrências de crimes sexuais, como o estupro/atentado violento ao pudor, exploração sexual e outros, todavia, nestes últimos casos há de se analisar pormenorizadamente os casos, pois muitos deles são falsas denúncias motivadas por questões pessoais e familiares que fogem da alçada policial.
Dessa forma e, em razão destas denúncias, muitas mulheres que a princípio aparecem em nossa delegacia como vítimas, acabam saindo como autoras de falsa comunicação de crime.
FATO NOTÓRIO: As mulheres ainda têm medo de denunciarem os seus maridos/conviventes por violência doméstica?
ELAINE CRISTINA ISHIKI BENICASA: Sim.
A grande maioria é constantemente ameaçada no seio familiar e se vê refém de uma situação que caso ela decida denunciar, poderá vir a piorar com a concretização das ameaças por parte do marido/convivente.
Muitos casos são trazidos até nós por intermédio de denúncias de vizinhos ou mesmo condução coercitiva em razão de flagrante delito.
FATO NOTÓRIO: Qual a origem da violência praticada contra a mulher? A covardia do homem é oriunda de fatores sociais ou é derivada do fato da mulher, na maioria das vezes, ser mais fraca fisicamente do que os homens?
ELAINE CRISTINA ISHIKI BENICASA: Eu penso que são várias as origens, desde a dependência sócio-econômica da mulher em relação ao marido, passando pela desproporção de força física, problemas de dependência alcoólica, chegando à vinculação afetiva e de difícil rompimento. Por isso a importância de investimento e políticas públicas que auxiliem a mulher nesse processo de independência.
Muitos criticam a Lei Maria da Penha dizendo que é uma legislação muito moderna para uma população feminina igual a nossa que, malgrado a conquista das mulheres nos mais variados campos, ainda tem enraizada aquela velha cultura do homem provedor, do “homem da casa”, daquela imagem machista.
Acrescido a isso o fato de as brasileiras serem muito mais emoção, apego, afeto do que as européias, por exemplo – fatores todos que dificultam o processo de libertação da mulher em situação de violência.
FATO NOTÓRIO: Por qual motivo a senhora criou a campanha “Transforme-se” no município de Jardim (MS) e quais os resultados já obtidos?
ELAINE CRISTINA ISHIKI BENICASA: A campanha foi criada com três finalidades. A primeira para que a população em geral tomasse conhecimento da sigla DAM (Delegacia de Atendimento à Mulher), que muitas vezes é ignorada e sequer fazem a ligação à uma Delegacia de Polícia – como outras delegacias (Derf, Garras, Deco, Defurv), queríamos também que a sigla se popularizasse e fosse de conhecimento geral.
Em seguida, a idéia era convocar as mulheres vítimas de violência a denunciarem, a procurarem a rede de atendimento (Delegacias, centro de atendimento à Mulher, Secretarias, CREAS, Promotoria) para registrar a ocorrência, persistir na ação e, com isso, ter a chance de sua vida ser transformada.
Transformada no sentido de sair de uma situação de dependência, agressão, humilhação e tristeza constante, para uma vida de renovo, de novas perspectivas, de amor e de alegria junto ou separada com o atual agressor.
E por fim, a idéia de vincular a campanha a alguns artistas que tivemos acesso é no sentido de publicidade e marketing que atraia nosso público alvo e, ao mesmo tempo, fã dos artistas que apoiaram e/ou vestiram a camiseta para que se encorajem a denunciar.
Vendo os seus ídolos apoiando o projeto, muitas delas se sentirão mais fortes e determinadas em procurar ajudar e permanecer nesse caminho de transformação.
A campanha iniciou no começo de abril e tivemos o amplo apoio e adesão de vários órgãos, como a Prefeitura de Jardim, Judiciário, Ministério Público, Defensoria, OAB, Polícia Militar, Policia Rodoviária Federal. Os representantes de cada instituição, como um ato de apoio e adesão à campanha, vestiram nossa camiseta, posando para fotos.
