quarta-feira, 11 de outubro de 2017

ESTUDO DE CASO: Juiz reconhece aplicabilidade da Lei Maria da Penha em relação homoafetiva entre mulheres


Conforme os autos, a vítima relatou que conviveu em união estável com a indiciada pelo período de 3 anos, estando separadas há aproximadamente 5 meses.


O juiz Vitor Umbelino Soares Junior, titular do Juizado de Violência Doméstica contra a Mulher da comarca de Rio Verde, reconheceu, nesta sexta-feira (29), a competência da unidade judiciária para o processamento de ação penal envolvendo a prática de crime entre companheiras do sexo feminino, no âmbito das relações domésticas, com a presença de indícios de submissão de uma em relação à outra.
Conforme os autos, a vítima relatou que conviveu em união estável com a indiciada pelo período de 3 anos, estando separadas há aproximadamente 5 meses. Ainda, segundo os autos, uma delas informou que é ameaçada constantemente e que a requerida, por não aceitar o término do relacionamento amoroso, já a agrediu fisicamente por inúmeras vezes com tapas e socos.
Ao analisar os autos, o magistrado Vitor Umbelino argumentou que, para a aplicação da Lei 11.340/2006 (Lei Maria da Penha), a relação existente entre o sujeito ativo e o passivo deve ser analisada em face do caso concreto, sendo que o artigo 5º da citada legislação impõe, como condição para sua aplicabilidade, o fato da violência praticada estar baseada no gênero, determinando expressamente no seu parágrafo único que as relações pessoais enunciadas neste artigo independem de orientação sexual.
Ressaltou, ainda, em sua decisão, que a violência contra a mulher baseada no gênero refere-se à uma espécie de sujeição psicossocial e cultural, relação de subordinação ou qualquer forma de dominação do agressor ou agressora frente à vítima, atraindo a incidência da legislação protetiva, cujo objetivo central é a proteção da mulher no âmbito de sua comunidade, entendida esta como o grupo de pessoas com as quais ela convive.
Discordando do posicionamento do Ministério Público que se manifestou contrário ao processamento dos autos junto ao Juizado de Violência Doméstica, Vitor Umbelino afirmou que a violência contra a mulher, ainda que perpetrada no âmbito das relações domésticas homoafetivas, deve ser coibida segundo o disposto na Lei 11.340/2006. Essa conclusão decorre da interpretação de basicamente dois dos dispositivos que integram o texto normativo, quais sejam, aqueles insculpidos no art. 2º e no art. 5º, parágrafo único, da Lei Maria da Penha.
“Os referidos dispositivos legais que veiculam preceitos preliminares e gerais da lei em evidência afastam qualquer dúvida sobre quem se buscou tutelar: a mulher, ou melhor, toda mulher, independentemente de sua orientação sexual. Logo, se a Lei 11.340/2006 foi editada com o escopo de coibir a violência doméstica e familiar contra toda mulher, sem exceções, é claro que se aplica às relações homoafetivas entre duas mulheres”, argumentou o juiz.
Aplicação analógica do art. 28 do Código de Processo Penal
Ao final de sua decisão, após declarar que o Juizado de Violência Doméstica é competente para apreciação do caso em questão, em respeito à autonomia e à independência funcional do ilustre representante do Ministério Público que atua junto à unidade judiciária, entendeu o juiz que a melhor forma de dar cumprimento ao decisum era lançar mão da aplicação analógica do art. 28 do Código de Processo Penal, com consequente remessa dos autos ao Procurador-Geral de Justiça do Estado de Goiás para adoção das providências que entender cabíveis, como por exemplo a designação de outro promotor de Justiça para atuação no feito. Veja decisão


DEBATES DOS NOSSOS COLUNISTAS


No início do mês deste mês de outubro, o “Estadão” noticiou a decisão do Juiz de Direito Vitor Umbelino Soares Júnior, Titular da Vara de Violência Doméstica da Comarca da Cidade de Rio Verde (GO), que procedeu à aplicação da Lei nº 11.340/06 (Lei Maria da Penha) a uma relação homoafetiva entre duas mulheres.

A decisão é extremamente louvável sob o ponto de vista jurídico, na medida em que o aludido diploma protetivo, em seu art. 2º, destacou, expressamente, o gozo dos direitos fundamentais inerentes à pessoa humana pela mulher, independentemente, dentre outros aspectos, de sua orientação sexual.

Todavia, vale destacar que não é somente nos casos de relações íntimas de afeto entre mulheres que a Lei Maria da Penha poderá ser aplicada em desfavor de uma pessoa do sexo feminino. O Superior Tribunal de Justiça (STJ) já reconheceu essa possibilidade em caso de violência praticada por filha contra a mãe (HC 277.561/AL), por nora contra a sogra (HC 175.816/RS), por tia contra a sobrinha (HC 250.435/RJ).

