Inquérito e redução a condição análoga à de escravo - 1
O Plenário, por maioria, recebeu denúncia oferecida contra deputado federal e outro denunciado pela suposta prática do crime previsto no art. 149 do CP (“Reduzir alguém a condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho,quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto”). A inicial acusatória narra — a partir de relatório elaborado pelo Grupo Especial de Fiscalização Móvel do Ministério do Trabalho e Emprego — que eles teriam submetido trabalhadores de empresa agrícola a jornada exaustiva e a condições degradantes de trabalho, cerceando-lhes a locomoção com o objetivo de mantê-los no local onde laboravam. Reputou-se não ser exigida, para o recebimento da inicial, valoração aprofundada dos elementos trazidos, que seriam suficientes para a instauração da ação penal. O Min. Luiz Fux acrescentou que o tipo penal em questão deveria ser analisado sob o prisma do princípio constitucional da dignidade da pessoa humana. Destacou que as condições de higiene, habitação, saúde, alimentação, transporte, trabalho e remuneração das pessoas que laboravam no local demonstrariam violação a este postulado e, ademais, configurariam o crime analisado. Aduziu que a denúncia descreveria práticas delituosas perpetradas no âmbito da estrutura organizada pelos representantes da empresa, sendo certo que, em crimes societários, os criminosos esconder-se-iam por detrás do véu da personalidade jurídica em busca da impunidade.
Inq 3412/AL, rel. orig. Min. Marco Aurélio, red. p/ o acórdão Min. Rosa Weber, 29.3.2012. (Inq-3412)Inquérito e redução a condição análoga à de escravo - 2
O Min. Ricardo Lewandowski registrou que ao menos um dos núcleos do tipo descrito no art. 149 do CP — submeter alguém a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva — estaria suficientemente demonstrado, sem prejuízo de outros que fossem, eventualmente, melhor explicitados. O Min. Ayres Britto, por sua vez, observou que além deste núcleo do tipo, a submissão a condições degradantes de trabalho estaria presente. Asseverou, ademais, que o art. 149 do CP não protegeria o trabalhador — tutelado pelo art. 203 do mesmo diploma —, mas o indivíduo de maneira geral. No ponto, o Min. Cezar Peluso, Presidente, divergiu, ao frisar que a origem histórica do crime de redução a condição análoga à de escravo teria incluído o tipo na defesa da liberdade. Entretanto, com a modificação advinda pela Lei 10.803/2003, o campo de proteção da norma teria sido restrito às relações de trabalho, pela vulnerabilidade imanente à condição do trabalhador. Assim, o objeto da tutela material seria a dignidade da pessoa na posição de trabalhador, e não a liberdade de qualquer pessoa. Bastaria, portanto, a demonstração do fato de trabalhador ser submetido a condições degradantes, para que fosse caracterizado, em tese, o crime. Reputou, por fim, que ambos os denunciados teriam o domínio dos fatos, ou seja, não poderiam ignorar as condições a que os trabalhadores eram submetidos e, portanto, seriam capazes de tolher a prática do crime.
