O Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) iniciou, nesta quarta-feira (7), o julgamento da Ação Penal (AP) 565, na qual o senador Ivo Cassol (PP-RO) e outros oito corréus são acusados da suposta prática do crime de fraude a licitação (artigo 90 da Lei 8.666/93 - Lei das Licitações) e formação de quadrilha (artigo 288 do Código Penal), no período de 1998 a 2002, quando Cassol foi prefeito de Rolim de Moura (RO). O julgamento prossegue na sessão plenária desta quinta-feira (8).
Na sessão de hoje, a relatora da Ação Penal, ministra Cármen Lúcia, votou pela condenação do senador pela prática do crime de fraude a licitação, por considerar que os autos comprovam sua participação em esquema que beneficiava empresas em licitações para a contratação de obras no município de Rolim de Moura (RO), entre os anos de 1998 e 2001, quando era prefeito da cidade. O voto da relatora conclui pela condenação, pelo mesmo crime, do presidente e do vice-presidente da comissão de licitação do município à época, Salomão de Silveira e Erodi Antônio Mott.
Os três réus não foram considerados culpados, pela relatora, da prática do crime de formação de quadrilha. Segundo o voto, o crime não ficou tipificado, uma vez que o Código Penal prevê um mínimo de quatro integrantes para a configuração do crime. O Ministério Público Federal (MPF) havia denunciado além do prefeito e seus dois subordinados, seis sócios das empreiteiras envolvidas nas licitações, mas os empresários foram considerados inocentes no voto da relatora, por falta de provas, inviabilizando a denúncia por formação de quadrilha para os demais.
Fraude a licitação
Segundo o posicionamento da ministra, ficou configurada a fraude em 12 licitações realizadas pela prefeitura, as quais tiveram uma condução direcionada para beneficiar um conjunto de cinco empreiteiras locais cujos sócios teriam ligações pessoais ou profissionais com o então prefeito - entre eles, estão dois cunhados de Ivo Cassol, e um ex-sócio de sua esposa em uma rádio local. Os réus foram todos denunciados pelo crime previsto no artigo 90 da Lei de Licitações (Lei 8.666/1993), que prevê pena de dois a quatro anos de detenção e multa.
Ao iniciar sua exposição, a ministra destacou que a denúncia não aponta superfaturamento nem questiona a execução das obras, que se destinavam a canalização, asfaltamento e construção de quadras poliesportivas na cidade. Mas as modalidades de licitação escolhidas teriam contrariado o previsto no artigo 23 da Lei de Licitações, que estabelece critérios determinados de acordo com o valor do objeto licitado. O artigo estabelece que para valores a partir de R$ 150 mil a modalidade de licitação deve ser a tomada de preços, mas constatou-se que as obras eram fracionadas de modo a possibilitar a licitação por meio de convite, admitido para contratos de valor inferior a R$ 150 mil. Em um dos casos narrados, um único convênio firmado com o Governo Federal para a realização de uma obra foi repartido em duas licitações, uma no valor de R$ 106 mil e outra no valor de R$ 146 mil, ambas realizadas no mesmo dia, em 10 de fevereiro de 2000.
Para a ministra, esse era um artifício destinado a frustrar o caráter competitivo da licitação, infringindo a Lei 8.666/1993. "A existência ou não de dano ao erário é irrelevante para a caracterização da fraude prevista no artigo 90 da Lei 8.666, no qual o bem protegido é o patrimônio moral da administração pública", afirmou. Para a ministra, ficou tipificada uma fraude ao caráter competitivo da licitação.
Responsabilização individual
Segundo a relatora, ficou caracterizada a participação do então prefeito, e o dolo da sua atuação, voltada a reduzir a competitividade do processo licitatório e orientar seu resultado. "O conjunto probatório indica que o réu conhecia e estava no controle dos atos descritos na denúncia, ao determinar a realização de diversos processos licitatórios no mesmo exercício fiscal, em convênios por ele fechados, com processo licitatório inadequado e orientado para pessoas do seu círculo de convivência. Não há como não admitir o seu controle", sustentou.
