quinta-feira, 23 de novembro de 2017

(DES)CONSTRUINDO O DIREITO VIOLÊNCIA SEXUAL E OS FILHOS DO ESTUPRO (SOBRE OS SENTIMENTOS DA VÍTIMA)

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Em meio à votação da PEC 181/2015, do senador Aécio Neves, que inicialmente, dizia respeito, apenas, ao aumento da licença-maternidade para mães com filhos prematuros (extensão do período de 120 para 240 dias), temos a manifestação de 18 deputados homens e 1 mulher, os quais votaram o projeto que pode criminalizar o aborto até mesmo em casos que hoje são permitidos por lei. Desta forma, alterando o texto original.


Seria votada no dia 21 de novembro (terça) na Câmara dos Deputados, entretanto, foi adiada para a próxima semana.


Estamos falando da supressão do direito de não gerar o filho fruto de uma violência, do direito de decisão sobre o próprio corpo feminino. Nitidamente, um golpe contra a Constituição Federal e o Código Penal.


A Comissão Especial foi montada em resposta à decisão da 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal, quando esta determinou, em um caso isolado, não considerar crime a prática do aborto durante o primeiro trimestre de gestação, qualquer que fosse a motivação da mulher.


Aproveitando-se da PEC do senador Aécio Neves, o deputado Jorge Tadeu Mudalen ampliou o tema, fixando que a vida começa a partir da concepção, inviabilizando o aborto, ainda nos casos previstos na legislação.


Feita esta introdução, o artigo de hoje versa sobre os filhos do estupro* e os sentimentos da mulher vítima do abuso sexual.

* Não estamos fazendo apologia à criminalização de todas as formas de estupro, pelo contrário. Esta colunista é manifestamente contra a proposta do deputado Jorge Tadeu, uma vez que isto penaliza as vítimas de estupro, quando na verdade, devemos protegê-las.


Em linha contínua, o artigo em questão traz à tona quando o estupro resulta gravidez, e esta é levada adiante pela vítima, ou por motivos de não poder mais interromper a gravidez, esta continua. Como gerar um filho indesejado, resultado de um ato violento de alguém que, muitas vezes, não se viu nem o rosto?


As mulheres que decidem gerar a criança, muitas vezes, passam por isso sozinhas, por vergonha de contar ou por desconhecimento dos fatos. Sem apoio e passando pela segunda humilhação (a primeira é o estupro, o ato de violência), não há como existir relação materna.


De acordo com a psicóloga Rosane Teixeira, do programa de atendimento às vítimas de violência sexual do Hospital São Luiz Unidade Jabaquara, em São Paulo, “o feto se torna a representação do estupro e a mulher nega essa relação. O trauma se sobrepõe ao apelo da maternidade, que também é muito forte” (fonte: http://revistamarieclaire.globo.com/Marieclaire/0,6993,EML366902-1740,00.html).


Para aquelas que decidem ter a criança, a gestação se torna um pesadelo. E, muitas dessas crianças geradas, fruto do estupro, são colocadas para a adoção.


A psicóloga Daniela Pedroso, entre os anos de 1994 e 2009, estudou o perfil de mulheres vítimas de abuso sexual que engravidam, o que tornou-se sua tese de mestrado na Universidade Santo Amaro, em São Paulo. O Estudo contou com o levantamento de 936 pacientes dentro do Projeto Bem-me-quer do Hospital Pérola Byington, referência na América Latina em saúde da mulher.


Este estudo é significante para entendermos as dificuldades que a mulher, vitima de abuso sexual, que decide gerar a criança, passa no período da gestação e como ela lida com isso. A conclusão de sua tese verificou que 90% das mulheres estupradas não procuram um médico para tentar interromper uma possível gravidez. Muitas dessas sequer cogitam esta possibilidade de engravidar e quando se dão conta já passou o tempo para abortar sem riscos (fonte: http://www.drfranciscogonzaga.com.br/site/90-das-mulheres-que-engravidam-apos-estupro-nao-procuram-o-medico-sugestao-fabio-prado/).  


Importante ressaltar que o Ministério da Saúde impõe condições para o aborto (quando a mulher é vítima de abuso sexual). O feto deve ter menos de 22 semanas e pese menos de 500g, de forma segura a orientação é que seja feita a interrupção até a 12ª semana.


