Hoje, 06-07, se
inicia o processo eleitoral propriamente dito, período crítico da campanha
eleitoral, no qual, a partir daí, resta autorizada a efetiva propaganda, hábil
a angariar a simpatia do eleitorado.
A legislação
eleitoral, seja cível ou criminal, regula, à exaustão, a matéria envolta à
propaganda eleitoral, disciplinando sua consecução, vedando modalidades, assim
como imputando sanções ao descumprimento dos preceitos relativos à temática. De
igual sorte, além disso, dentre outras tantas disposições, há várias vedações
previstas na legislação regente, ilícitos eleitorais atentatórios à lisura das
eleições, à legitimidade do processo eleitoral, à liberdade do voto do eleitor,
etc., os quais, inclusive, poderão ensejar a cassação dos registros de candidatura
(Lei n°. 9.505/97, arts. 30-A, 41-A, 73, 74, 77; Lei Complementar n°.64/90,
art. 22; etc.).
Pois bem. Nada
obstante, o tema da nossa primeira coluna não recairá, pois, sobre o direito
eleitoral em si, mas sim sobre o processo, em específico, criminal eleitoral
(afinal, adequemo-nos, pois, a própria realidade deste importante grupo).
Matéria ainda
candente no âmbito do contencioso eleitoral, em específico nas lides criminais
eleitorais, é a adoção do rito processual competente à persecução criminal eleitoral.
Muitos juízos
zonais eleitorais (primeira instância nas eleições municipais), assim como
Tribunais Regionais, ao se defrontarem com eventual acusação, entendem por bem,
tudo em prol da especialidade, adotar o rito processual estatuído no Código
Eleitoral, o qual prevê o interrogatório dos acusados logo no início do
procedimento. Nesse viés, portanto, o rito processual previsto na legislação
especial preponderaria em relação à lei geral.
A título de
ilustração:
EMENTA: [...]. Preliminar de cerceamento de
defesa pela ausência de interrogatório ao final da instrução. Rejeitada. O
processo por crimes eleitorais segue rito especial previsto no Código
Eleitoral. Aplicação do CPP de forma apenas subsidiária. Art. 364, CE. Não
incidência das modificações implementadas pela Lei n. 11.719/2008. [...]. Impossibilidade de
reconhecimento de nulidade. (RECURSO CRIMINAL nº 12158, Acórdão de 13/03/2012,
Relator (a) LUCIANA DINIZ NEPOMUCENO, Publicação: DJEMG – Diário de Justiça
Eletrônico-TREMG, Data 22/03/2012).
Vejamos, pois bem, a legislação de regência:
O Código Eleitoral (Lei n°. 4.737/65) prevê, no
correspondente artigo 357, que, uma vez –
supostamente – verificada a infração penal, em não sendo caso de arquivamento ou de
diligências, “o Ministério Público oferecerá a denúncia dentro do prazo de 10
(dez) dias”.
Já
o caput do artigo 359 correspondente é claro
no sentido de que, uma vez recebida a denúncia, o juiz designará dia e hora
para o interrogatório.
Dada
a relevância para o presente ensaio, vale, inclusive, transcrever, na íntegra,
o dispositivo legal precitado, senão vejamos:
“Art. 359. Recebida a denúncia, o juiz
designará dia e hora para o depoimento pessoal do acusado, ordenando a citação
deste e a notificação do Ministério Público”.
O ato do interrogatório, assim, não obstante seja ato
de defesa (pessoal), no procedimento trazido a partir do Códex, deverá
(deveria) ser tomado logo no início do processo, antes mesmo da apresentação
das alegações escritas (parágrafo único do artigo 359 do Código Eleitoral). E
tal procedimento, à luz do princípio da especialidade, tem sido seguido, e
muito, por juízos eleitorais Brasil afora.
Contudo, não assiste razão, e é no contraponto que (mais
uma vez) viremos a apresentar que recairá o objeto da presente construção.
