Por maioria de votos, a 1ª Turma Criminal do TJDFT desclassificou a imputação de homicídio doloso contra réu que havia sido pronunciado pelo Tribunal do Júri de Brasília e deslocou a competência do processo para um dos Juizados Especiais de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher.
O Ministério Público acusa o réu de ter deixado de prestar assistência à companheira e a impedido de receber ajuda médica para tratamento de câncer, que apresentou os primeiros sintomas no início de 2009 e se desenvolveu rapidamente até levá-la à morte, no dia 06/06/2010. A vítima teria sido tratada apenas com remédios caseiros, inócuos contra a grave enfermidade, vindo a falecer devido à falta de medicação adequada. Assim, a acusação apresentou denúncia contra o réu, tendo o mesmo sido pronunciado como incurso no artigo 121, §2º, incisos III e IV do Código Penal c/c artigo 5º, caput, inciso II, da Lei 11.340/06.
Um dos membro da Turma Criminal destacou, inicialmente, que a vítima não era ingênua nem de pouca instrução, não havendo evidência concreta de suposta manipulação e ascendência do réu sobre ela. Era, sim, Professora da Secretaria de Educação do Distrito Federal, tinha formação superior com título de pós-graduação, e provinha de família numerosa, com quatro irmãos médicos. A despeito disso, a própria vítima relatou, por mais de uma vez, que tinha pavor de médicos. Para o desembargador, a vítima "temia a doença, e, mais ainda, aqueles que poderiam diagnosticá-la e submetê-la a doloroso, prolongado e incerto tratamento. Além do mais, tinha assistido a morte da mãe vitimada pelo mal. Por isso, preferiu esconder a doença dos familiares, evitando contato com médicos e hospitais, querendo acreditar que podia se curar por intermédio de métodos alternativos, ou, quem sabe, à espera de um milagre".
Em seu voto, a relatora da ação registra: "Não se sabe se uma pronta ação do recorrente teria evitado o resultado fatal. É mais provável que não, devido às características específicas do tumor". Ela ressalta que a vítima, o acusado e os filhos não imaginavam a gravidade da doença. Além disso, "o laudo de exame de corpo de delito é inapto a atestar que a conduta omissiva do acusado foi a causa determinante da morte da vítima".
Assim, a magistrada afirma que não se pode concluir "impregnada de dolo de homicídio, mesmo que eventual, a conduta do réu, que deixou de agir impelido por sentimentos íntimos de que a lesão da companheira não era grave e seria tratada com remédios homeopáticos". Ressalta que a vítima não tinha nenhum patrimônio relevante a ponto de justificar a intenção dolosa do réu, tampouco era detentora de seguro de vida, e que para caracterizar o dolo eventual, seria necessário que o acusado tivesse assumido o risco da produção do resultado morte.
Por fim, a desembargadora acrescentou que a inércia do réu em levar a companheira a um especialista que poderia diagnosticar o câncer, pode ter contribuído para o agravamento do estado geral e maior sofrimento pela doença, entretanto o resultado morte não foi querido ou sequer assumido, havendo possibilidade de infração do cuidado devido e, se houve negligência, a caracterização de culpa inconsciente - o que deverá ser apurado por Juizado Especial de Violência contra a Mulher.
Processo: 20100111343934APR
SENTENÇA
Processo : 2010.01.1.134393-4
Ação : ACAO PENAL
Autor : JUSTICA PUBLICA
Réu : P. C. S. M.
Vistos etc.
O Ministério Público através de seu representante ofereceu denúncia contra P. C. S. M., como incurso na conduta descrita no art. 121, § 2º, Incisos I, III e IV, do Código Penal, c/c art. 5º, caput, Inciso II, da Lei 11.340/2006, pelos fatos a seguir narrados in verbis:
"No período entre o início de 2009 e meados de 2010, o acusado, de forma livre e consciente, assumindo o risco do evento morte, após assumir a posição de garante, deixou de prestar os cuidados necessários à vítima Edna Guimarães Campos (sua companheira) - bem como impediu que esta buscasse auxílio médico sob a justificativa de que ele próprio elaboraria remédios caseiros para serem tomados pela vítima - mesmo diante do quadro médico grave que a vítima apresentava (vide laudo de fls. 49/54).
A falta de tratamento adequado levou a vítima a falecer em 6/6/2010 (vide certidão de óbito de fls. 28).
Acusado e vítima conviviam maritalmente desde meados de 2005. A partir de então, o acusado passou a tolher a vítima de manter o convívio social que ela tinha antes da união conjugal, inclusive com os próprios familiares dela. A vítima se via submissa e frágil diante do comportamento opressor do acusado, que a controlava completamente.
A vítima era portadora de um quadro depressivo, diagnosticado por médico habilitado, com prescrição de remédios adequados, os quais eram impedidos pelo acusado de serem ministradas à mesma, aumentando o seu quadro depressivo e a sua submissão ao acusado.
No início de 2009, a vítima percebeu que havia aparecido um nódulo em sua axila esquerda e, como de costume, pediu orientação ao acusado, que lhe disse não ser nada grave, tratando-se de um simples furúnculo.
Quando a vítima foi conduzida ao hospital, após meses de suplício físico e moral - naquele momento se encontrava também em péssimas condições de higiene e com anemia e desnutrição intensas provocadas diretamente pela inércia intencional do acusado - esta já se encontrava em estágio terminal, o que culminou em seu falecimento, dias após a internação, na data acima mencionada.
O acusado agiu sempre movido por um sentimento egoístico, debilitando a vítima para administrar os recursos financeiros do casal, mantendo a vítima sempre afastada do trabalho e imersa na moléstia.
A vítima sucumbiu padecendo em grau intenso pela forma cruel elaborada pelo réu, pois, durante mais de um ano, foi obrigada a sofrer as dores físicas e morais de um tumor canceroso devastador, sem que lhe fosse prestada qualquer assistência médica ou moral, já que também foi propositadamente afastada do convívio familiar, até que não mais suportasse os efeitos malignos da doença.
A evolução do quadro depressivo e da doença propiciada pela conduta do acusado levou a vítima a um estado de debilidade física e mental, o que dificultava a mesma a exercer qualquer gesto de defesa ou reação ao domínio do acusado."
A denúncia foi recebida em 14/4/2011, fls. 169/170. Na Mesma oportunidade, oportunidade pela qual foi decretada a prisão preventiva do acusado.
A prisão foi executada em 22/07/2011, fl. 235. Sendo solto em 18/11/2011 (254/256).
Foi juntado aos autos o Laudo de Exame de Corpo de Delito, fl. 82/87.
O acusado foi citado em 10/8/2011, fls. 237/238. A resposta foi apresentada às fls. 262/364.
Às fls. 189, foi deferido o pedido de admissão da assistência da acusação.
Durante a instrução foram colhidos os seguintes depoimentos: Luci Guimarães Campos (fls. 583/584), Laila Guimarães Cardoso (fls 585/586), Estêvão Guimarães Cardoso (fls. 587/587-v), Amazira Guimarães Cardoso (fls. 588), Marta Guimarães Campos (589/590), José Antônio Guimarães Campos (fls. 591/592-v), Flávio Guimarães Campos (fls. 593/593-v). Rosilma do Socorro Rocha Morais (fls. 594/594-v), Fátima Alves Dias (fls. 905/906), Iracema Martins Guimarães (fls. 907/907-v), Aparecida Reis Dias Viana (fls. 908), Edson Pellegrini (fls. 909), Vinícius Ferreira de Morais (fls. 933/934), Marize Ornellas de Souza (fls. 966/967)
O interrogatório consta às fl. 910/914..