Inq 3412/AL, rel. orig. Min. Marco Aurélio, red. p/ o acórdão Min. Rosa Weber, 29.3.2012. (Inq-3412)Inquérito e redução a condição análoga à de escravo - 3
Vencidos os Ministros Marco Aurélio, relator, Dias Toffoli, Gilmar Mendes e Celso de Mello, que rejeitavam a peça acusatória. O relator afirmava que os fatos nela narrados não consubstanciariam responsabilidade penal, mas cível-trabalhista. Anotava que o simples descumprimento de normas de proteção ao trabalho não configuraria trabalho escravo, o qual pressuporia cerceio à locomoção, diante de quadro opressivo imposto pelo empregador. Nesse sentido, o tipo penal versaria a submissão a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, com sujeição a condições degradantes ou restrição da liberdade em virtude de dívidas com o contratante. Afastava, também, o dolo por parte dos denunciados. O Min. Dias Toffoli corroborava que o crime em questão tutelaria a liberdade individual, que não teria sido atingida. O Min. Gilmar Mendes reforçava que dar enfoque penal para problemas de irregularidade no plano trabalhista seria grave, embora reconhecesse a necessidade de melhoria das condições de trabalho de maneira geral. Assim, deveria haver outras iniciativas, além da punição, para buscar soluções a respeito, especialmente nos setores econômicos mais dinâmicos. O Min. Celso de Mello assentava que o fato de os denunciados ostentarem a condição de diretor-presidente e diretor-vice-presidente da empresa, por si só, não poderia justificar a acusação, sob pena de presunção de culpa em âmbito penal. Não obstante, reconhecia a possibilidade de o Ministério Público formular nova denúncia, em que as condutas fossem individualizadas.
Inq 3412/AL, rel. orig. Min. Marco Aurélio, red. p/ o acórdão Min. Rosa Weber, 29.3.2012. (Inq-3412)Processo penal militar e dupla intimação - 3
Em conclusão de julgamento, a 1ª Turma, por maioria, denegou habeas corpus em que se sustentava a necessidade de dupla intimação da sentença condenatória: a do réu militar e a do advogado por ele constituído — v. Informativos 603 e 627. Assentou-se que: a) essa regra aplicar-se-ia à decisão de 1º grau, mas não à de 2º, que seria a hipótese dos autos; e b) apenas haveria obrigatoriedade de intimação pessoal do réu em relação ao julgamento do acórdão, quando ele estivesse preso (CPPM, artigos 288, § 2º, e 537) Ressaltou-se que houvera a intimação do defensor e que, por estar o paciente solto no curso da ação penal, sua intimação pessoal não seria imprescindível, motivo por que teria havido o regular trânsito em julgado do processo. Vencidos os Ministros Marco Aurélio, relator, e Luiz Fux, que concediam a ordem para declarar insubsistente a certidão alusiva ao trânsito em julgado, por entenderem indispensável tanto a intimação do advogado como a do réu. Consignavam que, em face do critério da especialidade, não se aplicaria o Código de Processo Penal comum — que apenas exigiria a comunicação oficial do ato a ambos quando o réu estivesse sob a custódia do Estado — e sim, o Militar, a partir da interpretação sistemática dos seus artigos 288, 443, 445, 446 e 537.
HC 99109/RJ, rel. orig. Min. Marco Aurélio, red. p/ o acórdão Min. Dias Toffoli, 27.3.2012. (HC-99109)Crime de lavagem de dinheiro e jogo ilegal - 3
Em conclusão, a 1ª Turma, por maioria, em face de julgamento de mérito do writ no STJ, não conheceu de habeas corpus impetrado de decisão liminar daquele tribunal. Na espécie, alegava-se constrangimento ilegal, decorrente de inépcia da denúncia e de falta de justa causa para a ação penal, em virtude da impossibilidade de configuração do necessário crime antecedente do delito de lavagem de dinheiro. O STJ indeferira a liminar porquanto o deslinde da controvérsia demandaria aprofundado exame do mérito da impetração — v. Informativo 652. Ressaltou-se que, conforme consulta ao STJ, teria havido decisão de mérito do habeas lá impetrado, passível de recurso para o STF, não sendo cabível o presente writ. Vencido o Min. Marco Aurélio, relator, que entendia não haver o prejuízo. Asseverava que a notícia do julgamento impediria articular-se o Verbete 691da Súmula deste Supremo. No mérito, assentava a inexistência de justa causa para a persecução criminal.