Assim, tem-se asseverado, com acerto, que, à aplicação do diploma protetivo aludido, é bastante que se verifique uma mulher como sujeito passivo de violência – física, psicológica, sexual, patrimonial ou moral (art. 7º, LMP) – praticada no contexto doméstico e familiar (art. 5º, LMP), independentemente do sexo do sujeito ativo. 

Lamentavelmente, a notícia veiculada também deu conta de a decisão do Juiz ter sido proferida em sentido contrário ao parecer emitido pelo Ministério Público, incumbido da defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis (art. 127, Constituição de 1988).

Indubitavelmente, a decisão proferida melhor atende aos interesses da sociedade que, desde 2006, passou a desfrutar da LMP como um poderoso instrumento de combate à lastimável violência doméstica e familiar contra a mulher,uma forma de violação dos direitos humanos (art. 6º da Lei). 
Marconi Lustosa Felix Filho é Especialista (Direito Constitucional), Professor de Direito, Colaborador da Rede Ad Verum Suporte Educacional (CERS), está no Curso de Formação para Delegado de Polícia de Pernambuco e dá dicas de preparação para concursos públicos na página @olhonodireito (Instagram). 

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Ao ler uma reportagem dessas nos deparamos a um evento muito importante: o Poder Judiciário está se adaptando aos novos tipos de família!
É notório que as famílias brasileiras não se enquadram mais ao padrão de casal formado por homem e mulher. Estão sendo reconhecidas como famílias aquelas que são formadas também por pessoas do mesmo sexo, pai ou mãe solteiro e até mesmo famílias virtuais estão sendo debatidas – é o caso da iFamily que deixarei para debater no próximo artigo de segunda.
O fato é que, por mais que a Lei Maria da Penha vise a proteção da mulher por agressão do homem – esse por ser a maior incidência de casos – a legislação brasileira deve se adequar aos avanços sociais e nada mais acertado do que a aplicação das penalidades previstas na Lei Maria da Penha a violência doméstica cometida no ente familiar, independentemente da sua formação.
Quanto ao assunto, recomendo a leitura da reportagem veiculada do site do G1 que trata do assunto como “armário duplo” – não me perguntem se está correta a forma tratada, apenas estou relatando a matéria.
Na matéria supramencionada é noticiado que “especialistas dizem que violência em relacionamentos de pessoas do mesmo sexo é mais frequente do que se imagina, mas continua sendo tradada como tabu”. Ora, se há mesmo um índice maior de violência entre pessoas do mesmo sexo, nada mais justo do que a aplicação das penalidades previstas na legislação com o intuito de proteção do ente familiar.
Em verdade, deve-se deixar de lado a premissa de que a Lei Maria da Penha visa tão somente a proteção da mulher e passar a divulgar que a mencionada lei deve ser aplicada ao ente familiar a fim de proteger as pessoas. (eu posso até estar falando besteira, mas meus colegas penalistas podem me corrigir).
Sendo assim, é notório a adaptação do Poder Judiciário sem que haja a necessidade de criar novas leis para casos específicos.


¹G1. O drama do 'armário duplo': a violência 'invisível' entre casais do mesmo sexo. Disponível em: <https://g1.globo.com/mundo/noticia/o-drama-do-armario-duplo-a-violencia-invisivel-entre-casais-do-mesmo-sexo.ghtml> Acesso em 11 de outubro de 2017.
Laryssa Cesar
Advogada do escritorio Quintella&Costa
Pós-graduado em Direito Civil e Empresarial pela Damasio de Jesus 
Professora de Direito Civil da plataforma www.estudarparaoab.com.br

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SOBRE A INTERPRETAÇÃO DE LEIS CONFORME O PROCESSO DE EVOLUÇÃO DA SOCIEDADE


Em inteligível decisão, o juiz conseguir unir a lei e a constante mudança da sociedade, em virtude de um bem comum, qual seja, proteção da mulher. Não é incomum vermos casos de violência doméstica praticados por homens. Entretanto, importante trazer à tona as relações homoafetivas.

Penso que, se nos limitarmos às paredes (defasadas e engessadas) de algumas leis e não adentrarmos na sociedade como um todo, estaremos deixando de lado inovações jurídicas, bem como deixando de enxergar as relações existentes nela. O direito deve acompanhar a evolução da sociedade.