Em alegações finais, o Ministério Público, às fls. 970/991, requereu a pronúncia do acusado nos termos contidos na denúncia.
A Defesa, por sua vez, às fls. 1002/1042 requereu a absolvição sumária e, subsidiariamente, a impronúncia do acusado.
É O RELATÓRIO. DECIDO.
O processo teve seu curso formalmente válido, inexistindo nulidades ou vícios a sanar. O acusado foi regularmente citado e assistido por advogado.
As provas foram produzidas com observâncias dos preceitos constitucionais relativos ao devido processo legal, em especial ao contraditório e à ampla defesa.
As condições necessárias ao exercício do direito de ação, bem como os pressupostos processuais legalmente exigidos estão presentes. Assim passo à análise do mérito.
Terminada a primeira fase do
procedimento do julgamento dos crimes de competência do Tribunal do Júri, ao juiz apresentam-se quatro alternativas: a) pronuncia o réu, remetendo-o a julgamento perante o Colendo Tribunal Popular do Júri, desde que existam prova da materialidade do delito e indícios suficientes da autoria; b) impronuncia, julgando improcedente a denúncia, se inexistirem provas da materialidade e indícios suficientes da autoria; c) desclassifica, quando não concorda com a denúncia, concluindo então pela incompetência do júri e determinando a remessa dos autos ao juiz competente; d) absolve liminarmente, quando vislumbra qualquer causa excludente de antijuridicidade ou que isente o réu de pena. Esta é a inteligência do disposto nos artigos 413 e seguintes do Código de Processo Penal.
Compulsando os autos verifiquei que a materialidade encontra-se sobejamente comprovada conforme a Certidão de Óbito de fls. 33 e o Laudo de Exame de Corpo de Delito (fls. 82/87).
Não prospera a tese defensiva de que não há prova da materialidade. A materialidade é a morte da vítima, devidamente atestada conforme os documentos juntados nos autos. Os argumentos trazidos pela Defesa procuram descontituir o nexo de causalidade, objeto de discussão na seara da autoria.
Quanto aos indícios de autoria, cumpre ressaltar que, para a decisão de pronúncia, é suficiente que o magistrado, sem se aprofundar no mérito da causa, verifique presentes indícios de autoria razoáveis e suficientes que gerem um juízo de admissibilidade da acusação, privilegiando a princípio in dubio pro societate. Não cabendo aprofundar a análise dos eventos, de forma a evitar qualquer interferência na formação da convicção dos jurados por ocasião da Sessão Plenária.
Neste passo, de acordo com a prova colhida nos autos, verifico que há indícios para que o denunciado seja encaminhado para ser julgado pelo Tribunal Popular do Júri. Há indícios de que o denunciado tenha impedido a vítima buscar intervenção médica para tratar doença que a levou a morte. No mesmo contexto, teria deixado de prestar o auxiliar que a vítima necessitava.
Segundo consta, a vítima desenvolveu um caroço na axila esquerda e o acusado teria dito que não precisaria de ajuda médica. O caroço aumentou e o denunciado adquiria pomadas para que a vítima fizesse uso. O estado de saúde da vítima se agravou e foi levada para o hospital pelo acusado apenas na véspera de sua morte.
A vítima, antes de vir a óbito prestou declaração à Delegacia de Atendimento à Mulher - DEAM (fls. 13/16), conforme constou no depoimento:
"(...) que no começo de 2009, a declarante percebeu que havia nascido um caroço na sua axila esquerda e mostrou a lesão a Paulo César, porém ele disse que aquilo não era nada e que não precisariam de ajuda médica. Que a declarante não procurou ajuda médica por conta própria porque tem muito medo de hospitais e médicos e se sentiu satisfeita com a opinião de Paulo César. Que o caroço começou a aumentar e Paulo César comprava pomadas homeopáticas para a declarante usar na axila. Que, em janeiro de 2010 o caroço rompeu e passou a sair do local uma secreção purulenta e com um cheiro forte. Que a declarante pensou em procurar um médico, porém foi convencida a não fazê-lo por Paulo César que insistia em dizer que a curaria. Que neste período a declarante disse ter implorado diversas vezes que Paulo César a levasse ao médico, mas ele dizia que isto não era necessário porque ele a curaria como o fez diversas vezes em outras vidas. Que no mês de fevereiro de 2010, a declarante passou a ter dificuldades em se alimentar, ingerindo apenas líquidos, o que a deixava muito fraca e a impedia de caminhar, que a declarante perguntou a Paulo César se não deveria contar a psiquiatra que lhe atendia sobre a ferida na axila, porém ele disse que não era para ela falar nada com a psiquiatra porque um assunto não tinha nada a ver com o outro. Que em maio de 2010 a declarante percebeu que se ano conseguisse ajuda médica morreria e então disse a Paulo César que se ele não a levasse a um hospital ela chamaria uma ambulância (...) Que a declarante asseverou que, infelizmente, hoje tem pavor de Paulo César, não quer que ele tenha acesso a ela, ao quarto do hospital onde está e aos filhos(...)."
O depoimento da vítima foi corroborado em juízo, em particular pelo depoimento de Luci Guimarães Campos, fls. 583/584:
"[...] que no segundo para terceiro dia nesse Hospital, pegou na mão da depoente, pela manhã, e pediu para que Paulo não fosse mais lá; então disse que tinha implorado para ligar para os parentes, que estava mal cuidada, inclusive com formigas em sua feridas; que ao saber disso se dirigiu à Delegacia de Polícia . Lido as declarações de folha 15; confirma tudo que foi lido, com a ressalva que não se recorda qual dos irmãos a acompanhou, de manhã estava com apenas um irmão e de tarde com três irmãos; que ao sair do Hospital de Base disse: "graças a Deus pelo menos eu estou saindo do buraco escuro"; que no
momento procurou não questionar a vítima do porquê da demora de contatar a família; que toda a vez que a vítima começava a falar entrava em dificuldade respiratória; que quando conseguiu a vítima lhe relatou que tinha pavor do acusado; que na conseguia fazer mais nada a não ser atender o Paulo; que em um momento a vítima se ajoelhou e pediu pelo amor de Deus para que Paulo lhe levasse para o Hospital; que Paulo disse à vítima que já havia curado a vítima em outra vida e a curaria de novo; que não havia médicos bons o suficiente para curar a vítima; que Paulo participa de misticismo, de ingestão de chás, que possuía uma pirâmide no fundo de quintão; que não sabe se Paulo costumava ministrar remédios; que em um momento deixou dinheiro para Edna fazer consulta de mamografia, vez que câncer de mama é comum em sua família, porém Edna não estava fazendo os exames; que após a internação no Hospital de Base até o Hospital de Apoio foi 12 dias; de vinte e cinco de maio a seis de junho; que foi feito tudo para salvar Edna, porém a condição era tão precária que a vítima estava em fase terminal; que não foi possível curar Edna porque ela já estava em estado crítico e não havia mais tempo de fazer mais nada; a única coisa possível foi a biópsia do tumor ; que não houve condições para que Edna fosse submetida a nenhuma cirurgia. Às perguntas do Assistente de Acusação, respondeu: Que o hospital de apoio tem uma ala de doentes terminais e outra ala de outras patologias, tendo a vítima permanecido na ala de pacientes terminais; a primeira informação que a vítima lhe deu é que Paulo estava atrás de um Plano de Saúde, mas tarde informou que descobriu que não existia plano de saúde; que não sabe informar se o plano não foi contratado por falta de pagamento; que nos últimos dois meses a vítima somente conseguia comer sopa, no último mês somente tomava água de côco; que a vítima estava com uma séria necrose na boca; que era possível visualizar o tumor com pelo menos 1 ano de antecedência; que a vítima disse que a um ano tinha aparecido um nódulo na axila; que acha que Paulo tinha conhecimentos de chás bons para a saúde, remédios e pomadas; que Edna lhe disse que não fazia mamografia de controle porque achava que a família fazia muitos exames e Paulo pensava não ser necessário; que a vítima não tinha mais nem extinto de conservação; que estava em uma situação tão precária que Edna tinha implorado à Paulo para que lhe levasse ao hospital; que a filha Laila sempre teve dificuldades de relacionamento com o Paulo; que Laila era muito rebelde; que Laila perguntou para Paulo porque Edna não foi ao hospital; que Laila consultou um professor de biologia a respeito da doença da mãe; que todas as respostas de Edna sempre foram que "Paulo estava cuidando dela, que Paulo era quem tomava conta de tais coisas"; que Paulo dizia a depoente que quando ia a pericia para renovar a licença médica de depressão não era para mostrar o furúnculo aos médicos, vez que tal furúnculo não tinha relação nenhuma com depressão; que Edna lhe disse que quem definia tudo na casa era Paulo; que Edna era independente antes de se relacionar com Paulo; que no início do relacionamento parou inclusive de dirigir; que todas as responsabilidade de Edna foram repassadas a Paulo; que a única coisa que a vítima fazia era ir ao médico para renovar a licença médica; que Estevão dormia junto com a vítima em um colchonete no chão da sala, mesmo com o forte odor da vítima, para poder ficar junto com a mãe; provavelmente Laila dormia em seu quarto. [...].