HC 101798/RJ, rel. orig. Min. Marco Aurélio, red. p/ o acórdão Min. Luiz Fux, 27.3.2012. (HC-101798)
HC N. 105.282-RS
RELATOR: MIN. GILMAR MENDES
Habeas corpus. 2. Pedido de aplicação da causa especial de diminuição de pena prevista no § 4º do art. 33 da Lei n. 11.343/2006 à pena cominada no art. 12 da Lei n. 6.368/76. Precedente do Plenário (RE 596152/SP). 4. Ordem parcialmente concedida para que Juízo das Execuções Penais analise a fixação da pena, observando a possibilidade de aplicação do redutor previsto no § 4º do art. 33 da Lei 11.343/2006 à pena cominada no art. 12 da Lei 6.368/76.
RELATOR: MIN. GILMAR MENDES
Habeas corpus. 2. Pedido de aplicação da causa especial de diminuição de pena prevista no § 4º do art. 33 da Lei n. 11.343/2006 à pena cominada no art. 12 da Lei n. 6.368/76. Precedente do Plenário (RE 596152/SP). 4. Ordem parcialmente concedida para que Juízo das Execuções Penais analise a fixação da pena, observando a possibilidade de aplicação do redutor previsto no § 4º do art. 33 da Lei 11.343/2006 à pena cominada no art. 12 da Lei 6.368/76.
HC N. 107.701-RS
RELATOR: MIN. GILMAR MENDES
HABEAS CORPUS. 2. DIREITO DO PACIENTE, PRESO HÁ QUASE 10 ANOS, DE RECEBER A VISITA DE SEUS DOIS FILHOS E TRÊS ENTEADOS. 3. COGNOSCIBILIDADE. POSSIBILIDADE. LIBERDADE DE LOCOMOÇÃO ENTENDIDA DE FORMA AMPLA, AFETANDO TODA E QUALQUER MEDIDA DE AUTORIDADE QUE POSSA EM TESE ACARRETAR CONSTRANGIMENTO DA LIBERDADE DE IR E VIR. ORDEM CONCEDIDA.
1. COGNOSCIBILIDADE DO WRIT.
A jurisprudência prevalente neste Supremo Tribunal Federal é no sentido de que não terá seguimento habeas corpus que não afete diretamente a liberdade de locomoção do paciente.Alargamento do campo de abrangência do remédio heroico. Não raro, esta Corte depara-se com a impetração de habeas corpus contra instauração de inquérito criminal para tomada de depoimento; indiciamento de determinada pessoa em inquérito policial; recebimento da denúncia; sentença de pronúncia no âmbito do processo do júri; sentença condenatória etc.
Liberdade de locomoção entendida de forma ampla, afetando toda e qualquer medida de autoridade que possa, em tese, acarretar constrangimento para a liberdade de ir e vir. Direito de visitas como desdobramento do direito de liberdade. Só há se falar em direito de visitas porque a liberdade do apenado encontra-se tolhida. Decisão do juízo das execuções que, ao indeferir o pedido de visitas formulado, repercute na esfera de liberdade, porquanto agrava, ainda mais, o grau de restrição da liberdade do paciente. Eventuais erros por parte do Estado ao promover a execução da pena podem e devem ser sanados via habeas corpus, sob pena de, ao fim do cumprimento da pena, não restar alcançado o objetivo de reinserção eficaz do apenado em seu seio familiar e social. Habeas corpus conhecido.
2. RESSOCIALIZAÇÃO DO APENADO.
A Constituição Federal de 1988 tem como um de seus princípios norteadores o da humanidade, sendo vedadas as penas de morte, salvo em caso de guerra declarada (nos termos do art. 84, XIX), de caráter perpétuo, de trabalhos forçados, de banimento e cruéis (CF, art. 5º, XLVII). Prevê, ainda, ser assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral (CF, art. 5º, XLIX). É fato que a pena assume o caráter de prevenção e retribuição ao mal causado. Por outro lado, não se pode olvidar seu necessário caráter ressocializador, devendo o Estado preocupar-se, portanto, em recuperar o apenado. Assim, é que dispõe o art. 10 da Lei de Execução Penal ser dever do Estado a assistência ao preso e ao internado, objetivando prevenir o crime e orientar o retorno à convivência em sociedade. Aliás, o direito do preso receber visitas do cônjuge, da companheira, de parentes e de amigos está assegurado expressamente pela própria Lei (art. 41, X), sobretudo com o escopo de buscar a almejada ressocialização e reeducação do apenado que, cedo ou tarde, retornará ao convívio familiar e social.