O
interrogatório do réu se mostra como um importantíssimo instrumento de defesa
do acusado, consubstanciando-se em um eficaz mecanismo hábil a garantir o
exercício do sagrado direito à defesa, na plenitude constitucional.
Sobre
o ato, importante trazer as lições de AURY LOPES JR[1],
para quem a
defesa pessoal é a possibilidade de o sujeito passivo resistir pessoalmente à
pretensão acusatória, seja através de atuações positivas ou negativas.
Em sendo ato de
defesa, por oportuno, não poderia, dessa forma, ser tomado logo no início do
processo, sem sequer ter havido a possibilidade de o acusado apresentar as
correspondentes alegações escritas (defesa escrita), tampouco analisar, ainda
que de forma superficial, os argumentos e as provas acusatórias.
Em
recente precedente, tido como leading case, a Suprema Corte, por unanimidade,
considerou que a transferência deste importante instituto de
defesa para a fase
posterior à instrução probatória, constitui-se mecanismo mais eficaz para
garantia da ampla defesa (Agravo Regimental na Ação Penal n. 528), cuja
pertinência inerente ao decisum, a partir do voto condutor de lavra do Ministro
ENRIQUE RICARDO LEWANDOWSKI, faz valer a transcrição:
“[...] a realização do interrogatório
do acusado como o ato final da fase instrutória permitirá a ele ter, digamos,
um panorama geral, uma visão global de todas as provas até então
produzidas nos autos, quer aquelas que o favorecem, que aquelas que o
incriminam, uma vez que ele, ao contrário do que hoje sucede – hoje, o
interrogatório como sendo um ato que precede a própria instrução probatória
muitas vezes não permite ao réu que apresente elementos de defesa que possam
suportar aquela versão que ele
pretende transmitir ao juízo processante -, com a nova disciplina ritual e
tendo lugar na última fase da instrução [...]”.
O
Supremo Tribunal
Federal reconheceu, como
se vê, o avanço trazido pela Lei n. 11.719/2008, tudo ao prever, no artigo 400
do Código de Processo
Penal, o interrogatório do réu ao final da instrução processual, de modo
a garantir a ampla defesa de forma plena.
A mesma Corte (STF), analisando situação idêntica a que
aqui se discute, nos autos do Habeas Corpus n°. 107795/SP, a partir de magistral
voto do Eminente Ministro CELSO DE MELLO, reafirmou o entendimento e, ainda, o
impôs ao âmbito do processo criminal eleitoral; vejamos a ementa do respeitável
Julgado:
EMENTA:
CRIME ELEITORAL. PROCEDIMENTO PENAL DEFINIDO PELO PRÓPRIO CÓDIGO ELEITORAL (“LEX SPECIALIS”). PRETENDIDA OBSERVÂNCIA DO NOVO“ITER” PROCEDIMENTAL ESTABELECIDO PELA REFORMA PROCESSUAL
PENAL DE 2008, QUE INTRODUZIU ALTERAÇÕES NO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL (“LEX GENERALIS”). ANTINOMIA MERAMENTE APARENTE,
PORQUE SUPERÁVEL MEDIANTE APLICAÇÃO DO CRITÉRIO DA ESPECIALIDADE (“LEX SPECIALIS DEROGAT LEGI GENERALI”). CONCEPÇÃO
ORTODOXA QUE PREVALECE, ORDINARIAMENTE, NA SOLUÇÃO DOS CONFLITOS ANTINÔMICOS QUE OPÕEM LEIS DE CARÁTER GERAL ÀQUELAS DE
CONTEÚDO ESPECIAL. PRETENDIDA UTILIZAÇÃO DE FATOR DIVERSODE SUPERAÇÃO DESSA ESPECÍFICA ANTINOMIA DE PRIMEIRO GRAU,
MEDIANTE OPÇÃO HERMENÊUTICA QUE SE MOSTRA MAIS COMPATÍVEL COM OSPOSTULADOS
QUE INFORMAM O ESTATUTO CONSTITUCIONAL DO DIREITO DE DEFESA. VALIOSO PRECEDENTE DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (AP 528-AgR/DF, REL. MIN.
