quinta-feira, 12 de outubro de 2017

(DES) CONSTRUINDO O DIREITO: SOBRE O PORTE E A POSSE DE ARMAS DE FOGO

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Olá, pessoal.

Não é incomum vermos no noticiário a expressão “Fulano agiu em legítima defesa”, “Cicrano só exerceu seu direito de legítima defesa”. E, nestes tempos de violência exacerbada, vemos em alta o assunto da legalização do porte de armas para civis (pessoas comuns).

Neste artigo vamos falar sobre o instituto da legítima defesa, os requisitos de sua aplicação e, consequentemente, abrangeremos a respeito da legalização do porte de armas. Tudo isso será abordado pelo viés jurídico.

Gostaria de ressaltar que o artigo é baseado em estudos e na opinião pessoal da colunista. A página não possui o intuito de influenciar nas opiniões contrárias. Trata-se, apenas, de um estudo e debate.

Bom, primeiro o que é legítima defesa?

A legítima defesa é um modo legal que autoriza a pessoa a defender-se, ou defender outrem, de sofrer ou estar na iminência de sofrer agressão. Encontra-se no art. 25 do Código Penal e é considerada uma excludente de ilicitude.

Exclusão de ilicitude
        Art. 23 - Não há crime quando o agente pratica o fato:
        I - em estado de necessidade;
        II - em legítima defesa;
        III - em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito.

        Excesso punível
        Parágrafo único - O agente, em qualquer das hipóteses deste artigo, responderá pelo excesso doloso ou culposo.

       Legítima defesa
        Art. 25 - Entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem.
Ilícita é aquela conduta que vai contra o Direito, gerando danos ao bem tutelado (o bem da vida, por exemplo). A excludente de ilicitude afasta a contrariedade da conduta ao direito, não havendo o que se falar em crime, ou seja, não há crime se o “ilícito” não foi praticado. Mas, para ser considerada a legítima defesa, há requisitos, quais sejam:

- Perigo atual, presente, ou que está para acontecer;
- agressão injusta: por isso, não há a legítima defesa quando houver provocação para que a agressão ocorra;
- Meios moderados: ou seja, os meios utilizados devem ser proporcionais à ameaça ou agressão, podendo ser punida a agressão em excesso.

Eis o liame, como saber que o meio utilizado foi moderado? Essa análise é subjetiva, desta forma deve ser observada em cada caso concreto. Então, percebe que não é tão simples dizer que “Fulano exerceu sua legítima defesa ao usar uma arma de fogo para se proteger”? A aplicação do instituto é bem mais complexa do que dita por aí.

Abaixo, uma demonstração do Conselho Nacional de Justiça:


Isto está diretamente ligado ao discurso do porte da arma de fogo, a seguir abordaremos sobre o assunto.

Feita essa abordagem conceitual, vamos ao segundo tópico, a legalização do porte de armas de fogo no Brasil.

A Lei 10.826/03, conhecida com Estatuto de Desarmamento, traz que posse significa possuir ou manter sob sua guarda arma de fogo, no interior de sua residência ou dependência dela ou em seu local de trabalho, desde que seja o titular ou o responsável legal do estabelecimento ou empresa.

Não é o objetivo do artigo fazer uma análise rebuscada do Estatuto.

Como sabemos, qualquer cidadão com mais de 25 anos, sem antecedentes criminais, que alegue necessidade e capacidade psicológica e técnica para o manuseio, pode obter a posse de uma arma de fogo. É bem burocrático, mas a Lei permite que o cidadão, que não seja membro das forças armadas, nem colecionador, nem caçador, tenha a posse de arma de fogo para defesa pessoal.

Mas, o que as pessoas desconhecem é a diferença entre porte e posse. A posse já foi explica acima. Porte está relacionado a portar, transportar uma arma de fogo em locais públicos, fora da residência ou do estabelecimento comercial. A arma, ainda que descarregada em locais públicos, só é permitida àqueles que estão autorizados a fazê-lo.

Eis aí que reside o conflito sobre o cidadão portar a arma. Aí que está a causa das discussões. Portar arma sem a devida autorização é crime, com reclusão de 2 a 4 anos e multa.

E por que seria um problema em potencial permitir o porte de armas no Brasil?