Nem se diga que o paciente não faz jus à visita dos filhos por se tratar de local impróprio, podendo trazer prejuízos à formação psíquica dos menores. De fato, é público e notório o total desajuste do sistema carcerário brasileiro à programação prevista pela Lei de Execução Penal. Todavia, levando-se em conta a almejada ressocialização e partindo-se da premissa de que o convício familiar é salutar para a perseguição desse fim, cabe ao Poder Público propiciar meios para que o apenado possa receber visitas, inclusive dos filhos e enteados, em ambiente minimamente aceitável, preparado para tanto e que não coloque em risco a integridade física e psíquica dos visitantes.
3. ORDEM CONCEDIDA.
*noticiado no Informativo 640
RELATOR: MIN. GILMAR MENDES
HABEAS CORPUS. 2. DIREITO DO PACIENTE, PRESO HÁ QUASE 10 ANOS, DE RECEBER A VISITA DE SEUS DOIS FILHOS E TRÊS ENTEADOS. 3. COGNOSCIBILIDADE. POSSIBILIDADE. LIBERDADE DE LOCOMOÇÃO ENTENDIDA DE FORMA AMPLA, AFETANDO TODA E QUALQUER MEDIDA DE AUTORIDADE QUE POSSA EM TESE ACARRETAR CONSTRANGIMENTO DA LIBERDADE DE IR E VIR. ORDEM CONCEDIDA.
1. COGNOSCIBILIDADE DO WRIT.
A jurisprudência prevalente neste Supremo Tribunal Federal é no sentido de que não terá seguimento habeas corpus que não afete diretamente a liberdade de locomoção do paciente.Alargamento do campo de abrangência do remédio heroico. Não raro, esta Corte depara-se com a impetração de habeas corpus contra instauração de inquérito criminal para tomada de depoimento; indiciamento de determinada pessoa em inquérito policial; recebimento da denúncia; sentença de pronúncia no âmbito do processo do júri; sentença condenatória etc.
Liberdade de locomoção entendida de forma ampla, afetando toda e qualquer medida de autoridade que possa, em tese, acarretar constrangimento para a liberdade de ir e vir. Direito de visitas como desdobramento do direito de liberdade. Só há se falar em direito de visitas porque a liberdade do apenado encontra-se tolhida. Decisão do juízo das execuções que, ao indeferir o pedido de visitas formulado, repercute na esfera de liberdade, porquanto agrava, ainda mais, o grau de restrição da liberdade do paciente. Eventuais erros por parte do Estado ao promover a execução da pena podem e devem ser sanados via habeas corpus, sob pena de, ao fim do cumprimento da pena, não restar alcançado o objetivo de reinserção eficaz do apenado em seu seio familiar e social. Habeas corpus conhecido.
2. RESSOCIALIZAÇÃO DO APENADO.
A Constituição Federal de 1988 tem como um de seus princípios norteadores o da humanidade, sendo vedadas as penas de morte, salvo em caso de guerra declarada (nos termos do art. 84, XIX), de caráter perpétuo, de trabalhos forçados, de banimento e cruéis (CF, art. 5º, XLVII). Prevê, ainda, ser assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral (CF, art. 5º, XLIX). É fato que a pena assume o caráter de prevenção e retribuição ao mal causado. Por outro lado, não se pode olvidar seu necessário caráter ressocializador, devendo o Estado preocupar-se, portanto, em recuperar o apenado. Assim, é que dispõe o art. 10 da Lei de Execução Penal ser dever do Estado a assistência ao preso e ao internado, objetivando prevenir o crime e orientar o retorno à convivência em sociedade. Aliás, o direito do preso receber visitas do cônjuge, da companheira, de parentes e de amigos está assegurado expressamente pela própria Lei (art. 41, X), sobretudo com o escopo de buscar a almejada ressocialização e reeducação do apenado que, cedo ou tarde, retornará ao convívio familiar e social.
