quinta-feira, 30 de junho de 2016

Tráfico de Drogas Privilegiado e não incidência da hediondez.

Saudações aos colegas concurseiros e aos demais colegas operadores do direito, seguidores do @criminais!

Na coluna de hoje teceremos alguns comentários acerca do Tráfico de Drogas Privilegiado e não incidência da hediondez.

Conforme fora amplamente divulgado, o Supremo Tribunal federal – STF, na sessão ocorrida na data de 23/06/2016, entendeu, por maioria dos votos (8x3), que o tráfico de drogas, na modalidade privilegiada, previsto ao teor do artigo 33, parágrafo 4º, da Lei 11.343/2006, não deve ser considerado crime de natureza hedionda.

Cumpre ainda destacar que a referida discussão ocorreu no julgamento do Habeas Corpus (HC) 118533.

Pois bem, prezados.

I) Mas, em que consiste o Tráfico de Drogas Privilegiado (ou “traficância menor/eventual”)?

Consiste em uma modalidade de mercancia de entorpecentes em que a pena aplicada ao agente delitivo (poderá) ser reduzida – de um sexto a dois terços, desde que presentes os requisitos subjetivos exigidos pelo tipo penal.

Eis o disposto pela legislação pátria:

Art. 33. Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar:
Pena - reclusão de 5 (cinco) a 15 (quinze) anos e pagamento de 500 (quinhentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa.
 (...)
§ 4º Nos delitos definidos no caput e no § 1º deste artigo, as penas poderão ser reduzidas de um sexto a dois terços, vedada a conversão em penas restritivas de direitos, desde que o agente seja primário, de bons antecedentes, não se dedique às atividades criminosas nem integre organização criminosa – Destacou-se. 

II) Qual o instituto jurídico-normativo que confere hediondez ao crime de tráfico de drogas?

Inicialmente, insta destacar que o delito de tráfico de drogas não é crime hediondo.

(Aññ..... Como assim?)

Os crimes hediondos são aqueles definidos pelo artigo 1º (e em seu parágrafo único) da Lei 8.072/90. Trata-se de um rol taxativo.

Ocorre que, apesar de o tráfico de drogas não ter sido elencado naquele rol, o legislador pátrio o considerou como crime equiparado a hediondo.

Ademais, a Lei de Crimes Hediondos (Lei nº 8.072/90) estabeleceu, em seu artigo 2º, restrições aos crimes hediondos e equiparados a hediondos. Vejamos:

Art. 2º Os crimes hediondos, a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins e o terrorismo são insuscetíveis de:
I - anistia, graça e indulto;
II - fiança.
§ 1o A pena por crime previsto neste artigo será cumprida inicialmente em regime fechado.
§ 2o A progressão de regime, no caso dos condenados aos crimes previstos neste artigo, dar-se-á após o cumprimento de 2/5 (dois quintos) da pena, se o apenado for primário, e de 3/5 (três quintos), se reincidente.
§ 3o Em caso de sentença condenatória, o juiz decidirá fundamentadamente se o réu poderá apelar em liberdade. 
 § 4o A prisão temporária, sobre a qual dispõe a Lei no 7.960, de 21 de dezembro de 1989, nos crimes previstos neste artigo, terá o prazo de 30 (trinta) dias, prorrogável por igual período em caso de extrema e comprovada necessidade.
Art. 3º A União manterá estabelecimentos penais, de segurança máxima, destinados ao cumprimento de penas impostas a condenados de alta periculosidade, cuja permanência em presídios estaduais ponha em risco a ordem ou incolumidade pública.

III) Voltando a questão do Tráfico Privilegiado, como se manifestavam os Tribunais Superiores?

Majoritariamente, o STF e o STJ entendiam que o tráfico privilegiado era crime equiparado a hediondo.

Esta questão, inclusive, está sumulada pelo STJ: Súmula 512-STJ - A aplicação da causa de diminuição de pena prevista no art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/2006 não afasta a hediondez do crime de tráfico de drogas.

Contudo, é importante salientar que o STF já havia assinalado a possibilidade de mudança de entendimento, questão que, inclusive, suscitou (acalorados) debates no âmbito jurídico.

Isso porque, no ano de 2012, a 2ª Turma do Supremo acolheu proposição do Min. Celso de Mello, para afetar ao Plenário da Suprema Corte, no julgamento de habeas corpus em que se discutia a matéria:

“[...]. Alega-se que o tráfico privilegiado não seria hediondo porque não estaria expressamente identificado no art. 2º da Lei 8.072/90 (Art. 2º Os crimes hediondos, a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins e o terrorismo são insuscetíveis de: I - anistia, graça e indulto; II - fiança), a prever tão somente a figura do tráfico de entorpecentes do caput do mencionado art. 33 da Lei de Drogas. Sustenta-se, ademais, que esse fato seria bastante para que o paciente não sofresse as restrições impostas pela Lei dos Crimes Hediondos” (HC 110884/MS, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 27.11.2012).

IV) E a decisão do STF da data de 23/07/2016?

Numa decisão considerada histórica, a Suprema Corte decidiu, por maioria dos votos, que não deve incidir sobre o Tráfico Privilegiado a hediondez do crime de tráfico de drogas.

De acordo com notícia vinculada pelo site do STF, o Ministro Edson Fachin sustentou que entendimento contrário configuraria desproporcionalidade.

Fachin sustentou, em seu voto, que “(...) a equiparação a crime hediondo não alcança o delito de tráfico na hipótese de incidência da causa de diminuição em exame”.

Já o Ministro Celso Mello, por sua vez, ressaltou que o tráfico na modalidade privilegiada atinge as mulheres de forma grave, fazendo com que a população carcerária feminina tenha um aumento alarmante.

Nesse mesmo sentido, Ricardo Lewandowski ressaltou que “(...) muitas (mulheres) participam como simples ‘correios’ ou ‘mulas’, ou seja, apenas transportam a droga para terceiros, ocupando-se, o mais das vezes, em mantê-la, num ambiente doméstico, em troca de alguma vantagem econômica”.

Ademais, o Ministro Lewandowski, em seu voto, apresentou dados do Sistema Integrado de Informações Penitenciárias (INFOPEN) do Ministério da Justiça.

Aduziu, outrossim, que os percentuais obtidos através do INFOPEN “(...) se analisado sob a perspectiva do recorte de gênero, revela uma realidade ainda mais brutal: 68% das mulheres em situação de privação de liberdade estão envolvidas com os tipos penais de tráfico de entorpecentes ou associação para o tráfico”.

V) Mas, e qual é o efeito prático desta alteração de entendimento da Suprema Corte?

A fim de ilustrar, didaticamente, tal questionamento, utilizaremos o quadro esquematizado disponível no site “Saber Direito” (Disponível em <http://www.dizerodireito.com.br/2016/06/o-trafico-privilegiado-art-33-4-da-lei.html>).


Esta foi a minha singela contribuição por hoje. Espero que tenham gostado!
Bons estudos a todos! Até breve! 







   Jéssica Almeida. Advogada (OAB/SE), Pós-Graduanda em Direito Penal e Processual Penal. Aprovada em concursos jurídicos (TRE/SE, TJ/SE, MP/SE e Procuradoria Municipal).



Um comentário:

  1. Errou em relação ao livramento. A lei de drogas tem livramento específico, nos moldes da Lei dos Crimes Hediondo. Cai a hediodez e consequentemente a aplicabilidade de lei, mas o conteúdo da lei de drogas fica...

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