sexta-feira, 25 de agosto de 2017

De juiz, médico e louco todo mundo tem um pouco! Será!?

O incidente de insanidade mental, ou o exame médico-legal, apesar de previsto no artigo 149 do Código de Processo Penal, ainda tem muito o que ser discutido no âmbito do direito penal. Ele pende de uma regulamentação mais sólida, principalmente no que diz respeito à dúvidas decorrentes da sua necessidade de realização em cada caso.

Atualmente pouco tem-se escrito sobre o tema, até porque não há muito na legislação à ser falado, principalmente por ser apenas o artigo acima citado o que prevê o incidente. Apesar de ter outros que o regulamente, a simplesmente leitura da lei deixa um vácuo na questão de, a quem cabe identificar sinais de que o acusado ou condenado tem reais problemas psicológicos, dignos de fazer jus ao incidente?

O cenário que temos hoje é que cabe ao juiz determinar se o acusado apresentou dúvidas sobre sua sanidade mental, seja durante as investigações ou durante o próprio processo crime. Contudo se lança aqui a primeira questão ao leitor: Tem o juiz capacidade técnica de identificar problemas psíquicos no acusado? Isto parece uma questão um tanto retórica de se trazer, mas é extremamente importante.  Já dizia o ditado popular “de médico e louco, todo mundo tem um pouco”. Seria então esta desculpa para creditar ao juiz do processo o poder de julgar não apenas os crimes que o acusado cometeu, mas também seu estado mental? Ora, o juiz tem o conhecimento técnico de julgamento do processo, ou seja, à ele cabe enquadrar as condutas do acusado dentro dos crimes previstos em lei, e julgar conforme manda a legislação, mas não me parece que, salvo alguma exceção que possa ter, que o juiz da causa tenha também diploma de medicina e seja capacitado tecnicamente para julgar a sanidade do réu. Mesmo que assim o fosse, não poderia o juiz atuar como julgador e perito – grave esta palavra – no processo.

Em uma breve pesquisa nas decisões dos tribunais, vemos que muitos dos pedidos do exame são negados pelos mais variados motivos, contudo em sua maioria com o texto padrão; “não apresentou o réu qualquer dúvida sobre sua sanidade mental, não sendo suficiente a gravidade do delito para dar razão ao incidente”, ou ainda “a mera alegação do réu que sofre de distúrbios mentais não basta para deferir o exame, sendo insuficiente laudo médico apresentado pela defesa”. O que se entende é que por mais grave que seja o delito, o acusado não deve ter a gravidade do crime como justificativa para colocar em dúvida seu psicológico, e ainda pior, temos aqui um claro distúrbio na função do juiz, quando este despreza de forma veemente, laudo de médico do acusado, afirmando que este padece de transtornos psicológicos, tomando para si o julgamento de dizer se o réu é ou não afetado psicologicamente.

O crime, nada mais é que uma fuga do individuo às regras de convivência social, ou seja, a pessoa que comete o crime, passa à atuar à margem da sociedade, fora dos padrões aceitáveis (daí vem o termo marginal). Pessoas com distúrbios psicológicos, são muitas vezes diagnosticados justamente por comportamentos fora do “natural”, alheios aos comportamentos sociais como acordar pela manhã, ter uma boa alimentação, ter trabalho fixo, etc. Se a conduta do acusado já esta, por si só, à margem do que se entende como “normal” ao convívio social, qual dúvida maior seria necessária para constatar se o réu teria algum transtorno mental ou não, e ainda mais quando seu crime toma proporções extremas, inimagináveis por pessoas “normais”.

Neste ponto, se lança outro questionamento ao leitor: Qualquer acusado deve passar pelo exame de insanidade? Até agora, parece que se quer dizer que sim, pois apenas por cometer um crime ele já estaria demonstrando que tem problemas psicológicos. E quanto à isto já deixo bem explicitado que NÃO.