Quando alguém, de convívio doméstico e familiar, agride uma mulher, simplesmente por seu gênero (sua condição de mulher), o Direito deve intervir e interagir com este quadro social, ainda que a violência venha do mesmo sexo biológico. Nós, enquanto juristas, não podemos cruzar os braços para as “novas” relações afetivas. Digo novas, pois o debate é atual, dez anos atrás não se falava em relações homoafetivas. E, ainda hoje, existem mentes bloqueadas que acreditam na desnecessidade de discutirmos sobre gênero, sexualidade, dentre outras coisas.

Não podemos ficar à margem da sociedade, temos entrar, enxergar a massa e buscar soluções. Esses são os novos assuntos sociais, essas são as questões do século. Ainda, vivemos sob a égide patriarcal, quando era proibido mencionarmos relações que não fossem entre sexos diferentes, quando as pessoas deviam se esconder porque eram perseguidas (e, ainda hoje, é assim). Precisamos aceitar que existem novas relações a serem tratadas, acompanhar a evolução social.

Devo lembrar, assim como já dito em alguns escritos meus neste blog, que a violência contra a mulher (ou seja, por conta do gênero), é baseada em relação de poder, poder este de domínio do corpo e da liberdade do outro.

Ou seja independente do gênero o qual a pessoa se enxerga como fazendo parte, a mulher deve ser protegida contra qualquer ingerência de poder contra ela. Um artigo feito por alunos da Universidade Federal da Paraíba

“Sexo e gênero são noções construídas e transformadas em relações de poder nos processos sociais” (LIMA; MÉLLO, 2012, p.186). dizer o que é ser homem, o que é ser mulher, atribuir significados, papeis e funções diferenciadas a partir dessa identidade vai estabelecer relações de poder que por vezes colocará os sujeitos em polos opostos e desiguais. [...] As relações de gênero, como categoria histórica analítica, oferece reflexões e explicitações sobre práticas culturais e sociais que condiciona as formações identitárias dos sujeitos, no caso de ser homem e ser mulher. De tal modo, que ser homem ou mulher não é definido pelo sexo biológico de cada um/a, mas a partir da relações sociais e culturais que determinam lugares, deveres e direitos distintos conforme a identidade de gênero atribuída.

O que quero dizer com esta citação é que gênero é uma construção social e o poder dado a um determinado sexo pode destituir do outro o seu poder perante a sociedade. Ainda que haja violência doméstica entre mulheres, os números e a frequência, ainda, são dos homens, ou seja, a violência advinda de parceiros homens, ainda, é maior. A relação de poder permite que a violência se instale.

Não podemos deixar de observar que o Direito deve acompanhar as nuances e evoluções da sociedade na qual é instalado. Precisamos tornar cada vez mais frequentes debates dos estudos de gênero.

*A título de curiosidade, o artigo supramencionado traz informações como:
Em uma pesquisa realizada por Costa (2011) na Casa de Privação Provisória de Liberdade (CPPLIII), localizada em Itaitinga/Ceará, junto aos homens que cumpriam pena por violência contra mulher, observou-se que todos os entrevistados colocavam a culpa na companheira pela violência  cometida, geralmente, estava atrelada a uma função relacionada ao  feminino e não realizada. Um dos entrevistados relatou que perfurou a coxa da companheira com uma faca de mesa por ela ficar conversando na calçada em vez de preparar seu jantar, outro agrediu fisicamente a companheira com um cabo de vassoura por não obedecer suas ordens. Em  relação a justificação da violência cometida ,os entrevistados explicitaram consensualmente que  “Tem um motivo né? Porque um homem num vai bater numa mulher sem um motivo. Porque eu  num ia agredir minha esposa se eu não tivesse um motivo, duma raiva que eu tenho dela. Quem bate sem motivo é um covarde né?”(GURIATÃ-primário).



Karla Alves

Bacharel pela Faculdade de Direito de Vitória - FDV
Advogada
Membro do Grupo de Pesquisas Direito, Sociedade e Cultura, da Faculdade de
Direito de Vitória – FDV.
Membro do NeCrim (Núcleo de Estudos em Criminologia), ligado ao Grupo de
Pesquisas Direito, Sociedade e Cultura, da Faculdade de Direito de Vitória - FDV

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A Lei conhecida como Maria da Penha visa proteger a mulher de violência doméstica e familiar.
Não vejo muito o que debater vez que a própria lei prevê a sua aplicação quando a mulher, sexo feminino, encontra-se na figura de vítima, não importando se o agressor é seu parente ou uma pessoa do seu convívio. Havendo, inclusive jurisprudência reconhecendo a sua aplicação à vítima transexual.
Portanto, perfeitamente cabível a aplicação da Lei e suas consequências legais a mulher que agredi mulher, seja fisicamente ou psicologicamente.



Por Patrícia Pestana de Azevedo.
Advogada


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