sábado, 25 de junho de 2016

Breves elucidações sobre a Justiça Restaurativa

Apresentação: Coluna escrita com base em Monografia[1] apresentada à Universidade Estadual da Paraíba – UEPB, em parceria com a Escola Superior de Magistratura da Paraíba – ESMA-PB, como parte dos requisitos para a obtenção do título de Especialista em Prática Judicante, cujo orientador foi Dr. Bruno César Azevedo Isidro, ao qual devoto singular admiração pelo Exímio Juiz do Tribunal de Justiça da Paraíba e sua qualificação como Doutor pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ.

A discussão a ser realizada propõe-se a analisar um assunto que está em evidência no contexto atual, uma nova visão da justiça contemporânea, o emprego da sua forma restaurativa. Esta é visualizada como um instrumento da criminologia que busca a inovação da intervenção penal, exibindo outro olhar e forma de interferência sobre o crime.
Para compreendê-la é preciso usar outras lentes. Aliás, denomina-se Changing Lenses: A New Focus for Crime and Justice[1] a obra de Howard Zehr (1990), uma das mais consagradas referências bibliográficas sobre a Justiça Restaurativa.
Pode-se dizer que, apesar de ser um paradigma novo, já existe um crescente consenso internacional a respeito de seus princípios, inclusive oficial, em documentos da ONU e da União Européia, validando e recomendando a Justiça Restaurativa para todos os países.
A partir destes formulou-se a seguinte conceituação: Justiça Restaurativa é um processo através do qual todas as partes envolvidas em um ato que causou ofensa reúnem-se para decidir coletivamente como lidar com as circunstâncias decorrentes desse ato e suas implicações para o futuro. Assim, o processo restaurativo engloba o próprio conceito do que é justiça restaurativa, no qual as partes atuam de maneira coletiva na restauração do dano causado, com a intervenção de um facilitador.

No Brasil, em consonância com as lições de Damásio, as iniciativas são promovidas por juristas[1]. Nesse prisma, conforme dados do Conselho Nacional de Justiça, esta prática encontra-se em funcionamento há mais de 10 anos no país. É conhecida como uma técnica para solução de conflitos que prima pela criatividade e sensibilidade na escuta das vítimas e dos ofensores. Saliente-se ser incentivada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) por meio do Protocolo de Cooperação para a difusão da Justiça Restaurativa, firmado com a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB)[2]. 
Acerca do seu tratamento na legislação, com as inovações da Constituição de 1988 e o advento da Lei dos Juizados Especiais abre-se uma pequena janela ao princípio da oportunidade, permitindo certa acomodação sistêmica do modelo restaurativo, mesmo sem mudança legislativa.
A Constituição prevê, no art. 98, I, a possibilidade de conciliação em procedimento oral e sumaríssimo, de infrações penais de menor potencial ofensivo. Por seu turno, a fase preliminar prevista nos arts. 70 e 72 a 74, da Lei 9.099/95, pode ter a forma restaurativa.
Tais dispositivos, interpretados extensivamente e com base na diretriz hermenêutica do art. 5º da Lei de Introdução ao Código Civil, são normas permissivas e que legitimam a ilação de que esse procedimento pode ser encaminhado a um Núcleo de Justiça Restaurativa.
Outra janela para a alternativa restaurativa é o instituto da suspensão condicional do processo para crimes em que a pena cominada seja igual ou inferior a um ano, para qualquer tipo de crime e não apenas aos crimes cuja pena máxima seja de 2 (dois) anos.
De igual modo, nos crimes contra idosos, o processo restaurativo é possível, por força do art. 94, da Lei n. 10.741/03 – o Estatuto do Idoso – que prevê o procedimento da Lei 9.099/95 para crimes contra idosos cuja pena privativa de liberdade não ultrapasse 4 (quatro) anos.
Além dessa, o Estatuto da Criança e do Adolescente enseja e recomenda implicitamente o uso do modelo restaurativo, em vários dispositivos, particularmente quando dispõe sobre a remissão (art. 126) e diante do amplo elastério das medidas sócio-educativas previstas no art. 112 e seguintes do diploma legal.
Porém é preciso ter sempre presente que o procedimento restaurativo não é, pelo menos por enquanto, expressamente previsto na lei como um devido processo legal no sentido formal. A aceitação, pelas partes, da alternativa restaurativa, por essa razão, não pode ser imposta.
Por fim, convém ser citado um exemplo que pode ser considerado sobre todos quando depois de 27 anos Nelson Mandela sai da prisão, a sua primeira mensagem ao país foi “reconciliação e unidade”. Para reparar o mal nomeou, em 1996, a Comissão pela Verdade e a Reconciliação, uma forma criativa de mostrar a repulsiva verdade da opressão sem exigir vingança. na qual se um opressor enfrentasse seus acusadores e confessasse plenamente seu crime, ele não poderia ser processado por esse crime.



[1] Trocando as lentes: um novo foco sobre crime e justiça, tradução nossa. 

[2] CANANÉA, Helena Virgínia Roque. A problemática de instauração da Justiça Restaurativa no Brasil e o papel do magistrado na sua aplicação. João Pessoa, 2015

[3] JESUS, Damásio E. de. Justiça Restaurativa no Brasil. Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 819, 30 set. 2005. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/7359>. Acesso em: 10 mar. 2015.
[4] Justiça Restaurativa: o que é e como funciona. Disponível em: http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/62272-justica-restaurativa-o-que-e-e-como-funciona. Acesso em: 22 jun. 2016.










Dra. Helena Cananéa. 
Advogada- Bacharel em Direito na Universidade Federal de Campina Grande – UFCG. Especialista Judicante na Universidade Estadual da Paraíba - UEPB. Curso Preparatório à Magistratura na Escola Superior da Magistratura da Paraíba – ESMA PB. Assessora Jurídica em uma Autarquia Estadual. Autora de artigos científicos. Concurseira na área da Magistratura Estadual desde Outubro de 2015. Colunista responsável pelas dicas de prova para Magistratura, com maior enfoque para Direito Penal e Processo Penal. Antiga Juíza Conciliadora das Justiças Estaduais e Federais. Criadora do ig@futurameritissima 





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