Já no final do mês de abril, podemos notar um aumento das ocorrências, não porque elas passaram a ocorrerem com mais frequência, mas, sim, porque as vítimas se sentiram tocadas, seja por esta ou inúmeras outras campanhas; seja em razão de várias palestras que a Delegacia, com apoio do Centro de Atendimento à Mulher vem realizando nesta cidade.
FATO NOTÓRIO: Um dos focos da campanha é a integração de celebridades nacionais contra a violência às mulheres, especialmente a atriz Giovana Antonelli, que interpretou até recentemente uma delegada de polícia numa novela. Qual o balanço desta participação dos artistas?
ELAINE CRISTINA ISHIKI BENICASA: O balanço é extraordinário. Em termos de alcance, a idéia de vinculação da campanha a uma artista da Rede Globo, que está desenvolvendo uma personagem como a dela, em uma novela em horário nobre é fantástica. Ao mesmo tempo que dá divulgação à campanha de uma pequena cidade do Mato Grosso do Sul, traz à tona e se eleva o trabalho da instituição Polícia Civil como um todo.
A publicidade e o marketing são essenciais para levar o conhecimento e passar o que se propõe de forma rápida e em grande escala, por isso, a vinculação aos artistas. A nossa intenção com campanhas dessa qualidade e natureza é trazer a população cada vez mais ao nosso lado, como parceira e destinatária de um serviço a qual possa confiar em nossas mãos.
É demonstrar a Polícia Civil de Mato Grosso do Sul como um órgão de proteção e de abrigo, na tentativa sempre de concretizar as palavras estampadas em nosso brasão – “Servir e Proteger”.
É bonito ver os cidadãos jardinenses e sul-mato-grossenses orgulhosos com a campanha e traz mais ainda satisfação saber que foi a Polícia Civil quem pôde proporcionar esse sentimento.
Por outro lado, há de se estar preparado para os efeitos de uma campanha de divulgação como esta, qual seja, estarmos prontos para absorver toda a clientela que buscamos atingir, ou seja, todas as mulheres que disserem “sim, eu quero ser transformada”.
Inevitavelmente, e isso já está ocorrendo, haverá o aumento no número de registros, de procura de atendimento diferenciado da mulher na delegacia, necessitando, para isso, de mão-de-obra capacitada, uma rede de apoio de psicólogos, programas para o agressor, políticas públicas voltadas para o acesso ao emprego, enfim, termos condições para receber de forma satisfatória os “frutos” da campanha.
FATO NOTÓRIO: Quais outros artistas já vestiram a camisa da campanha “Transforme-se”? Algum(ns) dele(s) contribui(iram) de forma mais incisiva?
ELAINE CRISTINA ISHIKI BENICASA: Os artistas que vestiram foram aqueles que tivemos acesso em razão de shows que realizaram na cidade de Jardim ou em proximidades, como “Maria Cecília & Rodolfo”, que é uma dupla sertaneja que surgiu no Mato Grosso do Sul e fizeram no começo de abril um show na cidade de Nioaque.
Desloquei-me juntamente com a equipe da delegacia e lá tivemos um acesso bastante simpático e atencioso pela dupla, que nos ouviu e antes mesmo que pedíssemos para vestir, eles mesmos se prontificaram a colocar a camiseta, disponibilizando-se para as fotos.
Em seguida, tivemos a cantora Paula Fernandes, que participou de outro show, dessa vez aqui na cidade de Jardim. Mais uma vez, com o apoio da equipe da DAM, fomos até a artista que também aderiu ao projeto, posando para fotos.