Nem se diga que o paciente não faz jus à visita dos filhos por se tratar de local impróprio, podendo trazer prejuízos à formação psíquica dos menores. De fato, é público e notório o total desajuste do sistema carcerário brasileiro à programação prevista pela Lei de Execução Penal. Todavia, levando-se em conta a almejada ressocialização e partindo-se da premissa de que o convício familiar é salutar para a perseguição desse fim, cabe ao Poder Público propiciar meios para que o apenado possa receber visitas, inclusive dos filhos e enteados, em ambiente minimamente aceitável, preparado para tanto e que não coloque em risco a integridade física e psíquica dos visitantes.
3. ORDEM CONCEDIDA.
*noticiado no Informativo 640
HC N. 104.410-RS
RELATOR: MIN. GILMAR MENDES
HABEAS CORPUS. PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO DESMUNICIADA. (A)TIPICIDADE DA CONDUTA. CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE DAS LEIS PENAIS. MANDATOS CONSTITUCIONAIS DE CRIMINALIZAÇÃO E MODELO EXIGENTE DE CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE DAS LEIS EM MATÉRIA PENAL. CRIMES DE PERIGO ABSTRATO EM FACE DO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE. LEGITIMIDADE DA CRIMINALIZAÇÃO DO PORTE DE ARMA DESMUNICIADA. ORDEM DENEGADA.
1. CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE DAS LEIS PENAIS. 1.1. Mandatos Constitucionais de Criminalização: A Constituição de 1988 contém um significativo elenco de normas que, em princípio, não outorgam direitos, mas que, antes, determinam a criminalização de condutas (CF, art. 5º, XLI, XLII, XLIII, XLIV; art. 7º, X; art. 227, § 4º). Em todas essas normas é possível identificar um mandato de criminalização expresso, tendo em vista os bens e valores envolvidos. Os direitos fundamentais não podem ser considerados apenas como proibições de intervenção (Eingriffsverbote), expressando também um postulado de proteção (Schutzgebote). Pode-se dizer que os direitos fundamentais expressam não apenas uma proibição do excesso (Übermassverbote), como também podem ser traduzidos como proibições de proteção insuficiente ou imperativos de tutela (Untermassverbote). Os mandatos constitucionais de criminalização, portanto, impõem ao legislador, para o seu devido cumprimento, o dever de observância do princípio da proporcionalidade como proibição de excesso e como proibição de proteção insuficiente. 1.2. Modelo exigente de controle de constitucionalidade das leis em matéria penal, baseado em níveis de intensidade: Podem ser distinguidos 3 (três) níveis ou graus de intensidade do controle de constitucionalidade de leis penais, consoante as diretrizes elaboradas pela doutrina e jurisprudência constitucional alemã: a) controle de evidência (Evidenzkontrolle); b) controle de sustentabilidade ou justificabilidade (Vertretbarkeitskontrolle); c) controle material de intensidade (intensivierten inhaltlichen Kontrolle). O Tribunal deve sempre levar em conta que a Constituição confere ao legislador amplas margens de ação para eleger os bens jurídicos penais e avaliar as medidas adequadas e necessárias para a efetiva proteção desses bens. Porém, uma vez que se ateste que as medidas legislativas adotadas transbordam os limites impostos pela Constituição – o que poderá ser verificado com base no princípio da proporcionalidade como proibição de excesso (Übermassverbot) e como proibição de proteção deficiente (Untermassverbot) –, deverá o Tribunal exercer um rígido controle sobre a atividade legislativa, declarando a inconstitucionalidade de leis penais transgressoras de princípios constitucionais.
