sexta-feira, 24 de junho de 2016

“QUEM SE IMPORTA COM PEDRINHAS?

Saudações aos colegas concurseiros e aos demais colegas operadores do direito, seguidores do @criminais!

Nossa coluna hoje abordará uma temática delicada, porém, de análise imprescindível, qual seja, o Sistema Carcerário brasileiro.

Há alguns dias tive a oportunidade de ler a matéria, de cunho jornalístico, intitulada de “QUEM SE IMPORTA COM PEDINHAS?”, publicada pela Carta Capital, cuja leitura recomendo a todos os prezados colegas (Disponível em <http://www.cartacapital.com.br/revista/856/quem-se-importa-com-pedrinhas>).

 O texto consiste em um relato de um grupo de representantes das entidades que denunciaram o Complexo Penitenciário de Pedrinhas à Corte Interamericana de
Direitos Humanos da OEA.

Os autores narraram as visitações realizadas ao Complexo Penitenciário de Pedrinhas, localizado no Estado do Maranhão, bem como aponta uma série de violações a direitos e garantias fundamentais dos detentos, decorrentes da má estrutura (física, material, assistencial e funcional) do complexo penitenciário.

Ocorre que, infere-se dos (tristes) relatos e situações vivenciados naquela entidade prisional, uma situação fática presente não só no Complexo Penitenciário de Pedrinhas, mas em muitos dos estabelecimentos prisionais do Estado brasileiro.

Apesar da “revolução” jurídica, em termos de direitos e garantias fundamentais, geradas com o advento da Carta Magna de 1988, vê-se que, atualmente, ainda existem frequentes violações aos direitos humanos por parte do Estado brasileiro.
Antes de alisarmos outros tópicos acerca da supracitada instituição e/ou do sistema penitenciário nacional como um todo, é mister esclarecer as seguintes questões:

(I) Qual a distinção entre Direitos Fundamentais e Direitos Humanos? 

A distinção entre Direitos Humanos e Fundamentais consiste numa diferenciação meramente formal.  Isso porque, diz respeito, tão somente, ao instrumento normativo no qual está previsto.

Enquanto os Direitos Humanos estão previstos em documentos de ordem internacional (ex. Convenções, Convênios e Tratados Internacionais), os Direitos Fundamentais são aqueles que estão positivados, especialmente, nas Constituições dos Estados Soberanos e demais normas de direito interno.
Contudo, a importância e o conteúdo material de ambos direitos são idênticos, baseando-se, outrossim, num ponto comum: a Dignidade da Pessoa Humana.

(II) No que consistem as dimensões de Direitos Fundamentais?

As dimensões (ou gerações) dos direitos fundamentais foram criadas pelos juristas na medida em que as necessidades, e a consciência sobre os próprios direitos em face do Estado, foram sendo desenvolvidas.

As primeiras gerações dizem respeito aos direitos fundamentais basilares. Em suma: liberdade, igualdade e solidariedade (1ª, 2ª e 3ª dimensões, respectivamente).

Modernamente, foram desenvolvidas novas dimensões de direitos fundamentais, a saber: 5ª Geração (ligada ao direito à informação, ao meio ambiente, a globalização política, democracia direta, pluralismo, direto das minorias e biotecnologia) e 6ª Dimensão (relacionada com paz mundial, pesquisa biológica, patrimônio genético).

Insta destacar que não existe consenso na doutrina quanto a estas últimas dimensões de direitos fundamentais.

(III) Quais são as características dos Direitos Fundamentais?

Os Direitos Fundamentais possuem características voltadas à proteção própria – dada a sua essencialidade, e, também, em favor dos seus destinatários.

Assim, pode-se afirmar que estes são históricos, em razão da sua índole evolutiva e presença em toda a história da sociedade; indisponíveis, inalienáveis e irrenunciáveis, já que são desprovidos de caráter econômico/financeiro ou negocial; são personalíssimos, extinguindo-se com o falecimento do seu titular; imprescritíveis, já que não há perda pelo desuso; constitucionalizados, posto que, dado a sua relevância, devem ser positivados na esfera constitucional; invioláveis, diante da sua observância obrigatória pelas normas infraconstitucionais; vinculação aos poderes públicos, visto que são de observância obrigatória por todos os poderes/funções estatais; aplicabilidade imediata, na forma do parágrafo primeiro da Carta Magna, ainda que apenas se dê a eles aplicação mínima.