Os depoimentos das demais testemunhas seguem demonstrando os indícios de autoria que recaem sobre o acusado:
Amazira Guimarães Campos, fl. 588, declarou que:
"que é irmã de Edna; lido o termo de folhas 68/69, a depoente confirmou o teor das declarações; que Paulo permitia que Edna falava com a depoente; que à época dos fatos a depoente morava entre Brasília e Peruíbe; que as vezes quando ligava para falar com Edna, o pequeno atendia; que pequeno era Estevão ;que Estevam sempre dizia ao telefone "espere aí que vou ver se minha mãe pode atender"; que era bastante difícil falar com Edna, porque sempre era dado uma desculpa; que em maio ligou para Edna querendo que ela e o Paulo fossem testemunhas em seu casamento civil; que nesse dia conseguiu falar com Edna, que essa falou, "se eu tiver sarada até lá"; que ela não ficou feliz com o convite; que ninguém sabia da doença de Edna; que Edna não falou com ninguém; que sabia que Edna tinha depressão e estava afastada do trabalho; que na casa da depoente teve três casos de câncer; que somente soube que era câncer após o falecimento de Edna; que somente a depoente e Marta viram o tumor; que o tumor era horrível e saía bastante sangue; que no Hospital de Base os dentes estavam pretos; que Edna não conseguia falar; que ela estava igual a um "lixo"; que o cabelo dela caía e a vítima estava "barbuda"; que nunca conversou com Paulo sobre o acontecido. Às perguntas do Assistente de Acus
ação, respondeu: que Edna lhe disse, no leito de hospital, que ia no psiquiatra mas não estava mais tomando remédios porque Paulo não deixava; que Edna lhe relatou que "saiu do buraco"; que a Edna antes do casamento era uma pessoa toda colorida, feliz, bonita, dirigia, cuidava dos filhos e se cuidava, se dava bem com a família inteira, mas depois engordou, virou uma "monstra", deixou de falar com os irmãos e a família inteira, mas não sabe o motivo; que tinha um ciclo de amizades antes de se casar com Paulo; que Edna era quem preparava todo o natal; que Edna ajudava no Centro Espírita, socialmente; que depois de conhecer Paulo, Edna largou tudo (...)."
A testemunha Marta Maria Guimarães Campos, fls. 589/590, disse que:
"que presenciou os fatos a partir do momento que a vítima chegou no hospital de base e antes quando não conseguia contato com a vítima; que quem sempre atendia o telefone era Paulo e que nunca tinha contato com a irmã; que depois viu a vítima no cemitério; que viu Edna em uma festa em 2008 porém não tinha o direito de falar com a vítima; que Edna lhe contou, no Hospital de Base, quando Luci disse que sua irmã estava morrendo no HB, que no Hospital de Base Edna estava parecendo um bicho, fedendo, cheia de pus e sangue, custando dar conta de falar, porém estava lúcida; isso foi no dia 26 de maio; que Edna pediu perdão e a depoente falou "(...); que Edna disse que a família não gostava dela; que sempre tentou comunicar com Edna por todos os meios, mas foi sempre impedida por Paulo; que Carla, que foi enfermeira de sua mãe; não deixou mais visitá-la Edna; que Carla estava falando que Paulo deveria levar Edna para o Hospital; que Edna disse que Paulo disse que tinha um guru que iria curá-la; que Edna estava igual um bicho, um lixo; disse que sofreu coisas horríveis; que tinha vontade de suicidar, porém não o fez porque tinha filhos e acreditava em Deus; que não se suicidou porque tinha medo de Paulo fazer o mesmo com os filhos; que Edna disse que acha que Paulo fez o mesmo com Rosemary, ex-esposa dele; que Edna tinha pavor e medo de Paulo; que Edna não tinha mais telefone; que no começo colocou Paulo como acompanhante, porém com o tempo; que Edna se sentia mal quando próxima de Paulo; que tal fato inclusive foi notado pela Dra. Annelise; que havia um ano e meio que era Paulo quem controlava todo o dinheiro de Edna, possuindo cartões e senhas; que Edna era professora e dia 4 o pagamento saiu mais cedo, Edna lhe disse que Paulo sacou dois mil reais de seu cheque especial; os familiares ligaram para Edna e pediram para proibir Paulo de movimentar a conta; que Edna consultava-se com uma médica que era amiga de Paulo; que Edna também foi à Junta Médica na Secretaria de Educação; que Paulo dizia que não era para mostrar o furúnculo porque não tinha nada haver com a depressão e que o furúnculo era ele quem iria curar; que Paulo utilizava pomadas e impedia Edna de tomar remédios para depressão; que Paulo disse que naquela casa ninguém mais tomava remédio; que era Paulo quem controlava os remédios; que Edna disse que teve que ajoelhar e implorar para Paulo para levá-la ao hospital; que no começo Edna pensou que Paulo era uma pessoa maravilhosa e queria apenas ajudá-la, porém com o tempo o comportamento de Edna começou a se modificar; que Paulo começou a controlar a vida de Edna e os Filhos (...)".
O filho da vítima,. Estevão Guimarães Cardoso, fl.587, disse que o acusado sabia da doença da mãe, mas dizia que o tratamento com erva e cristal iria promover a cura. Laila Guimarães Cardoso, fl. 585/586, filha a vítima disse que o acusado sabia da existência do tumor.
Ademais, em depoimento também colhido pela DEAM, a diarista Carla Jeandra Araújo (fls. 129/130), que prestava serviço de diarista para o acusado e a vítima, ficou evidenciado de que, ao contrário do que a defesa alega, o acusado teria conhecimento da moléstia da vítima:
"(...) que em janeiro/2010, por duas vezes, viu 'fraudas' no tanque, sujas de sangue; que a vítima esclareceu que aquelas fraudas foram usadas para tratar o furúnculo e a depoente não precisava lavá-las, pois Paulo o faria; QUE na última vez em que esteve na residência, percebeu que tinha um lençol sujo de sangue dentro de um balde de roupa suja; que a vítima disse para a depoente que não precisava lavá-lo, pois Paulo o faria; que Paulo reforçou o comentário, afirmando que ele mesmo lavaria (...)"