Obviamente que “Quando houver dúvida sobre a integridade mental do acusado”(artg.149 CPP) o juiz deverá ordenar o exame. A doutrina já vem falando, concordando com a jurisprudência, que esta dúvida deve ser plausível, ou seja, não pode ser apenas aquele julgamento popular de “esse cara tem um parafuso à menos”, mas deve ser algo mais palpável, além do “achame” público. Mas então quem deve passar pelo exame? Como distinguir quem deve ou não ter sua capacidade psíquica questionada para responder ao processo criminal? Em verdade que se tem uma enorme lacuna legislativa, à qual vem sendo preenchida com repetidas negativas dos pedidos deste exame, deixando à encargo do juiz o crivo de determinar quem deve ou quem não deve ser analisado por um profissional de saúde mental. E é neste ponto que se mostra um pensamento bem razoável; não seria este profissional, o realmente habilitado para constatar a higidez mental do réu ou apenado?  Ele seria o perito no assunto, e somente ele pode atestar a necessidade de uma pessoa ter uma avaliação psicológica mais aprofundada ou não. Sabemos que dentro das casas prisionais há atendimento de profissionais de saúde habilitados para tanto, mas muitas vezes estes atendimentos ocorrem de forma esporádica, sem uma profunda análise do paciente e sem dados suficientes para se constatar uma real condição mental do indivíduo, resumindo-se muitas vezes o atendimento à observar do acusado sinais de auto flagelo ou de pensamentos suicidas, para bem de evitar que o indivíduo cometa tal ato sob a guarda do Estado. Partindo desta premissa é possível imaginar-se quantos apenados estão cumprindo pena, com a psique abalada, necessitando na realidade de um tratamento médico, e não da sua reclusão em instituição prisional. Ambas condições visam apenas um objetivo, o de ressocializar a pessoa. Torná-la produtiva novamente, para que possa contribuir ativamente com a sociedade. Mas como fazer isto com um detento mentalmente instável que sequer teve sua doença constatada? Me pergunto o que seria necessário fazer para “convencer” o juiz que aquele apenado ou réu necessita de um exame mental mais aprofundado? Infelizmente por hora não tenho como responder à estes questionamentos.

O que se percebe é uma negligência legislativa, uma lacuna que preencheu-se com o julgamento do magistrado, que em verdade não teria qualquer condição de atestar sobre a sanidade do réu, mas cabe à ele dizer quem deve ou quem não deve passar por um procedimento especial para averiguar se há realmente um distúrbio, ou se o réu está apto à prosseguir sendo responsabilizado por sua conduta – o incidente de insanidade mental. Mas como preencher esta lacuna?

Qual deveria ser o procedimento ou os parâmetros traçados para se fazer este juízo de valores? E quem seria o habilitado para isto? São muitas perguntas que ainda pendem de resposta, e por hora ficará ao encargo da jurisprudência e da doutrina sanar tais questionamentos.

Dr. Bruno Barcellos Ramires 
Bacharel em Direito pelo Centro Universitário Metodista - IPA. 
Advogado militante.

12 comentários:

  1. Para mim, profissional da saúde, a capacidade do judiciário está aquém do conhecimento médico sobre distúrbios psicológicos que possam envolver o réu/paciente. Essa problemática deve passar de forma indelével por um grupo médico adequado, sendo suas avaliações acatadas por quem julga.

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    1. Obrigado pela sua contribuição. O incidente de insanidade mental é justamente para que o réu/paciente passe por um exame detalhado com um perito no assunto. Contudo até que se chegue à este estágio fica a encargo do juiz dizer se o réu deve passar por este procedimento. O problema é justamente este, delegar ao juiz da causa o poder de julgar a sanidade do acusado, não apenas seus delitos.

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    2. Ótimo reflexão, tirou as palavras da minha boca.

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  2. Este comentário foi removido pelo autor.

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  3. Excelente texto e muito bem abordado o assunto !

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    1. Obrigado Dionatan, siga nos acompanhando nos outros canais.

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  4. Excelente artigo amigo e sobrinho Dr. Bruno. Importante análise do tema. Abraços

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    1. Obrigado querido tio, sabe como é importante tua opinião!

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