Por fim, desde o mês de março eu já havia pensado na possibilidade de participação da atriz Giovanna Antonelli, tendo em vista o grande sucesso que vinha fazendo. Durante todo o mês de abril se deram as conversações com a assessoria da atriz, que após a demonstração do trabalho que estávamos fazendo no Estado, demonstrou-se parceira na campanha e acenou positivamente como mais uma aliada no combate da mulher vítima de violência. Imediatamente concordou em vestir a camiseta e nos enviar a foto.
FATO NOTÓRIO: Quase 10 anos após ser sancionada, qual o balanço que a senhora faz da Lei Maria da Penha?
ELAINE CRISTINA ISHIKI BENICASA: Eu penso que é uma lei de grande importância e quem vem de encontro, principalmente, aos tratados internacionais em defesa da mulher, para um enfrentamento mais impositivo no tratamento do agressor.
Lógico que ainda há alguns pontos controversos, como, para alguns, a alegada inconstitucionalidade da lei ou até mesmo a ineficácia de alguns instrumentos previstos em razão da pouca estrutura de todo um sistema de atendimento.
Penso, todavia, que no geral é bem vinda e tende a ser aprimorada aos poucos.
FATO NOTÓRIO: A impossibilidade da transação penal/suspensão condicional do processo, bem como o fato do STF firmar entendimento que os procedimentos criminais são ações públicas incondicionadas dão mais eficácia à legislação?
ELAINE CRISTINA ISHIKI BENICASA: De fato, na tentativa de punir de forma mais grave o agressor e dar eficácia aos tratados internacionais propostos no combate da violência contra mulher, proporcionou-se um recrudescimento na lei no tratamento dessas situações.
Poderia se entender facilmente que medidas, como, por exemplo, impossibilidade de transação, suspensão condicional do processo e, mais recentemente, dispensar a representação da vítima nos delitos de lesão corporal dolosa – tornando-os de ação pública incondicionada – seria retirar da vítima o seu livre arbítrio, tratando-a como um ser sem vontades, ofendendo assim o princípio da Autonomia que, por sua vez, violaria o princípio da Dignidade da Pessoa Humana.
Ademais, seria uma intervenção arbitrária do Estado nas relações afetivas, a partir do momento em que o Estado retira este o poder da vítima em auto-determinar, ordenando que a ação prossiga, ofendendo, agora, o princípio constitucional do Planejamento Familiar, pois claro é o atentado à permanência e preservação da instituição família.
Seria possível isso? Seria inconstitucional? Ou são medidas necessárias, haja vista o grande número de desistências das ações, os temores de ameaças vivenciadas pelas mulheres dentro de casa?
Legislar ou emitir decisões dessa natureza, talvez poderá ser, como se diz, "um tiro no pé", à medida em que a mulher brasileira não está suficientemente preparada financeira e emocionalmente para, de uma vez por todas, colocar fim e definitivamente se desvincular e se voltar contra o agressor. Por isso, em que pese ser vítima constante de agressão, sabe que uma vez indo denunciar, não poderá voltar atrás.
Nessa linha de pensamento, a vítima talvez agora, apanharia calada, fato este que percebo ser o efeito imediato da mudança legislativa, pois as mulheres já informadas desse novo tratamento ao agressor, são agredidas, ofendidas, abusadas, sendo encaminhadas à delegacia apenas e tão somente em razão da vizinha que presenciou, da mãe que ficou sabendo ou da polícia que foi acionada por denúncia anônima – raramente porque desejam que seus parceiros sejam presos ou processados.
Por outro lado, e esse é meu atual entendimento, não me parece que seja essa a intenção da lei e das últimas decisões da Suprema Corte. Não se pode olvidar que se pretendeu, sim, punir com maior rigor o agressor, mas a mesma lei que recrudesce, também prevê medidas de tratamento tanto à vítima como ao autor, por intermédio de toda uma rede de atendimento que deve ou deveria estar preparada e estruturada para tanto.