Visto isso, verifica-se a existência de indícios suficientes da autoria do apontado delito pelos réus. Ressalte-se que tais indícios de autoria, no atual momento processual, são suficientes para embasar uma pronúncia, não se exige, nesta fase, prova cabal da autoria, são necessários apenas indícios de que o denunciado é autor dos fatos. Não se podendo deixar de mencionar que a instrução deverá ser repetida por ocasião do Plenário do Júri, momento em que poderão ser novamente ouvida a vítima e as testemunhas.
Além disso, cumpre ressaltar que, para a decisão de pron
úncia, é suficiente que o magistrado, sem se aprofundar no mérito da causa, verifique presentes indícios de autoria razoáveis e suficientes que gerem um juízo de admissibilidade da acusação, privilegiando a princípio in dubio pro societate. Não cabendo aprofundar a análise dos eventos, de forma a evitar qualquer interferência na formação da convicção dos jurados por ocasião da Sessão Plenária.
Assim, em que pese o denunciado não ter confessado, em juízo, que agiu dolosamente na omissão, há elementos fáticos ocorridos no evento cuja materialidade foi demonstrada, o que sinaliza que, neste momento não há como desprezar indícios, mesmo que fossem mínimos, posto que é tais indícios que poderão dar azo à busca da verdade real dos fatos.
Por tais motivos, nesse momento processual, não há de se operar o princípio do "in dúbio pro reo", posto que é a hora de ser dado preferência à sociedade, para que possa ser buscada a verdade real dos fatos.
Sobre o espeque desse conflito entre os princípios in dubio pro reo e in dubio pro societate, Edilson Mougenot Bonfim (2009, p. 47) dá a seguinte lição:
"O princípio in dubio pro reo tem sua antítese teórica no princípio in dúbio pro societate, que preceitua que, no caso de dúvida acerca da culpabilidade do acusado, decida-se em favor da sociedade. Contudo, em nosso sistema, o princípio in dúbio pro societate somente tem aplicação em específicas oportunidades: quando do oferecimento da inicial acusatória (denúncia ou queixa), porquanto não se cobra certeza definitiva quanto à autoria criminosa, somente indícios de autoria; e nos processo do Júri, quando do encerramento da primeira fase (judicium accusationis), no momento da decisão de pronúncia pelo juiz (art. 413 do CPP). Contudo, qualquer que seja o tipo de procedimento, sempre que se tratar de decisão definitiva de mérito - sentença em sentido estrito -, vigerá o princípio in dubio pro reo."
As testemunhas trazidas pela Defesa não apresentaram elementos suficientes para afastar os indícios de autoria como foi pretendido.
Os elementos de discussão acerca de o denunciado exercer dominação psicológica sobre a vítima não são relevantes para discussão nesta fase processual.
Assim, a em que pese a defesa ter repisado sempre que o acusado desconhecia da moléstia da vítima e de que não poderia ter agido de forma diversa, há indícios que sinalizam a existência dos requisitos para o encaminhamento do denunciado para ser julgado pelo Tribunal do Júri, motivos pelos quais entendo, por ora, não ser cabível, em tal fase processual, a absolvição do acusado.
No tocante ao pedido da defesa de impronúncia da conduta do acusado, também, há de se perceber que não procede, posto que, com os indícios trazidos até o momento, traz uma suposta conduta do acusado que sugere, até então, um ilícito que se encaixaria como doloso contra a vida.
No que se refere às qualificadoras previstas nos incisos I, III e IV, § 2º, do art. 121, do Código Penal. Quanto à primeira compulsando detidamente a prova produzida tenho que não há qualquer indício de que o réu tenha deixado de prestar assistência à vítima ou tenha impedido-a de procurar auxílio médico para que pudesse administrar os seus recursos financeiros.
Ainda que as testemunhas tenham dado alguma notícia sobre o fato de o denunciado administrar os bens e dinheiro da vítima, a afirmação não é suficiente sequer para levantar indícios de que o denunciado teria se omitido no auxilio e também impedido a vítima de procurar por médicos para que viesse permitir a ele o controle administrativo e financeiro dos bens da vítima. Tenho que a qualificadora é manifestamente improcedente.
Quanto à qualificadora do meio cruel, os indícios levantados durante a instrução demonstram a procedência da qualificadora para ser admitida e submetida a julgamento perante o Tribunal do Júri.
Também foram apurados indícios que revelam que condição de vítima a impossibilitava sua defesa diante da omissão e impedimento do acusado para que não procurasse médicos. Assim, presente os indícios que configuram a qualificadora descrita no inciso IV, § 2°, art. 121 do CP.
Nessa esteira, cumpre advertir, ademais, que a análise das qualificadoras também consiste em mero juízo de admissibilidade baseado em indícios de existência, não podendo o juiz de forma nenhuma imiscuir numa apreciação valorativa, usurpando a competência do Tribunal do Júri, exceto quando se tratar de qualificadoras manifestamente improcedentes diante do conjunto probatório, o que não se revela no caso sub judice.
Neste sentido, a jurisprudência do TJDFT:
PENAL E PROCESSUAL PENAL. TRIBUNAL DO JÚRI. SENTENÇA DE PRONÚNCIA. PRETENSÃO À EXCLUSÃO DA QUALIFICADORA DE MOTIVO FÚTIL. IMPROCEDÊNCIA MANIFESTA NÃO EVIDENCIADA. APRECIAÇÃO PELO JUÍZO NATURAL DA CAUSA. PROVIMENTO DO RECURSO.
A sentença de pronúncia é de natureza declaratória e apenas reconhece a existência material de crime e os indícios de sua autoria, admitindo ou não a
competência do Tribunal do Júri para julgar a causa. Circunstâncias qualificadoras do crime só devem ser excluídas quando se apresentem manifestamente improcedentes. Neste caso, o próprio réu afirmou no interrogatório haver discutido com a vítima por questão de somenos importância, justificando, em tese, a plausibilidade da qualificadora de motivo fútil atribuída na denúncia. Vigência do princípio in dubio pro societate. Recurso provido. (20040111088493RSE, Relator GEORGE LOPES LEITE, 1ª Turma Criminal, julgado em 07/08/2008, DJ 01/09/2008 p. 125).
Assim, presentes estão os indícios da existência da qualificadora, razão pela qual deve ser apreciada pelo Tribunal do Júri.
Dessa forma, pelas razões e motivos ora delineados, com fundamento nos artigos 413 e 74 § 1º do Código de Processo Penal, PRONUNCIO o réu P. C. S. M., como incurso na conduta descrita no artigo 121, § 2º, incisos III e IV do Código Penal Brasileiro, c/c. art. 5º, caput, inciso II, da Lei 11340/06, para o fim de submetê-lo a julgamento perante o Tribunal do Júri desta Circunscrição Judiciária.
O pronunciado respondeu ao processo solto e nesta ocasião não verifico presentes os requisitos para decretação da prisão preventiva.
Com o trânsito em julgado, dê-se vista ao Ministério Público para a finalidade prevista no artigo 422 do Código de Processo Penal.
Publiquem-se. Registrem-se. Intimem-se.