Quanto ao presidente e vice-presidente da comissão de licitação da prefeitura, a ministra entendeu que houve responsabilidade penal, uma vez que eles conduziram os 12 certames licitatórios irregulares, manipulando o procedimento para que tivesse o resultado conveniente. A participação deles, para a ministra, foi indispensável para que se atingisse o objetivo final de fraudar o processo.
No caso dos sócios das empresas envolvidas, a ministra entendeu que o MPF não fez prova da ligação deles entre si, ou de conluio entre as empresas para se alternarem na conquista dos contratos. "Não se pode afirmar que combinaram as ofertas para beneficiar o vencedor", afirmou Cármen Lúcia.
Questão de ordem
Antes do voto da relatora quanto ao mérito da Ação Penal 565, o Plenário do STF analisou questão de ordem suscitada pelo ministro Marco Aurélio, relacionada à competência do STF para julgar, além do senador Ivo Cassol, os outros corréus que não detêm foro por prerrogativa de função. A relatora votou no sentido de manter, no Supremo, o julgamento de todos os réus, tendo em vista a posição do Plenário da Corte já firmada sobre a matéria na AP 470, e foi seguida pela maioria, vencidos os ministros Marco Aurélio e Ricardo Lewandowski.
Questões preliminares
Em seguida, os ministros examinaram preliminares apresentadas pela defesa. Os advogados alegaram: inépcia da denúncia; nulidade decorrente da investigação criminal que teria sido feita pelo Ministério Público; usurpação de competência do Superior Tribunal de Justiça em razão de quebra de sigilo bancário e fiscal; higidez da perícia e ausência de condição de punibilidade na ação penal. Todas elas foram rejeitadas.
A ministra Cármen Lúcia avaliou que a denúncia - recebida pelo STJ quanto a todos os réus - contém a exposição dos fatos e de suas circunstâncias, narra de forma satisfatória as condutas imputadas aos acusados, bem como está de acordo com os requisitos do artigo 41 do CPP. Ao analisar a alegação seguinte, a relatora ressaltou que a controvérsia quanto à legitimidade do MP para a condução de investigações criminais já foi submetida ao Plenário do STF que, em várias ocasiões, concluiu no sentido de que "quando o MP atua para buscar ilícitos ou irregularidades administrativas e se depara com outros elementos que dizem respeito ao que pode vir a configurar delitos, crimes, não se tem a necessidade de inquérito policial para se apurar de novo esses mesmos fatos". Ela citou como precedente o HC 84548.
Sobre a alegação de usurpação de competência do STJ em razão quebra de sigilo bancário e fiscal, a ministra rejeitou a preliminar tendo em vista a existência de decisão judicial definitiva, concluindo que o procedimento cautelar de quebra sigilo bancário e fiscal questionado estava relacionado à ação de improbidade administrativa, "para o que não existe prerrogativa de foro". De acordo com ela, a preliminar de vício da prova pericial - tendo em vista que o perito responsável pelos laudos seria compadre do promotor de justiça responsável pelas investigações iniciais - também deve ser recusada porque tal documento não foi recebido como perícia, mas apenas como um documento valorado nessas condições.
Por fim, a relatora entendeu que não procede preliminar relativa à ausência de condição de punibilidade de justa causa para a ação penal. "Não se sustentam as alegações porque há independência entre as instâncias e a circunstância de o Tribunal de Contas do Estado de Rondônia ter considerado válidas e a Câmara Municipal ter julgado regulares as contas não impediu que o MP e nem impede que o Judiciário verifique aqueles fatos sob a ótica de eventual transgressão penal", disse.
Prescrição
Os ministros também analisaram e afastaram outro argumento da defesa sobre prescrição da pretensão punitiva. A relatora salientou que o recebimento da denúncia interrompe o curso da prescrição, conforme o artigo 117, inciso I, do Código Penal. Segundo ela, a interrupção da prescrição ocorre na sessão de julgamento que recebe a denúncia, independente da data da publicação do respectivo acórdão. No caso, a ministra Cármen Lúcia avaliou que "não houve o transcurso de oito anos entre a data dos fatos narrados e a data do recebimento da denúncia e nem entre o recebimento da denúncia e a data de hoje".
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