Em 2015, deputados financiados pela indústria de armas, montou uma Comissão Especial para apreciar o Projeto de Lei 3722/12, que revogaria o Estatuto do Desarmamento. Tal projeto, posteriormente foi arquivado.

a Comissão Especial voltou a ser instalada no dia 14 de abril, na Câmara dos Deputados. Novamente, parte dos deputados que a compõe foi financiada pela indústria de armas. Além disso, os mesmos argumentos falaciosos apresentados anteriormente seguem sendo defendidos. A primeira justificativa usada para defender a revogação é de que a população rejeitou o desarmamento no referendo realizado em 2005 e a manutenção do estatuto, portanto, estaria contrariando a vontade da maioria. Impossível pensar em um argumento mais falso. O que a população rejeitou em 2005 foi a proibição da venda de armas e munições, o que vem sendo amplamente respeitada desde então. Aliás, mais de 72 mil novos registros foram autorizados a civis que cumpriram os requisitos da nova lei desde 2004. Fonte: https://noticias.uol.com.br/opiniao/coluna/2015/04/24/facilitar-porte-de-armas-nao-melhora-defesa-pessoal.htm

Podemos dizer, que a revogação do Estatuto possui interesses maiores (e velados) do que a defesa d apopulação?!

Digo mais, em um país no qual crimes de ódio são cometidos, mulheres são mortas por conta de gênero, homossexuais são alvos de violência e morte, crimes fúteis acontecem a cada minuto, seria muito perigoso. Alguns podem discursar: Mas, essas pessoas, se pudessem portar arma, poderiam se defender desse tipo de agressão.

Não é assim que funciona, amigo (a). Conflitos letais poderiam ser travados, e viveríamos em um intenso estado de todos contra todos.

O Instituto Igarapé disponibilizou pesquisa feita a respeito do desarmamento, o qual influenciou a reversão do crescimento do número de mortes no Brasil. Entre os anos de 1993 e 2003, a taxa anual de mortes provocadas por armas de fogo cresceu 6,9%, entre 2004 e 2012, a média anual para este tipo de morte caiu para 0,3% (Fonte: https://exame.abril.com.br/brasil/o-que-muda-se-o-congresso-facilitar-o-porte-de-armas/). Bem significativo, considerando a taxa de violência no Brasil (Fonte: https://oglobo.globo.com/brasil/mapa-da-violencia-2014-taxa-de-homicidios-a-maior-desde-1980-12613765).

O desarmamento não desarma o cidadão de bem. O Brasil vive um problema de violência armada, certamente. E as armas do mercado legal, ou seja, do cidadão de bem, abastecem parte significativa do mercado ilegal. Armas são fabricadas e entram legais no mercado.

Recente pesquisa realizada pelo Sou da Paz com mais de 14 mil armas apreendidas pela polícia na cidade de São Paulo demonstra que 80% delas têm origem nacional, tendo entrado legalmente no mercado e, em algum momento, foram desviadas para a mão de criminosos. Essa mesma pesquisa aponta que 64% das armas apreendidas nas mãos de criminosos foram fabricadas antes do estatuto, o que comprova que o descontrole sobre as armas é nocivo até hoje para a segurança pública. (Fonte: https://noticias.uol.com.br/opiniao/coluna/2015/04/24/facilitar-porte-de-armas-nao-melhora-defesa-pessoal.htm).

Posso afirmar, que portar arma transforma qualquer cidadão de bem em um criminoso em potencial (sem ferir o princípio da presunção de inocência). Além disso, Na Austrália, 5 anos após o desarmamento aprovado pelo partido liberal (partido conservador da Austrália), a taxa de homicídios caiu 50%. Austrália, Inglaterra e Japão, países onde as armas foram proibidas, são os países onde menos se mata com armas de fogo. Enquanto os EUA, onde as armas são compradas em qualquer esquina, é o oitavo país onde mais se mata com armas de fogo.

Nos Estados Unidos, os números de suicídios quase que dobraram com as armas de fogo. Esses suicídios por armas de fogo correspondem a quase metade de todos os suicídios nos EUA. O ataque a tiros em Las Vegas recentemente, foi o maior ataque a tiros da história dos EUA (Fonte: https://g1.globo.com/mundo/noticia/oito-graficos-que-explicam-a-cultura-das-armas-nos-eua.ghtml).

Por isso, devemos levar em consideração fatores relevantes para a existência do Estatuto do Desarmamento. Fatores esses que podem preservar vidas, além da violência armada.



Karla Alves
Bacharel pela Faculdade de Direito de Vitória - FDV
Advogada
Membro do Grupo de Pesquisas Direito, Sociedade e Cultura, da Faculdade de
Direito de Vitória – FDV.
Membro do NeCrim (Núcleo de Estudos em Criminologia), ligado ao Grupo de
Pesquisas Direito, Sociedade e Cultura, da Faculdade de Direito de Vitória - FDV

Um comentário:

  1. Nunca li tanta besteira em minha vida, antes de falar qualquer coisa sobre o assunto e arma e violência no país, você deve ler o livro "mentiram para mim sobre o desarmamento".

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