Brasília - DF, sexta-feira, 17/08/2012 às 14h18.
Fábio Francisco Esteves
Juiz de Direito Substituto
O Ministério Público acusa o réu de ter deixado de prestar assistência à companheira e a impedido de receber ajuda médica para tratamento de câncer, que apresentou os primeiros sintomas no início de 2009 e se desenvolveu rapidamente até levá-la à morte, no dia 06/06/2010. A vítima teria sido tratada apenas com remédios caseiros, inócuos contra a grave enfermidade, vindo a falecer devido à falta de medicação adequada. Assim, a acusação apresentou denúncia contra o réu, tendo o mesmo sido pronunciado como incurso no artigo 121, §2º, incisos III e IV do Código Penal c/c artigo 5º, caput, inciso II, da Lei 11.340/06.
Um dos membro da Turma Criminal destacou, inicialmente, que a vítima não era ingênua nem de pouca instrução, não havendo evidência concreta de suposta manipulação e ascendência do réu sobre ela. Era, sim, Professora da Secretaria de Educação do Distrito Federal, tinha formação superior com título de pós-graduação, e provinha de família numerosa, com quatro irmãos médicos. A despeito disso, a própria vítima relatou, por mais de uma vez, que tinha pavor de médicos. Para o desembargador, a vítima "temia a doença, e, mais ainda, aqueles que poderiam diagnosticá-la e submetê-la a doloroso, prolongado e incerto tratamento. Além do mais, tinha assistido a morte da mãe vitimada pelo mal. Por isso, preferiu esconder a doença dos familiares, evitando contato com médicos e hospitais, querendo acreditar que podia se curar por intermédio de métodos alternativos, ou, quem sabe, à espera de um milagre".
Em seu voto, a relatora da ação registra: "Não se sabe se uma pronta ação do recorrente teria evitado o resultado fatal. É mais provável que não, devido às características específicas do tumor". Ela ressalta que a vítima, o acusado e os filhos não imaginavam a gravidade da doença. Além disso, "o laudo de exame de corpo de delito é inapto a atestar que a conduta omissiva do acusado foi a causa determinante da morte da vítima".
Assim, a magistrada afirma que não se pode concluir "impregnada de dolo de homicídio, mesmo que eventual, a conduta do réu, que deixou de agir impelido por sentimentos íntimos de que a lesão da companheira não era grave e seria tratada com remédios homeopáticos". Ressalta que a vítima não tinha nenhum patrimônio relevante a ponto de justificar a intenção dolosa do réu, tampouco era detentora de seguro de vida, e que para caracterizar o dolo eventual, seria necessário que o acusado tivesse assumido o risco da produção do resultado morte.
Por fim, a desembargadora acrescentou que a inércia do réu em levar a companheira a um especialista que poderia diagnosticar o câncer, pode ter contribuído para o agravamento do estado geral e maior sofrimento pela doença, entretanto o resultado morte não foi querido ou sequer assumido, havendo possibilidade de infração do cuidado devido e, se houve negligência, a caracterização de culpa inconsciente - o que deverá ser apurado por Juizado Especial de Violência contra a Mulher.
Processo: 20100111343934APR
SENTENÇA
Processo : 2010.01.1.134393-4
Ação : ACAO PENAL
Autor : JUSTICA PUBLICA
Réu : P. C. S. M.
Vistos etc.
O Ministério Público através de seu representante ofereceu denúncia contra P. C. S. M., como incurso na conduta descrita no art. 121, § 2º, Incisos I, III e IV, do Código Penal, c/c art. 5º, caput, Inciso II, da Lei 11.340/2006, pelos fatos a seguir narrados in verbis:
"No período entre o início de 2009 e meados de 2010, o acusado, de forma livre e consciente, assumindo o risco do evento morte, após assumir a posição de garante, deixou de prestar os cuidados necessários à vítima Edna Guimarães Campos (sua companheira) - bem como impediu que esta buscasse auxílio médico sob a justificativa de que ele próprio elaboraria remédios caseiros para serem tomados pela vítima - mesmo diante do quadro médico grave que a vítima apresentava (vide laudo de fls. 49/54).
A falta de tratamento adequado levou a vítima a falecer em 6/6/2010 (vide certidão de óbito de fls. 28).
Acusado e vítima conviviam maritalmente desde meados de 2005. A partir de então, o acusado passou a tolher a vítima de manter o convívio social que ela tinha antes da união conjugal, inclusive com os próprios familiares dela. A vítima se via submissa e frágil diante do comportamento opressor do acusado, que a controlava completamente.
A vítima era portadora de um quadro depressivo, diagnosticado por médico habilitado, com prescrição de remédios adequados, os quais eram impedidos pelo acusado de serem ministradas à mesma, aumentando o seu quadro depressivo e a sua submissão ao acusado.
No início de 2009, a vítima percebeu que havia aparecido um nódulo em sua axila esquerda e, como de costume, pediu orientação ao acusado, que lhe disse não ser nada grave, tratando-se de um simples furúnculo.
Quando a vítima foi conduzida ao hospital, após meses de suplício físico e moral - naquele momento se encontrava também em péssimas condições de higiene e com anemia e desnutrição intensas provocadas diretamente pela inércia intencional do acusado - esta já se encontrava em estágio terminal, o que culminou em seu falecimento, dias após a internação, na data acima mencionada.
O acusado agiu sempre movido por um sentimento egoístico, debilitando a vítima para administrar os recursos financeiros do casal, mantendo a vítima sempre afastada do trabalho e imersa na moléstia.
A vítima sucumbiu padecendo em grau intenso pela forma cruel elaborada pelo réu, pois, durante mais de um ano, foi obrigada a sofrer as dores físicas e morais de um tumor canceroso devastador, sem que lhe fosse prestada qualquer assistência médica ou moral, já que também foi propositadamente afastada do convívio familiar, até que não mais suportasse os efeitos malignos da doença.
A evolução do quadro depressivo e da doença propiciada pela conduta do acusado levou a vítima a um estado de debilidade física e mental, o que dificultava a mesma a exercer qualquer gesto de defesa ou reação ao domínio do acusado."
A denúncia foi recebida em 14/4/2011, fls. 169/170. Na Mesma oportunidade, oportunidade pela qual foi decretada a prisão preventiva do acusado.
A prisão foi executada em 22/07/2011, fl. 235. Sendo solto em 18/11/2011 (254/256).
Foi juntado aos autos o Laudo de Exame de Corpo de Delito, fl. 82/87.
O acusado foi citado em 10/8/2011, fls. 237/238. A resposta foi apresentada às fls. 262/364.
Às fls. 189, foi deferido o pedido de admissão da assistência da acusação.
Durante a instrução foram colhidos os seguintes depoimentos: Luci Guimarães Campos (fls. 583/584), Laila Guimarães Cardoso (fls 585/586), Estêvão Guimarães Cardoso (fls. 587/587-v), Amazira Guimarães Cardoso (fls. 588), Marta Guimarães Campos (589/590), José Antônio Guimarães Campos (fls. 591/592-v), Flávio Guimarães Campos (fls. 593/593-v). Rosilma do Socorro Rocha Morais (fls. 594/594-v), Fátima Alves Dias (fls. 905/906), Iracema Martins Guimarães (fls. 907/907-v), Aparecida Reis Dias Viana (fls. 908), Edson Pellegrini (fls. 909), Vinícius Ferreira de Morais (fls. 933/934), Marize Ornellas de Souza (fls. 966/967)
O interrogatório consta às fl. 910/914..