RICARDO LEWANDOWSKI). NOVA ORDEM RITUAL QUE, POR REVELAR-SE MAIS FAVORÁVEL AO ACUSADO (CPP, ARTS. 396 E 396-A, NA
REDAÇÃO DADA PELA LEI Nº 11.719/2008), DEVERIA REGER O PROCEDIMENTO PENAL, NÃO OBSTANTE DISCIPLINADO EM LEGISLAÇÃO ESPECIAL, NOS CASOS DE
CRIME ELEITORAL. PLAUSIBILIDADE JURÍDICA DESSA POSTULAÇÃO. OCORRÊNCIA DE “PERICULUM IN MORA”. MEDIDA CAUTELAR DEFERIDA.
Verdadeiramente,
o artigo 400 do Código de Processo Penal traz regra procedimental penal,
consubstanciada no sentido de possibilitar que o réu seja interrogado ao final
da instrução, após a inquirição das testemunhas, bem como após a produção de
outras provas e eventuais diligências diversas, e tudo a possibilitar a mais
ampla defesa do acusado à luz da Lei das Leis, Carta-Mãe que a todos submete,
sem distinções.
Ora, tal
procedimento merece aplicação às demais lides penais (dentre elas, a criminal
eleitoral), de modo a harmonizar, assim, eventuais procedimentos especiais com
a regra geral, de modo a potencializar, ao final, a maior concretização dos
direitos fundamentais.
Foi, por exemplo,
na esteira do que defendemos, o entendimento do Egrégio Tribunal Regional
Eleitoral do Rio Grande do Sul que, nos autos do Habeas Corpus n°. 12-875,
originário do município de Bagé-RS, por maioria de votos, assim decidiu, in verbis:
Habeas corpus, com pedido de liminar.
Impetração que visa a suspender a audiência destinada ao interrogatório do
paciente, porquanto adotado o rito do Código Eleitoral, que prevê o
interrogatório dos acusados no início do procedimento, contrariando o disposto
no art. 400 do Código de Processo Penal. Pleito liminar deferido. Não se
discute a existência de norma especial contida no Código Eleitoral, todavia, buscando
dar maior concretização aos direitos fundamentais, necessária a harmonização
desta com a norma geral, contida no Código de Processo Penal. O interrogatório
deve ser realizado ao final da instrução, em observância aos princípios do
contraditório e da ampla defesa. Concessão da ordem
Considerando que
estamos a tratar, na espécie, de um processo criminal (eleitoral), bem como que
o Código Eleitoral remonta à década de 60, em prol das garantias fundamentais
insculpidas na Carta de 88, merece atenção à regra contida no já citado artigo
400 do CPP, na qual o interrogatório do réu, como meio de defesa que é, deva
ser tomado ao final da instrução processual, de forma a garantir, nesse viés, o
amplo e pleno exercício do direito de defesa.
Não se desconhece a
regra contida na legislação especial. No entanto, pensamos que a melhor
interpretação é a aqui defendida, tudo com o fim de potencializar, ao máximo, e
à luz da própria ordem constitucional vigente, os direitos dos acusados,
merecendo, assim, à luz do que dispõe o artigo 400 do Código de Processo Penal,
ser aplicada a regra geral processual, no sentido de que o interrogatório do
acusado se dê como ato último da instrução processual, tudo em prol da ampla
defesa e do contraditório, com vistas a se efetivar, no plano prático,
material, o devido e democrático processo criminal eleitoral.
Porto Alegre, 06 de julho de 2014.
Dr. Guilherme Rodrigues Carvalho Barcelos (Guilherme Barcelos) é Advogado em Porto Alegre/RS, Militante no Direito Eleitoral. Pós Graduado em Direito Eleitoral. Autor de artigos jurídicos publicados em diversos meios (Revista do TSE, inclusive)
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