Dessa forma, deseja-se que aquele agressor, muitas vezes dependente químico, alcoólico, de baixa estima e sem emprego (fatores que servem também às mulheres), assuma seu erro, olhe para o problema, enfrente uma ação judicial e, por fim – o mais importante – submeta-se a tratamentos que podem lhe dar uma segunda chance de felicidade, retornando ao convívio familiar, renovado, curado e ressocializado.
Para tanto, investimentos na área de atendimento às situações de violência contra a mulher são imperativos para o fiel e eficiente cumprimento da lei, caso contrário, a limitação de alguns direitos da mulher e a ofensa de alguns princípios mencionados, não terão justificativas à altura e serão taxados, inevitavelmente, de inconstitucionais.
FATO NOTÓRIO: Uma crítica à lei, todavia, diz respeito ao fato que as medidas protetivas se encerram em si mesmas – não há, em princípio, a apuração do eventual crime. A senhora concorda com esta posição?
ELAINE CRISTINA ISHIKI BENICASA: Em termos. As medidas protetivas trazem certa segurança à vítima e colocam o agressor em estado de alerta. Na maioria das vezes, basta para que o autor não reincida e tome seu rumo.
Talvez estas medidas se encerrem em si mesmas, porque muitas vezes as próprias mulheres as desrespeitam e voltam a conviver com seus maridos ou desistem da ação, perdendo, em ambos os casos, o objeto da medida.
Como citei, é uma medida de eficácia paliativa, não há estrutura ou aparato para que se coloque um policial 24 horas ao lado da vítima a cada medida concedida. Mas, frise-se que serve de importante instrumento para impedir a reiteração da violência ou diminuir o temor, ainda que momentâneo, da vítima em denunciar.
Por óbvio nos parece uma medida de prevenção e que muitas vezes acalenta a vítima e espanta o agressor, todavia, não é a solução dos problemas se a mulher não quiser levar a diante ação.
FATO NOTÓRIO: Qual seria a sua contribuição pessoal à Lei Maria da Penha?
ELAINE CRISTINA ISHIKI BENICASA: Como delegada de polícia a minha contribuição é diária. Tente e invente, faça uma coisa diferente, sempre. Temos que ser um diferencial na sociedade e na instituição.
Possuímos uma força no nome e uma autoridade concedida por lei e devemos utilizá-la para melhorar o meio em que vivemos e dar concretude a consecução dos princípios de segurança pública e comunitária.
A cada ano, juntamente com a equipe da delegacia, nos esforçamos para realizar algo que faça diferença e que traga resultados positivos, tanto para a polícia como para as mulheres destinatárias de nosso trabalho, como também para sociedade em um todo.
Um exemplo disso, foi em março do ano passado, em comemoração ao Dia da Mulher: retiramos as detentas da cela que existe na Primeira Delegacia de Polícia e fizemos o que chamamos de “Um dia de Princesa”. Todas elas foram tratadas com manicure, pedicure, cabeleireira, alimentação saudável, palestras sobre seus direitos, deveres, como também palestras religiosas.
Foi muito emocionante receber o agradecimento de todas elas que se sentiram importantes e amadas de alguma forma, trazendo um sentimento de mudança e perspectiva. Inclusive, foi dessa atividade que retiramos o nome da atual campanha – “Transforme-se” –, em uma alusão a estes programas na TV onde as mulheres passam por processos de embelezamento e são transformadas totalmente, demonstrando o antes e o depois do tratamento.
FATO NOTÓRIO: Para encerrar, conte-nos quais serão os próximos passos da campanha “Transforme-se”?
ELAINE CRISTINA ISHIKI BENICASA: Os próximos passos são a participação de outras personalidades e também autoridades, como as demais delegadas de polícia de outras DAMs do nosso Estado, a confecção de folders, pôsteres e faixas para promoção do projeto.
Talvez, quem sabe, a realização de um vídeo que futuramente possa ser passado nos eventos sociais e palestras que promovemos em escolas e outros lugares que nos convidam para estes fins.
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