Em alegações finais, o Ministério Público, às fls. 970/991, requereu a pronúncia do acusado nos termos contidos na denúncia.
A Defesa, por sua vez, às fls. 1002/1042 requereu a absolvição sumária e, subsidiariamente, a impronúncia do acusado.
É O RELATÓRIO. DECIDO.
O processo teve seu curso formalmente válido, inexistindo nulidades ou vícios a sanar. O acusado foi regularmente citado e assistido por advogado.
As provas foram produzidas com observâncias dos preceitos constitucionais relativos ao devido processo legal, em especial ao contraditório e à ampla defesa.
As condições necessárias ao exercício do direito de ação, bem como os pressupostos processuais legalmente exigidos estão presentes. Assim passo à análise do mérito.
Terminada a primeira fase do
procedimento do julgamento dos crimes de competência do Tribunal do Júri, ao juiz apresentam-se quatro alternativas: a) pronuncia o réu, remetendo-o a julgamento perante o Colendo Tribunal Popular do Júri, desde que existam prova da materialidade do delito e indícios suficientes da autoria; b) impronuncia, julgando improcedente a denúncia, se inexistirem provas da materialidade e indícios suficientes da autoria; c) desclassifica, quando não concorda com a denúncia, concluindo então pela incompetência do júri e determinando a remessa dos autos ao juiz competente; d) absolve liminarmente, quando vislumbra qualquer causa excludente de antijuridicidade ou que isente o réu de pena. Esta é a inteligência do disposto nos artigos 413 e seguintes do Código de Processo Penal.
Compulsando os autos verifiquei que a materialidade encontra-se sobejamente comprovada conforme a Certidão de Óbito de fls. 33 e o Laudo de Exame de Corpo de Delito (fls. 82/87).
Não prospera a tese defensiva de que não há prova da materialidade. A materialidade é a morte da vítima, devidamente atestada conforme os documentos juntados nos autos. Os argumentos trazidos pela Defesa procuram descontituir o nexo de causalidade, objeto de discussão na seara da autoria.
Quanto aos indícios de autoria, cumpre ressaltar que, para a decisão de pronúncia, é suficiente que o magistrado, sem se aprofundar no mérito da causa, verifique presentes indícios de autoria razoáveis e suficientes que gerem um juízo de admissibilidade da acusação, privilegiando a princípio in dubio pro societate. Não cabendo aprofundar a análise dos eventos, de forma a evitar qualquer interferência na formação da convicção dos jurados por ocasião da Sessão Plenária.
Neste passo, de acordo com a prova colhida nos autos, verifico que há indícios para que o denunciado seja encaminhado para ser julgado pelo Tribunal Popular do Júri. Há indícios de que o denunciado tenha impedido a vítima buscar intervenção médica para tratar doença que a levou a morte. No mesmo contexto, teria deixado de prestar o auxiliar que a vítima necessitava.
Segundo consta, a vítima desenvolveu um caroço na axila esquerda e o acusado teria dito que não precisaria de ajuda médica. O caroço aumentou e o denunciado adquiria pomadas para que a vítima fizesse uso. O estado de saúde da vítima se agravou e foi levada para o hospital pelo acusado apenas na véspera de sua morte.
A vítima, antes de vir a óbito prestou declaração à Delegacia de Atendimento à Mulher - DEAM (fls. 13/16), conforme constou no depoimento:
"(...) que no começo de 2009, a declarante percebeu que havia nascido um caroço na sua axila esquerda e mostrou a lesão a Paulo César, porém ele disse que aquilo não era nada e que não precisariam de ajuda médica. Que a declarante não procurou ajuda médica por conta própria porque tem muito medo de hospitais e médicos e se sentiu satisfeita com a opinião de Paulo César. Que o caroço começou a aumentar e Paulo César comprava pomadas homeopáticas para a declarante usar na axila. Que, em janeiro de 2010 o caroço rompeu e passou a sair do local uma secreção purulenta e com um cheiro forte. Que a declarante pensou em procurar um médico, porém foi convencida a não fazê-lo por Paulo César que insistia em dizer que a curaria. Que neste período a declarante disse ter implorado diversas vezes que Paulo César a levasse ao médico, mas ele dizia que isto não era necessário porque ele a curaria como o fez diversas vezes em outras vidas. Que no mês de fevereiro de 2010, a declarante passou a ter dificuldades em se alimentar, ingerindo apenas líquidos, o que a deixava muito fraca e a impedia de caminhar, que a declarante perguntou a Paulo César se não deveria contar a psiquiatra que lhe atendia sobre a ferida na axila, porém ele disse que não era para ela falar nada com a psiquiatra porque um assunto não tinha nada a ver com o outro. Que em maio de 2010 a declarante percebeu que se ano conseguisse ajuda médica morreria e então disse a Paulo César que se ele não a levasse a um hospital ela chamaria uma ambulância (...) Que a declarante asseverou que, infelizmente, hoje tem pavor de Paulo César, não quer que ele tenha acesso a ela, ao quarto do hospital onde está e aos filhos(...)."
O depoimento da vítima foi corroborado em juízo, em particular pelo depoimento de Luci Guimarães Campos, fls. 583/584:
"[...] que no segundo para terceiro dia nesse Hospital, pegou na mão da depoente, pela manhã, e pediu para que Paulo não fosse mais lá; então disse que tinha implorado para ligar para os parentes, que estava mal cuidada, inclusive com formigas em sua feridas; que ao saber disso se dirigiu à Delegacia de Polícia . Lido as declarações de folha 15; confirma tudo que foi lido, com a ressalva que não se recorda qual dos irmãos a acompanhou, de manhã estava com apenas um irmão e de tarde com três irmãos; que ao sair do Hospital de Base disse: "graças a Deus pelo menos eu estou saindo do buraco escuro"; que no
momento procurou não questionar a vítima do porquê da demora de contatar a família; que toda a vez que a vítima começava a falar entrava em dificuldade respiratória; que quando conseguiu a vítima lhe relatou que tinha pavor do acusado; que na conseguia fazer mais nada a não ser atender o Paulo; que em um momento a vítima se ajoelhou e pediu pelo amor de Deus para que Paulo lhe levasse para o Hospital; que Paulo disse à vítima que já havia curado a vítima em outra vida e a curaria de novo; que não havia médicos bons o suficiente para curar a vítima; que Paulo participa de misticismo, de ingestão de chás, que possuía uma pirâmide no fundo de quintão; que não sabe se Paulo costumava ministrar remédios; que em um momento deixou dinheiro para Edna fazer consulta de mamografia, vez que câncer de mama é comum em sua família, porém Edna não estava fazendo os exames; que após a internação no Hospital de Base até o Hospital de Apoio foi 12 dias; de vinte e cinco de maio a seis de junho; que foi feito tudo para salvar Edna, porém a condição era tão precária que a vítima estava em fase terminal; que não foi possível curar Edna porque ela já estava em estado crítico e não havia mais tempo de fazer mais nada; a única coisa possível foi a biópsia do tumor ; que não houve condições para que Edna fosse submetida a nenhuma cirurgia. Às perguntas do Assistente de Acusação, respondeu: Que o hospital de apoio tem uma ala de doentes terminais e outra ala de outras patologias, tendo a vítima permanecido na ala de pacientes terminais; a primeira informação que a vítima lhe deu é que Paulo estava atrás de um Plano de Saúde, mas tarde informou que descobriu que não existia plano de saúde; que não sabe informar se o plano não foi contratado por falta de pagamento; que nos últimos dois meses a vítima somente conseguia comer sopa, no último mês somente tomava água de côco; que a vítima estava com uma séria necrose na boca; que era possível visualizar o tumor com pelo menos 1 ano de antecedência; que a vítima disse que a um ano tinha aparecido um nódulo na axila; que acha que Paulo tinha conhecimentos de chás bons para a saúde, remédios e pomadas; que Edna lhe disse que não fazia mamografia de controle porque achava que a família fazia muitos exames e Paulo pensava não ser necessário; que a vítima não tinha mais nem extinto de conservação; que estava em uma situação tão precária que Edna tinha implorado à Paulo para que lhe levasse ao hospital; que a filha Laila sempre teve dificuldades de relacionamento com o Paulo; que Laila era muito rebelde; que Laila perguntou para Paulo porque Edna não foi ao hospital; que Laila consultou um professor de biologia a respeito da doença da mãe; que todas as respostas de Edna sempre foram que "Paulo estava cuidando dela, que Paulo era quem tomava conta de tais coisas"; que Paulo dizia a depoente que quando ia a pericia para renovar a licença médica de depressão não era para mostrar o furúnculo aos médicos, vez que tal furúnculo não tinha relação nenhuma com depressão; que Edna lhe disse que quem definia tudo na casa era Paulo; que Edna era independente antes de se relacionar com Paulo; que no início do relacionamento parou inclusive de dirigir; que todas as responsabilidade de Edna foram repassadas a Paulo; que a única coisa que a vítima fazia era ir ao médico para renovar a licença médica; que Estevão dormia junto com a vítima em um colchonete no chão da sala, mesmo com o forte odor da vítima, para poder ficar junto com a mãe; provavelmente Laila dormia em seu quarto. [...].