Podem ainda ser indicadas como características: a indivisibilidade, interdependência e não taxatividade, uma vez que são comuns a todos os ramos do direito, cujo rol é meramente exemplificativo em razão da sua abrangência prática, mediante hermenêutica jurídica; vedação ao retrocesso social, mediante reafirmações constantes; concorrência, quanto à possibilidade de exercício simultâneo; e universalidade, a qual abrange os planos da titularidade, temporalidade, culturalidade e vinculação.

(IV) No que consiste a expressão “Estado de Coisas Inconstitucional” (ECI)?

O “Estado de coisas inconstitucional” consiste na verificação de um quadro massivo de violação à direitos e garantias fundamentais, acompanhadas pela atuação ineficiente do Estado, o que expõe à sociedade a verdadeiros abusos Estatais, diante da sua inércia ou proteção deficiente.

Essa teoria foi adotada no Brasil pelo STF, ao deferir, parcialmente, medidas cautelares formuladas na ADPF nº 347/DF.

Ademais, a referida Ação Constitucional reconheceu a existência do “Estado de Coisas Inconstitucional” no sistema carcerário brasileiro, em razão das constantes, graves e generalizadas violações de direitos fundamentais da população prisional brasileira.

Pois bem, prezados colegas.

Voltando à temática central da coluna de hoje, é possível aduzir que, apesar de o Código Penal brasileiro adotar a Teoria do “Direito Penal do Fato”, a qual prega que as punições penais devem ser dirigidas e aplicadas aos fatos delitivos, não podemos negar que as condições dos estabelecimentos prisionais do País mascaram um verdadeiro “Direito Penal do Autor”.

Isso porque, em nosso sistema penitenciário, pune-se o autor do fato e não o fato praticado pelo autor.

De mais a mais, são frequentes as notícias acerca de violações a direitos nos interiores dos presídios, seja pela ausência de estrutura física, pela ausência de acompanhamento multidisciplinar adequado (jurídico, médico, psicológico), inexistência de mecanismos de ressocialização, ou, até mesmo, pela violência física, destinada aos detentos e aos seus familiares.

Como não citar os abusos e violências perpetradas quando das chamadas “revistas íntimas”?

Ora, não há como efetivar as funções propostas para a pena privativa de liberdade se não são ofertadas condições mínimas para o funcionamento dos presídios e o tratamento digno dos apenados.

Cumpre ainda destacar que, em razão das graves violações aos Direitos Humanos pelo Estado brasileiro no âmbito prisional, foram adotadas, em face do país, medidas drásticas, quais sejam: intervenção da Corte Interamericana de Direitos Humanos da OEA e adoção da tese de “Estado de coisas inconstitucional” pelo Supremo Tribunal Federal.

Vislumbra-se, assim, que ambas as medidas, de cunho coercitivo, buscam garantir que o Estado aplique os direitos e garantias fundamentais que ele mesmo se obrigou, seja ao positivá-los na Constituição Federal e/ou ao ratificar e adotar tratados internacionais de Direitos Humanos.

Por fim, cumpre destacar que, conforme dito na matéria jornalística outrora abordada, a responsabilidade pela verdadeira “crise” na qual está inserido o sistema prisional brasileiro é também da sociedade civil.

Isso porque, ao adotar prejulgamentos hostis em face dos apenados, a população passa a considerar “justas” as punições cruéis e as condições degradantes as quais os referidos são submetidos.

Assim, ao, verdadeiramente, “fechar os olhos” em face das diversas violações causadas aos presidiários e ao adotar postura passiva quanto à inação estatal, a sociedade contribui, significativamente, para a não alteração da realidade fática ora debatida.

Contudo, é notório que a situação dos complexos penitenciários deve ser, urgentemente, modificada, a fim de que haja, efetivamente, a ressocialização dos egressos do sistema prisional.  

Esta foi a minha singela contribuição por hoje. Espero que tenham gostado!

Bons estudos a todos! Até breve!






   Jéssica Almeida. Advogada (OAB/SE), Pós-Graduanda em Direito Penal e Processual Penal. Aprovada em concursos jurídicos (TRE/SE, TJ/SE, MP/SE e Procuradoria Municipal).

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