2. CRIMES DE PERIGO ABSTRATO. PORTE DE ARMA. PRINCÍPIO DA PROPORCIONALDIADE. A Lei 10.826/2003 (Estatuto do Desarmamento) tipifica o porte de arma como crime de perigo abstrato. De acordo com a lei, constituem crimes as meras condutas de possuir, deter, portar, adquirir, fornecer, receber, ter em depósito, transportar, ceder, emprestar, remeter, empregar, manter sob sua guarda ou ocultar arma de fogo. Nessa espécie de delito, o legislador penal não toma como pressuposto da criminalização a lesão ou o perigo de lesão concreta a determinado bem jurídico. Baseado em dados empíricos, o legislador seleciona grupos ou classes de ações que geralmente levam consigo o indesejado perigo ao bem jurídico. A criação de crimes de perigo abstrato não representa, por si só, comportamento inconstitucional por parte do legislador penal. A tipificação de condutas que geram perigo em abstrato, muitas vezes, acaba sendo a melhor alternativa ou a medida mais eficaz para a proteção de bens jurídico-penais supraindividuais ou de caráter coletivo, como, por exemplo, o meio ambiente, a saúde etc. Portanto, pode o legislador, dentro de suas amplas margens de avaliação e de decisão, definir quais as medidas mais adequadas e necessárias para a efetiva proteção de determinado bem jurídico, o que lhe permite escolher espécies de tipificação próprias de um direito penal preventivo. Apenas a atividade legislativa que, nessa hipótese, transborde os limites da proporcionalidade, poderá ser tachada de inconstitucional.
3. LEGITIMIDADE DA CRIMINALIZAÇÃO DO PORTE DE ARMA. Há, no contexto empírico legitimador da veiculação da norma, aparente lesividade da conduta, porquanto se tutela a segurança pública (art. 6º e 144, CF) e indiretamente a vida, a liberdade, a integridade física e psíquica do indivíduo etc. Há inequívoco interesse público e social na proscrição da conduta. É que a arma de fogo, diferentemente de outros objetos e artefatos (faca, vidro etc.) tem, inerente à sua natureza, a característica da lesividade. A danosidade é intrínseca ao objeto. A questão, portanto, de possíveis injustiças pontuais, de absoluta ausência de significado lesivo deve ser aferida concretamente e não em linha diretiva de ilegitimidade normativa.
4. ORDEM DENEGADA.
RELATOR: MIN. GILMAR MENDES
HABEAS CORPUS. PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO DESMUNICIADA. (A)TIPICIDADE DA CONDUTA. CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE DAS LEIS PENAIS. MANDATOS CONSTITUCIONAIS DE CRIMINALIZAÇÃO E MODELO EXIGENTE DE CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE DAS LEIS EM MATÉRIA PENAL. CRIMES DE PERIGO ABSTRATO EM FACE DO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE. LEGITIMIDADE DA CRIMINALIZAÇÃO DO PORTE DE ARMA DESMUNICIADA. ORDEM DENEGADA.
1. CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE DAS LEIS PENAIS. 1.1. Mandatos Constitucionais de Criminalização: A Constituição de 1988 contém um significativo elenco de normas que, em princípio, não outorgam direitos, mas que, antes, determinam a criminalização de condutas (CF, art. 5º, XLI, XLII, XLIII, XLIV; art. 7º, X; art. 227, § 4º). Em todas essas normas é possível identificar um mandato de criminalização expresso, tendo em vista os bens e valores envolvidos. Os direitos fundamentais não podem ser considerados apenas como proibições de intervenção (Eingriffsverbote), expressando também um postulado de proteção (Schutzgebote). Pode-se dizer que os direitos fundamentais expressam não apenas uma proibição do excesso (Übermassverbote), como também podem ser traduzidos como proibições de proteção insuficiente ou imperativos de tutela (Untermassverbote). Os mandatos constitucionais de criminalização, portanto, impõem ao legislador, para o seu devido cumprimento, o dever de observância do princípio da proporcionalidade como proibição de excesso e como proibição de proteção insuficiente. 1.2. Modelo exigente de controle de constitucionalidade das leis em matéria penal, baseado em níveis de intensidade: Podem ser distinguidos 3 (três) níveis ou graus de intensidade do controle de constitucionalidade de leis penais, consoante as diretrizes elaboradas pela doutrina e jurisprudência constitucional alemã: a) controle de evidência (Evidenzkontrolle); b) controle de sustentabilidade ou justificabilidade (Vertretbarkeitskontrolle); c) controle material de intensidade (intensivierten inhaltlichen Kontrolle). O Tribunal deve sempre levar em conta que a Constituição confere ao legislador amplas margens de ação para eleger os bens jurídicos penais e avaliar as medidas adequadas e necessárias para a efetiva proteção desses bens. Porém, uma vez que se ateste que as medidas legislativas adotadas transbordam os limites impostos pela Constituição – o que poderá ser verificado com base no princípio da proporcionalidade como proibição de excesso (Übermassverbot) e como proibição de proteção deficiente (Untermassverbot) –, deverá o Tribunal exercer um rígido controle sobre a atividade legislativa, declarando a inconstitucionalidade de leis penais transgressoras de princípios constitucionais.
2. CRIMES DE PERIGO ABSTRATO. PORTE DE ARMA. PRINCÍPIO DA PROPORCIONALDIADE. A Lei 10.826/2003 (Estatuto do Desarmamento) tipifica o porte de arma como crime de perigo abstrato. De acordo com a lei, constituem crimes as meras condutas de possuir, deter, portar, adquirir, fornecer, receber, ter em depósito, transportar, ceder, emprestar, remeter, empregar, manter sob sua guarda ou ocultar arma de fogo. Nessa espécie de delito, o legislador penal não toma como pressuposto da criminalização a lesão ou o perigo de lesão concreta a determinado bem jurídico. Baseado em dados empíricos, o legislador seleciona grupos ou classes de ações que geralmente levam consigo o indesejado perigo ao bem jurídico. A criação de crimes de perigo abstrato não representa, por si só, comportamento inconstitucional por parte do legislador penal. A tipificação de condutas que geram perigo em abstrato, muitas vezes, acaba sendo a melhor alternativa ou a medida mais eficaz para a proteção de bens jurídico-penais supraindividuais ou de caráter coletivo, como, por exemplo, o meio ambiente, a saúde etc. Portanto, pode o legislador, dentro de suas amplas margens de avaliação e de decisão, definir quais as medidas mais adequadas e necessárias para a efetiva proteção de determinado bem jurídico, o que lhe permite escolher espécies de tipificação próprias de um direito penal preventivo. Apenas a atividade legislativa que, nessa hipótese, transborde os limites da proporcionalidade, poderá ser tachada de inconstitucional.
3. LEGITIMIDADE DA CRIMINALIZAÇÃO DO PORTE DE ARMA. Há, no contexto empírico legitimador da veiculação da norma, aparente lesividade da conduta, porquanto se tutela a segurança pública (art. 6º e 144, CF) e indiretamente a vida, a liberdade, a integridade física e psíquica do indivíduo etc. Há inequívoco interesse público e social na proscrição da conduta. É que a arma de fogo, diferentemente de outros objetos e artefatos (faca, vidro etc.) tem, inerente à sua natureza, a característica da lesividade. A danosidade é intrínseca ao objeto. A questão, portanto, de possíveis injustiças pontuais, de absoluta ausência de significado lesivo deve ser aferida concretamente e não em linha diretiva de ilegitimidade normativa.
4. ORDEM DENEGADA.
Fonte:STF
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