Os depoimentos das demais testemunhas seguem demonstrando os indícios de autoria que recaem sobre o acusado:
Amazira Guimarães Campos, fl. 588, declarou que:
"que é irmã de Edna; lido o termo de folhas 68/69, a depoente confirmou o teor das declarações; que Paulo permitia que Edna falava com a depoente; que à época dos fatos a depoente morava entre Brasília e Peruíbe; que as vezes quando ligava para falar com Edna, o pequeno atendia; que pequeno era Estevão ;que Estevam sempre dizia ao telefone "espere aí que vou ver se minha mãe pode atender"; que era bastante difícil falar com Edna, porque sempre era dado uma desculpa; que em maio ligou para Edna querendo que ela e o Paulo fossem testemunhas em seu casamento civil; que nesse dia conseguiu falar com Edna, que essa falou, "se eu tiver sarada até lá"; que ela não ficou feliz com o convite; que ninguém sabia da doença de Edna; que Edna não falou com ninguém; que sabia que Edna tinha depressão e estava afastada do trabalho; que na casa da depoente teve três casos de câncer; que somente soube que era câncer após o falecimento de Edna; que somente a depoente e Marta viram o tumor; que o tumor era horrível e saía bastante sangue; que no Hospital de Base os dentes estavam pretos; que Edna não conseguia falar; que ela estava igual a um "lixo"; que o cabelo dela caía e a vítima estava "barbuda"; que nunca conversou com Paulo sobre o acontecido. Às perguntas do Assistente de Acus
ação, respondeu: que Edna lhe disse, no leito de hospital, que ia no psiquiatra mas não estava mais tomando remédios porque Paulo não deixava; que Edna lhe relatou que "saiu do buraco"; que a Edna antes do casamento era uma pessoa toda colorida, feliz, bonita, dirigia, cuidava dos filhos e se cuidava, se dava bem com a família inteira, mas depois engordou, virou uma "monstra", deixou de falar com os irmãos e a família inteira, mas não sabe o motivo; que tinha um ciclo de amizades antes de se casar com Paulo; que Edna era quem preparava todo o natal; que Edna ajudava no Centro Espírita, socialmente; que depois de conhecer Paulo, Edna largou tudo (...)."
A testemunha Marta Maria Guimarães Campos, fls. 589/590, disse que:
"que presenciou os fatos a partir do momento que a vítima chegou no hospital de base e antes quando não conseguia contato com a vítima; que quem sempre atendia o telefone era Paulo e que nunca tinha contato com a irmã; que depois viu a vítima no cemitério; que viu Edna em uma festa em 2008 porém não tinha o direito de falar com a vítima; que Edna lhe contou, no Hospital de Base, quando Luci disse que sua irmã estava morrendo no HB, que no Hospital de Base Edna estava parecendo um bicho, fedendo, cheia de pus e sangue, custando dar conta de falar, porém estava lúcida; isso foi no dia 26 de maio; que Edna pediu perdão e a depoente falou "(...); que Edna disse que a família não gostava dela; que sempre tentou comunicar com Edna por todos os meios, mas foi sempre impedida por Paulo; que Carla, que foi enfermeira de sua mãe; não deixou mais visitá-la Edna; que Carla estava falando que Paulo deveria levar Edna para o Hospital; que Edna disse que Paulo disse que tinha um guru que iria curá-la; que Edna estava igual um bicho, um lixo; disse que sofreu coisas horríveis; que tinha vontade de suicidar, porém não o fez porque tinha filhos e acreditava em Deus; que não se suicidou porque tinha medo de Paulo fazer o mesmo com os filhos; que Edna disse que acha que Paulo fez o mesmo com Rosemary, ex-esposa dele; que Edna tinha pavor e medo de Paulo; que Edna não tinha mais telefone; que no começo colocou Paulo como acompanhante, porém com o tempo; que Edna se sentia mal quando próxima de Paulo; que tal fato inclusive foi notado pela Dra. Annelise; que havia um ano e meio que era Paulo quem controlava todo o dinheiro de Edna, possuindo cartões e senhas; que Edna era professora e dia 4 o pagamento saiu mais cedo, Edna lhe disse que Paulo sacou dois mil reais de seu cheque especial; os familiares ligaram para Edna e pediram para proibir Paulo de movimentar a conta; que Edna consultava-se com uma médica que era amiga de Paulo; que Edna também foi à Junta Médica na Secretaria de Educação; que Paulo dizia que não era para mostrar o furúnculo porque não tinha nada haver com a depressão e que o furúnculo era ele quem iria curar; que Paulo utilizava pomadas e impedia Edna de tomar remédios para depressão; que Paulo disse que naquela casa ninguém mais tomava remédio; que era Paulo quem controlava os remédios; que Edna disse que teve que ajoelhar e implorar para Paulo para levá-la ao hospital; que no começo Edna pensou que Paulo era uma pessoa maravilhosa e queria apenas ajudá-la, porém com o tempo o comportamento de Edna começou a se modificar; que Paulo começou a controlar a vida de Edna e os Filhos (...)".
O filho da vítima,. Estevão Guimarães Cardoso, fl.587, disse que o acusado sabia da doença da mãe, mas dizia que o tratamento com erva e cristal iria promover a cura. Laila Guimarães Cardoso, fl. 585/586, filha a vítima disse que o acusado sabia da existência do tumor.
Ademais, em depoimento também colhido pela DEAM, a diarista Carla Jeandra Araújo (fls. 129/130), que prestava serviço de diarista para o acusado e a vítima, ficou evidenciado de que, ao contrário do que a defesa alega, o acusado teria conhecimento da moléstia da vítima:
"(...) que em janeiro/2010, por duas vezes, viu 'fraudas' no tanque, sujas de sangue; que a vítima esclareceu que aquelas fraudas foram usadas para tratar o furúnculo e a depoente não precisava lavá-las, pois Paulo o faria; QUE na última vez em que esteve na residência, percebeu que tinha um lençol sujo de sangue dentro de um balde de roupa suja; que a vítima disse para a depoente que não precisava lavá-lo, pois Paulo o faria; que Paulo reforçou o comentário, afirmando que ele mesmo lavaria (...)"