Abaixo, um caso ocorrido no Paraná


Em razão do forte trauma, as vítimas muitas vezes acabam não contando o que houve nem mesmo para os próprios familiares. Júlia passou duas vezes por consulta em um hospital público da cidade até se sentir à vontade para relatar o abuso sofrido e expressar o desejo de interromper a gravidez. O medo também era de ter de passar por novos constrangimentos, tendo de contar a sua história dolorosa repetidas vezes em um processo de revitimização. A defensora pública Maria Fernanda Ghannage Barbosa, que atuou no caso, conta que Júlia buscou diversas instituições públicas – de hospitais a órgãos de Justiça – para interromper, de maneira legal, a gestação indesejada, mas acabou passando por várias situações constrangedoras.
“Praticar aborto é conduta punível pelo Direito brasileiro. Entretanto, a lei prevê algumas hipóteses em que ele é considerado legal. Uma dessas hipóteses é em caso de gravidez resultante de estupro. Existem apenas dois requisitos legais para a realização do aborto decorrente de estupro: que ele seja realizado por um médico e que haja o consentimento da gestante”, explica Maria Fernanda. Ainda assim, o médico informou que só realizaria o aborto mediante ordem judicial, o que é desnecessário, segundo a defensora pública.
Para Maria Fernanda, a dispensa de documentos que provem que a gravidez é resultante de violência sexual serve para proteger a mulher. “A realização do aborto nesses casos não depende de ordem judicial que decida se realmente ocorreu o estupro ou violência sexual. Também não depende de boletim de ocorrência, porque existem milhões de motivos para que a mulher não queira expor a sua história, como, por exemplo, por medo do agressor, que pode ser alguém da família. E às vezes até por vergonha. Além da violência sexual, a Júlia foi vítima também de violência institucional dos órgãos pelos quais passou”, afirma a defensora pública.

O assunto é bem mais complexo e demanda estudos para compreender como a vítima passa por tal situação. Por isso que apoiar a PEC 181 é trazer à tona a culpabilização da vítima pela violência sexual, bem como penaliza a mesma a ter que gerar o filho fruto do estupro, fruto de um momento de horror.


O abuso sexual em si já traz traumas, muitas vezes, difíceis de superar pela vítima, quando ocorre a gravidez advinda deste ato e obrigamos a vítima a permanecer com a lembrança deste trauma dentro dela, somos responsáveis por provocar nesta vítima prática semelhante à tortura. A vítima deve ser protegida e nós, como sociedade, temos o dever de propagar que a culpa não é dela, é sempre do agressor.


Um estudo de campo feito com três mulheres que engravidaram após o abuso sexual, o qual trata das percepções e sentimentos das mulheres submetidas ao caso, revelou “1) A violência sofrida; 2) Um misto de vergonha, raiva, medo, desespero e nojo; 3) A culpa; 4) "Um monstro, uma coisa"; 5) O silêncio acerca da violência sexual sofrida; 6) O apoio da família e dos profissionais de saúde; 7) A certeza da decisão tomada; 8) Sobre a interrupção: uma experiência de alívio; e, 9) Vidas marcadas que seguem”.


Os relatos sugerem que a escolha pelo aborto está muito relacionada à violência sexual e que para essas mulheres não é possível emocionalmente tratar gravidez e violência como elementos isolados. Assim, manter a gravidez pode significar a continuidade da violência e a impossibilidade de sua superação (Drezett et al., 2011).
A Culpa
Os relatos evidenciam aspectos corriqueiros na dinâmica da violência, como o pensamento da vítima de que a violência aconteceu por culpa dela, pela vestimenta usada no dia do ato ou por outro sinal que possa ter atraído o agressor. As vivências de situações abusivas podem suscitar nas vítimas o desenvolvimento de crenças distorcidas, tais como a percepção de que são culpadas pelo ocorrido, tratando-se de um mito muito frequente (Duarte & Arboleda, 2004)


Assim, dar continuidade à gravidez é considerado pela vítima um ato de tortura psicológica, carregar o filho fruto de sua humilhação é permanecer em violência.

Podemos compreender dos destaques acima que o assunto não é tão simples quanto promover uma modificação na Constituição, envolve a área psicológica, bem como a relativização de direitos, impressos no ordenamento jurídico brasileiro.


Karla Alves
Bacharel pela Faculdade de Direito de Vitória - FDV
Advogada



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