Visto isso, verifica-se a existência de indícios suficientes da autoria do apontado delito pelos réus. Ressalte-se que tais indícios de autoria, no atual momento processual, são suficientes para embasar uma pronúncia, não se exige, nesta fase, prova cabal da autoria, são necessários apenas indícios de que o denunciado é autor dos fatos. Não se podendo deixar de mencionar que a instrução deverá ser repetida por ocasião do Plenário do Júri, momento em que poderão ser novamente ouvida a vítima e as testemunhas.
Além disso, cumpre ressaltar que, para a decisão de pron
úncia, é suficiente que o magistrado, sem se aprofundar no mérito da causa, verifique presentes indícios de autoria razoáveis e suficientes que gerem um juízo de admissibilidade da acusação, privilegiando a princípio in dubio pro societate. Não cabendo aprofundar a análise dos eventos, de forma a evitar qualquer interferência na formação da convicção dos jurados por ocasião da Sessão Plenária.
Assim, em que pese o denunciado não ter confessado, em juízo, que agiu dolosamente na omissão, há elementos fáticos ocorridos no evento cuja materialidade foi demonstrada, o que sinaliza que, neste momento não há como desprezar indícios, mesmo que fossem mínimos, posto que é tais indícios que poderão dar azo à busca da verdade real dos fatos.
Por tais motivos, nesse momento processual, não há de se operar o princípio do "in dúbio pro reo", posto que é a hora de ser dado preferência à sociedade, para que possa ser buscada a verdade real dos fatos.
Sobre o espeque desse conflito entre os princípios in dubio pro reo e in dubio pro societate, Edilson Mougenot Bonfim (2009, p. 47) dá a seguinte lição:
"O princípio in dubio pro reo tem sua antítese teórica no princípio in dúbio pro societate, que preceitua que, no caso de dúvida acerca da culpabilidade do acusado, decida-se em favor da sociedade. Contudo, em nosso sistema, o princípio in dúbio pro societate somente tem aplicação em específicas oportunidades: quando do oferecimento da inicial acusatória (denúncia ou queixa), porquanto não se cobra certeza definitiva quanto à autoria criminosa, somente indícios de autoria; e nos processo do Júri, quando do encerramento da primeira fase (judicium accusationis), no momento da decisão de pronúncia pelo juiz (art. 413 do CPP). Contudo, qualquer que seja o tipo de procedimento, sempre que se tratar de decisão definitiva de mérito - sentença em sentido estrito -, vigerá o princípio in dubio pro reo."
As testemunhas trazidas pela Defesa não apresentaram elementos suficientes para afastar os indícios de autoria como foi pretendido.
Os elementos de discussão acerca de o denunciado exercer dominação psicológica sobre a vítima não são relevantes para discussão nesta fase processual.
Assim, a em que pese a defesa ter repisado sempre que o acusado desconhecia da moléstia da vítima e de que não poderia ter agido de forma diversa, há indícios que sinalizam a existência dos requisitos para o encaminhamento do denunciado para ser julgado pelo Tribunal do Júri, motivos pelos quais entendo, por ora, não ser cabível, em tal fase processual, a absolvição do acusado.
No tocante ao pedido da defesa de impronúncia da conduta do acusado, também, há de se perceber que não procede, posto que, com os indícios trazidos até o momento, traz uma suposta conduta do acusado que sugere, até então, um ilícito que se encaixaria como doloso contra a vida.
No que se refere às qualificadoras previstas nos incisos I, III e IV, § 2º, do art. 121, do Código Penal. Quanto à primeira compulsando detidamente a prova produzida tenho que não há qualquer indício de que o réu tenha deixado de prestar assistência à vítima ou tenha impedido-a de procurar auxílio médico para que pudesse administrar os seus recursos financeiros.
Ainda que as testemunhas tenham dado alguma notícia sobre o fato de o denunciado administrar os bens e dinheiro da vítima, a afirmação não é suficiente sequer para levantar indícios de que o denunciado teria se omitido no auxilio e também impedido a vítima de procurar por médicos para que viesse permitir a ele o controle administrativo e financeiro dos bens da vítima. Tenho que a qualificadora é manifestamente improcedente.
Quanto à qualificadora do meio cruel, os indícios levantados durante a instrução demonstram a procedência da qualificadora para ser admitida e submetida a julgamento perante o Tribunal do Júri.
Também foram apurados indícios que revelam que condição de vítima a impossibilitava sua defesa diante da omissão e impedimento do acusado para que não procurasse médicos. Assim, presente os indícios que configuram a qualificadora descrita no inciso IV, § 2°, art. 121 do CP.
Nessa esteira, cumpre advertir, ademais, que a análise das qualificadoras também consiste em mero juízo de admissibilidade baseado em indícios de existência, não podendo o juiz de forma nenhuma imiscuir numa apreciação valorativa, usurpando a competência do Tribunal do Júri, exceto quando se tratar de qualificadoras manifestamente improcedentes diante do conjunto probatório, o que não se revela no caso sub judice.
Neste sentido, a jurisprudência do TJDFT:
PENAL E PROCESSUAL PENAL. TRIBUNAL DO JÚRI. SENTENÇA DE PRONÚNCIA. PRETENSÃO À EXCLUSÃO DA QUALIFICADORA DE MOTIVO FÚTIL. IMPROCEDÊNCIA MANIFESTA NÃO EVIDENCIADA. APRECIAÇÃO PELO JUÍZO NATURAL DA CAUSA. PROVIMENTO DO RECURSO.
A sentença de pronúncia é de natureza declaratória e apenas reconhece a existência material de crime e os indícios de sua autoria, admitindo ou não a
competência do Tribunal do Júri para julgar a causa. Circunstâncias qualificadoras do crime só devem ser excluídas quando se apresentem manifestamente improcedentes. Neste caso, o próprio réu afirmou no interrogatório haver discutido com a vítima por questão de somenos importância, justificando, em tese, a plausibilidade da qualificadora de motivo fútil atribuída na denúncia. Vigência do princípio in dubio pro societate. Recurso provido. (20040111088493RSE, Relator GEORGE LOPES LEITE, 1ª Turma Criminal, julgado em 07/08/2008, DJ 01/09/2008 p. 125).
Assim, presentes estão os indícios da existência da qualificadora, razão pela qual deve ser apreciada pelo Tribunal do Júri.
Dessa forma, pelas razões e motivos ora delineados, com fundamento nos artigos 413 e 74 § 1º do Código de Processo Penal, PRONUNCIO o réu P. C. S. M., como incurso na conduta descrita no artigo 121, § 2º, incisos III e IV do Código Penal Brasileiro, c/c. art. 5º, caput, inciso II, da Lei 11340/06, para o fim de submetê-lo a julgamento perante o Tribunal do Júri desta Circunscrição Judiciária.
O pronunciado respondeu ao processo solto e nesta ocasião não verifico presentes os requisitos para decretação da prisão preventiva.
Com o trânsito em julgado, dê-se vista ao Ministério Público para a finalidade prevista no artigo 422 do Código de Processo Penal.
Publiquem-se. Registrem-se. Intimem-se.
Brasília - DF, sexta-feira, 17/08/2012 às 14h18.
Fábio Francisco Esteves
Juiz de Direito Substituto
Fonte: Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios
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